O BRANCO DO SILÊNCIO
Marcos Gomes
Artista Orientador de Literatura
Biblioteca Érico Veríssimo
A Biblioteca Érico
Veríssimo, em Parada de Taipas, fica no meio de um conjunto habitacional, isolada
por uma cordilheira de prédios idênticos, perfilados simetricamente como nos
bairros operários, e por isso mesmo é muito silenciosa de dia. Ao redor a
natureza acolhe e resiste. Logo ali, mais ao norte, depois do Parque do
Jaraguá, a cidade muda de nome. A impressão, falsa, é de fronteira entre
natureza e cultura, entre silêncio e linguagem.
Os frequentadores da
biblioteca também são silenciosos, e talvez, por isso mesmo, alguns tenham procurado
o Vocacional Literatura. Portanto, conversamos pouco, bem pouco, na verdade,
nesses oito meses - falei mais que todo mundo junto, disparado, o que no começo
me deixou bastante aflito. Foram os textos escritos e lidos, a forma efetiva de
comunicação entre nós. Principalmente os escritos, que surgiam a cada encontro,
sem bloqueio criativo. Havia profusão. Percebi, depois de conhecê-los melhor no
papel, que o silêncio era e é apenas timidez, atuando como uma casca protetora
para que as emoções não saiam desgovernadas por aí. É preciso forma. Não há
silêncio, portanto, há um diálogo intenso e profundo a partir das palavras
escritas numa folha de papel. Uma forma de dizer em silêncio. E há tanto a se
dizer.
Em Taipas me encontrei em um limite: o da
palavra dita. Não basta dizer. Há que se dizer por meio do outro, dizendo sem
dizer, antes de tudo, sobre uma forma de pensar que se realiza na palavra
escrita, mas que não se diz, não se ensina, se escreve e se lê. Digo, portanto,
por meio de textos que me disseram algo (Kafka, Lígia, Plínio, Leminski e
tantos outros), textos que deram forma ao que não havia antes contorno, ao que
é eminentemente impalpável, ao que margeia. E eles, os vocacionados, me disseram
também por meio de seus textos o que antes não havia palavras, o que antes
margeavam nos livros lidos, o que antes guardavam numa folha de papel no
caderno no fundo da gaveta. A ficção é, portanto, a nossa linguagem.
O
designer gráfico japonês Kenya Hara, disse que “não é o branco que existe.
Existe a sensibilidade que percebe o branco. Por isso não se deve procurar o
branco. Deve-se buscar o modo como se sente o branco. Ao perscrutar a
sensibilidade que capta o branco, nos tronaremos capazes de conduzir nossa
sensibilidade em direção a um branco um pouco mais branco que o branco comum. E
passaremos a perceber o branco que está entretecido na cultura japonesa com uma
multiplicidade surpreendente. Começaremos a compreender a linguagem do silêncio
e do vazio, e ficaremos aptos a discernir o significado latente neles. Ao
dirigir a atenção ao branco, o mundo intensifica a sua luminosidade, tornando a
sombra ainda mais acentuada”[1]
Esta
sensibilidade que percebe o branco e o silêncio é a mesma sensibilidade que
envolve as palavras que dizem daquilo que não tem forma. É neste branco que nos
encontramos em Taipas, e é deste branco da folha de papel, que emergem as
palavras a procura do que ainda não existe. Procuramos, todos, um branco que
nos revele, que nos dê forma. Que, por fim, diga de nós o que as palavras não
dizem sozinhas. Como neste poema da vocacionada Andreza Souza publicado no blog https://vocacionalliteratura.wordpress.com,
intitulado “Escrita”:
“O tempo fala por si,
Assim como as linhas
De um caderno.
Lápis, canetas, e borras de borracha,
Sorrisos e lágrimas.
Qualquer ato para expressar a
experiência.
Experiência que alimenta a alma,
Que acaricia e acalma,
E demonstra pensamentos.
Pensamentos muitas vezes falhos,
Que visam agradar,
A tudo e a todos.
Porém se estabilizam
Ao serem escritos,
Em uma folha qualquer.
Escrever pode ser falho,
Quando não se quer,
Mas é belo quando se ama.
Pode ser algo
Chato, velho ou novo,
Não importa.
Ao escrever
A alma se liberta,
E leva consigo o desprazer.
Deixando a calmaria,
Que abre caminho ao viver e ao prazer”
*Fotos do Sarau realizado no jardim da Biblioteca Érico Veríssimo no dia 07/11/2015
*Foto do livreto publicado pelo DEC com textos dos vocacionados de literatura - 2015.
[1]
HARA, KENYA. Branco. São Paulo: Revista Serrote (IMS), 2012.
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