quinta-feira, 10 de dezembro de 2015



Viviane Costa Dias – CEU Uirapuru – TEATRO VOCACIONAL 2015

Sementes de fogo - Pedaços de encontros possíveis.

 1- Presença – corpo
O corpo presente como o local da ação e da emancipação.
O início do encontro é o momento de atravessarmos, juntos, uma borda. Das centenas de distrações para o estado de atenção concentrada do trabalho. O corpo presente como o local da concentração.
Alongamento, yoga, jogos variados com o coletivo. Ocupar todo o espaço com o corpo expandido. Respirar com todo o corpo.
Ocupar o corpo.
Ocupar o espaço.
Presente posso me relacionar. Encontrar o outro. Seja o colega, seja o material que será o gatilho criativo do encontro.

2 – Os materiais inspiradores  
A escolha dos materiais norteadores do nosso encontro se dava pela demanda dos vocacionados. Temas de seu interesse, temas discutidos, intuídos dos encontros. A partir destes temas trabalhamos, inicialmente com imagens, na busca de fecundar a imaginação dos participantes. Queríamos fomentar um processo com forte ênfase no imaginário e seu potencial de libertação, do devaneio e do prazer estético.
--
Pode ser penoso criar a partir do nada. Neste sentido, cabe ao criador estabelecer o maior número possível de
cruzamentos possíveis, a partir de referências, para o projeto. Nos alimentamos de tudo,
desde etimologia das palavras, mitos e lendas associadas às principais imagens poéticas
que trabalhávamos, dicionário de símbolos, obras de arte, quadrinhos, contos, música.
Queríamos um “material de deformação” ,  aquilo que ativa a imaginação. 
Além disso, sabemos que o processo criativo muitas e muitas vezes não é linear, se dá aos saltos, conexões improváveis, acasos.
A inspiração acontece de maneira mais fácil quando o grupo está trabalhando e exercita o maior número possível de combinações.
De acordo com o antropólogo Gilbert Durand, vivemos uma época do pensamento sem
imagens, fruto de sequelas pedagógicas de nossa educação que valoriza mais o conceito
e a percepção em detrimento da imaginação. Enquanto isso ocorre na escola, a  sociedade dissemina imagens veiculadas de forma massiva, insistente, desordenada,
imagens em conserva naquilo que Durand chamou de pedagogia selvagem. “Nesse sentido o que termos hoje é mito mais uma civilização de consumo de imagens do que propriamente uma civilização de imagens” (DURAND, Gilberto. Apud: Araújo e Teixeira; p. 81) .
Experimentamos muito. As imagens nos nutriram.
---
O sonho, ou a Cama, de Frida Kahlo, 1940 foi parte do processo. Ela nos trouxe...o tema da morte, desenvolvido pelos jovens como tema principal. Queríamos falar da vida, através da morte. O jogo com o tempo, a paródia, o humor e o paradoxo contido na imagem. O esqueleto – seu ou seu noivo? ...ou ...sua noiva, a julgar pelo buquê? – dorme bem perto, com o corpo cheio de explosivos e carregando flores. A cama, nas leves nuvens, é de pesada madeira maciça, e as raízes e espinhos e folhas estão...no ar? E se aproximando da pele, espinhos-flores.

http://abstracaocoletiva.com.br/wp-content/uploads/2013/01/The-Dream-The-Bed-1940.jpg



Tecemos a imagem com conto do Ítalo Calvino- As cidades e os desejos. Uma cidade dos mortos que copia a cidade dos vivos. É possível falar da criatividade dos mortos para nos lembrar que só é possível ser criativo em vida? Criamos "A grande Ironia", processo autoral tecido a 13 mãos. Texto e cena.

Vivenciamos alguns exercícios para que o material ganhasse novos contornos, se distorcesse também.

DESCRIÇÃO DE ALGUNS EXERCÍCIOS Vivências
Exercício 1 –Aquário – percepção do espaço e influência energética sobre o espaço e sobre o outro
Cada participante escolhe uma configuração inicial. Esta configuração inicial é uma posição inicial que pode ser nos planos baixo, médio e alto. Deve ter oposições corporais e dilatação no corpo – um corpo presente e energizado em cena. O ideal é que o grupo, com a prática, vá percebendo como se colocar em relação aos colegas para que o ambiente tenha mais energia potencial. Normalmente em diferentes planos e disponível a mudanças súbitas e imprevisíveis. Quando o grupo está em sua configuração inicial, começa uma parte delicada do exercício. O saber escutar o impulso. Todos os participantes devem se conectar uns aos outros e , quando um “ escutar” o impulso ( como uma corrente elétrica sutil percorrendo o corpo) deve liberar a energia através de um movimento amplo, se relacionando com o espaço. Sem uma hesitação e buscando agir livremente, mais do que pensar no movimento , os demais devem reagir a este impulso, como se reage a uma pedra jogada dentro de um aquário e se reposicionar no espaço. Este impulso individual e depois coletivo tem uma duração no tempo. Quando termina, os participantes voltam a ficar parados e conectados entre si, em uma nova configuração inicial, até que outro impulso seja sentido.
Passo 2 – Criar ambientes e atmosferas para este jogo – desde situações concretas – Esconderijo subterrâneo sob ataque de bombas; à atmosferas mais líricas e poéticas - Gênese bíblico. Cada pedagogo pode usar sua fantasia aqui.
Passo 3- Não existe mais um ator que responde individualmente o impulso. O grupo todo deve ajudar a produzir e reconhecer o impulso comum e, em acordo sem palavras ou sinais, agir juntos, sem lideranças.
Temas do encontro: energia, espaço, ator manipulador de energias, disponibilidade do ser para agir através de impulsos e intuição, acordos coletivos, criação de ambientes e transformação deles. Coletivo e individualidade.
Exercício 2 - A rua .
Faça fileiras nos cantos laterais da sala de 2 a 10 atores ( dependendo do tamanho da sala e dos atores). Devem estar divididos de maneira equilibrada em cada uma das laterais. Cada participante deve escolher uma velocidade inicial e simplesmente andar, em linha reta (não pode ter diagonais, só linhas retas). A ideia é que o palco nunca fique vazio. Mas sempre com atores em diferentes velocidades.
Passo 2 - No meio de sua trajetória, mude a velocidade, a partir da percepção do que gerará mais energia para aquele espaço. ( É um exercício que pode estimular também a capacidade de leitura da tensão).
Passo 3- Os atores devem achar o momento de entrar e sair da “rua”, o espaço de atuação da sala, variando suas velocidades, planos, impulsos. Podem mudar de direção, fazer pausas, olhar para cima, para baixo, para o outro, correr.
Passo 4 – É possível se relacionar com o outro através de cumprimentos adequados (perguntas e respostas na mesma direção ) ou inadequados (energia da resposta diferente daquela dada) ( como as dinâmicas que experimentamos durante os encontros). Todas as dinâmicas anteriores são mantidas nesta fase.
Passo 5 – Os atores começam a perceber um ambiente absurdo se construindo, de intensa energia . O ator que sentir o impulso deve falar um trecho de um monólogo seu, ou contar uma parte de uma história trabalhada pelo grupo, uma memória compartilhada, uma referência compartilhada. A improvisação coletiva continua seguindo estas regras claras da rua. Cada ator deve encontrar seu momento, o momento mais adequado para que seu texto emerja.
O que a leitura do encontro nos revelou : construção de um ambiente energizado e de atmosferas adequadas ao trabalho criativo a partir de elementos simples como velocidade, direção, presença de diferentes números de atoes no espaço, fluxo coletivo e manejo deste fluxo pelo indivíduo criador. Seguir a intuição e o impulso criativo. Saber usar a energia do ambiente, energia que ajudou a criar, para um ato criativo e para a palavra. Leitura das tensões.
Exercício 3 - Narrativa oriental
 “A alternância entre energia anima e animus é claramente discernível em atores e dançarinos indianos, balineses ou japoneses, particularmente quando estão contando ou dançando histórias que envolvem muitas personagens; esta alternância é perceptível, de maneira semelhante, nos atores ocidentais, dançarinos e mímicos que também passaram por um treinamento que não faz diferenciação entre os sexos. A habilidade para modelar a complementaridade de suas energias permitiu a muitos atores fascinar e surpreender por contradizer o comportamento social e estereotipado homem, mulher. No cinema, por exemplo, pode-se considerar somente o aspecto animus de atrizes como Greta Garbo, Katherine Hepburn e Bette Davis, ou as emanações anima de atores como Marlon Brando, James Dean, Montgomery Clift ou Robert de Niro” ( BARBA, SAVARESE; p. 78)

Um narrador conta uma história com vários personagens de preferência com homens e mulheres como protagonistas e pessoas de diferentes idades, dentro de uma roda. Os atores prestam atenção. Na sequência, um ator se levanta e o narrador, agora consciente de uma outra figura e aberto ao jogo, repete a história. Este ator deve ajudá-lo a recontar a história ( e muitas vezes transformá-la) , apresentando no corpo e na fala aspectos omitidos pelo primeiro ator. Um exercício de jogo e de criatividade e de transformação de energias para atores.

Exercício 4  - O ambiente.
Um ator entra no espaço e constrói um ambiente através do trabalho com atmosferas. Outro ator que entender onde ele está entra e comunga desta atmosfera. Um terceiro deve transformá-la.
Variações - criação de um ambiente com objetos e modificação deste ambiente a partir de deslocamento do objeto ( deslocamentos no espaço ou inversões de seu sentido).
---

Práticas, alimentos de outros artistas, jogos e vivências criativas foram material em nosso caldeirão antropofágico. Criamos uma escrita de cena que orientou um texto. Trabalhos autorais, em que a identidade de cada participante se mostrava e se reconfigurava. Se reconfigurava e se recriava. 

As Ruínas Circulares de Borges nos levou à "Vida de L". Seremos nós também apenas parte do sonho de outro? Do sonho de um mago, de um artista ou do capital? Inquietações. 

Raciocínios tortos, não autorizados, que interrompem o hábito estimulavam o encontro. E a volta, desenhando novas possibilidades. Delicadas. Que pedem mais água, mais alimento. Pulsão, há!

Queremos as sementes fogo para aprender a plantar/brotar em terra líquida!



0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial