segunda-feira, 17 de novembro de 2014

AS 50 HORAS…

Talita Caselato

     Podemos então admitir que entre a poesia e a prosa, entre o estado estético da criação e o estado ético da convicção, há um terreno intermediário que é digno de nota. De aspecto iridescente, oscilando numa ambi­valência entre a criação e a convicção, ele se fixa na forma literária do ensaio.1


           O nosso ensaio tem a duração de 50 horas… Antes de tudo começar, tiramos os sapatos, entramos lentamente no espaço de trabalho e lá ficamos. De pés descalços ouvimos as primeiras histórias sobre a relação com a arte dos nossos orientandos: os artistas-vocacionados. Destas histórias puxamos linhas que crescem e tomam a forma que cada um pode moldar.
Todo mês este relógio se repete, ele é estranho, não bate às 12. Ele não tem fim de tarde em seu meio e por um instante desejo que ele não tivesse números.
E às vezes ele não tem. Saímos do ensaio, cada participante caminha em direção a outros espaços, mas leva o nosso instrumento de conexão. Conectados por redes continuamos a conversar, marcar encontros, dividir tarefas, orientar e ser orientado por este outro meio.

Em um de seus aplicativos, ponho-me a anotar cada tempo de trabalho. E o que me ocorre é que, ao invés do relógio não ter ponteiros, são as 50 horas que começam a transbordar. Repetidamente…

      Em 1979, Rank Xerox imagina transpor o universo do escritório para a interface gráfica do computador, o que gera os "ícones", a "lixeira", os "documentos" e a "área de trabalho"; cinco anos depois, Steve Jobs, fundador da Apple, retoma esse sistema de apresentação no Macintosh. A partir daí, o tratamento do texto será regido pelo protocolo formal do setor terciário, e o imaginário do PC será moldado e colonizado pelo mundo do trabalho.  (BOURRIAUD, 2009, p.93)

Se os computadores portáteis, telefones móveis e seus aplicativos conferem dinamismo a nossa produção, os velhos moldes de contar horas propostos pelo sistema de trabalho, não incluem estas que invadem nossas residências, dormitórios, redes de descanso.
Enquanto os números das horas passam do limite, os números da folha de pagamento continuam ali: os mesmos, entediados. Cada hora de trabalho agendada a mais potencializa o trabalho do grupo, confere acabamento a sua forma e complexidade ao seu conteúdo, no entanto, os números entediados despotencializam o trabalho do artista-orientador. 
Quantas outras 50 horas transbordantes ele terá de ter? E se desistir de transbordar, consegue manter vivo e potente o grupo que a todo momento é direcionado a mil outros acontecimentos? 
Neste ano, transbordei. O trabalho do grupo de artistas-vocacionados da Biblioteca Nuto Sant’Anna ganhou força, melhores técnicas, consciência nos argumentos. Eu prefiro assim. Embora não cresçam os números, a vontade cresce, o retorno de ver cada artista-vocacionado crescendo junto movimenta nosso ar. Quando o trabalho é compartilhado, este movimenta outros, e quem sabe um dia cheguem nos números de um relógio com horas praticadas. E então os números deixarão de ser entediados.


 BENSE, Max. O ensaio e sua prosa. Tradução Samuel Titan Jr. Disponível em: http://www.revistaserrote.com.br/2014/04/o-ensaio-e-sua-prosa/  Acesso em: 10 ago. 2014 

        Talita Caselato nasceu em Marília-SP (1986). Vive e trabalha em São Paulo-SP. É mestranda em Artes e Multimeios pela Unicamp, cursa especialização em Gestão Cultural pelo SENAC-SP, graduou-se em Artes Visuais, Bacharelado e Licenciatura, na Unicamp (2010), realizou Intercâmbio Acadêmico com as Artes Plásticas da ECA-USP em 2009 e foi bolsista PIBIC/CNPQ em Iniciação Científica de 2009 a 2010. É artista visual atuante desde 2007. Entre suas principais exposições coletivas estão: 10 Salão Nacional Victor Meirelles sob júri de Paulo Herkenhoff, Cauê Alves; 59 Salão de Abril com curadoria de Ricardo Resende; Olheiro da Arte, curadoria de Fernando Cocchiarale, e 20 e poucos anos: portfólio, exposição realizada na Baró Galeria. Em 2012 realizou sua primeira exposição individual na galeria Demolden Video Project em Santander, Espanha, e recebeu, para a realização desta, apoio do Programa de Intercâmbio do Ministério da Cultura. Em 2009 recebeu o Prêmio do Fundo de Investimentos Culturais de Campinas e em 2011 do 9 Salão de Arte Contemporânea de Marília.
       Foi artista-orientadora dos Projetos Vocacional Artes Visuais (2010, 2013, 2014), Piloto Interlinguagens (2011) e Programa de Iniciação Artística (2012). Encontrou os desenhos deste ensaio em sua última mudança.

















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