quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O BRANCO DO SILÊNCIO

Marcos Gomes
Artista Orientador de Literatura
Biblioteca Érico Veríssimo

A Biblioteca Érico Veríssimo, em Parada de Taipas, fica no meio de um conjunto habitacional, isolada por uma cordilheira de prédios idênticos, perfilados simetricamente como nos bairros operários, e por isso mesmo é muito silenciosa de dia. Ao redor a natureza acolhe e resiste. Logo ali, mais ao norte, depois do Parque do Jaraguá, a cidade muda de nome. A impressão, falsa, é de fronteira entre natureza e cultura, entre silêncio e linguagem. 

Os frequentadores da biblioteca também são silenciosos, e talvez, por isso mesmo, alguns tenham procurado o Vocacional Literatura. Portanto, conversamos pouco, bem pouco, na verdade, nesses oito meses - falei mais que todo mundo junto, disparado, o que no começo me deixou bastante aflito. Foram os textos escritos e lidos, a forma efetiva de comunicação entre nós. Principalmente os escritos, que surgiam a cada encontro, sem bloqueio criativo. Havia profusão. Percebi, depois de conhecê-los melhor no papel, que o silêncio era e é apenas timidez, atuando como uma casca protetora para que as emoções não saiam desgovernadas por aí. É preciso forma. Não há silêncio, portanto, há um diálogo intenso e profundo a partir das palavras escritas numa folha de papel. Uma forma de dizer em silêncio. E há tanto a se dizer.

             Em Taipas me encontrei em um limite: o da palavra dita. Não basta dizer. Há que se dizer por meio do outro, dizendo sem dizer, antes de tudo, sobre uma forma de pensar que se realiza na palavra escrita, mas que não se diz, não se ensina, se escreve e se lê. Digo, portanto, por meio de textos que me disseram algo (Kafka, Lígia, Plínio, Leminski e tantos outros), textos que deram forma ao que não havia antes contorno, ao que é eminentemente impalpável, ao que margeia. E eles, os vocacionados, me disseram também por meio de seus textos o que antes não havia palavras, o que antes margeavam nos livros lidos, o que antes guardavam numa folha de papel no caderno no fundo da gaveta. A ficção é, portanto, a nossa linguagem.

            O designer gráfico japonês Kenya Hara, disse que “não é o branco que existe. Existe a sensibilidade que percebe o branco. Por isso não se deve procurar o branco. Deve-se buscar o modo como se sente o branco. Ao perscrutar a sensibilidade que capta o branco, nos tronaremos capazes de conduzir nossa sensibilidade em direção a um branco um pouco mais branco que o branco comum. E passaremos a perceber o branco que está entretecido na cultura japonesa com uma multiplicidade surpreendente. Começaremos a compreender a linguagem do silêncio e do vazio, e ficaremos aptos a discernir o significado latente neles. Ao dirigir a atenção ao branco, o mundo intensifica a sua luminosidade, tornando a sombra ainda mais acentuada”[1]

            Esta sensibilidade que percebe o branco e o silêncio é a mesma sensibilidade que envolve as palavras que dizem daquilo que não tem forma. É neste branco que nos encontramos em Taipas, e é deste branco da folha de papel, que emergem as palavras a procura do que ainda não existe. Procuramos, todos, um branco que nos revele, que nos dê forma. Que, por fim, diga de nós o que as palavras não dizem sozinhas. Como neste poema da vocacionada Andreza Souza publicado no blog https://vocacionalliteratura.wordpress.com, intitulado “Escrita”:

“O tempo fala por si,
Assim como as linhas
De um caderno.
Lápis, canetas, e borras de borracha,
Sorrisos e lágrimas.
Qualquer ato para expressar a experiência.
Experiência que alimenta a alma,
Que acaricia e acalma,
E demonstra pensamentos.
Pensamentos muitas vezes falhos,
Que visam agradar,
A tudo e a todos.
Porém se estabilizam
Ao serem escritos,
Em uma folha qualquer.
Escrever pode ser falho,
Quando não se quer,
Mas é belo quando se ama.
Pode ser algo
Chato, velho ou novo,
Não importa.
Ao escrever
A alma se liberta,
E leva consigo o desprazer.
Deixando a calmaria,
Que abre caminho ao viver e ao prazer”



 *Fotos do Sarau realizado no jardim da Biblioteca Érico Veríssimo no dia 07/11/2015
        

*Foto do livreto publicado pelo DEC com textos dos vocacionados de literatura - 2015.


[1] HARA, KENYA. Branco. São Paulo: Revista Serrote (IMS), 2012.

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