Viviane Costa Dias – CEU Uirapuru – TEATRO VOCACIONAL
2015
Sementes de fogo - Pedaços de encontros possíveis.
1- Presença –
corpo
O corpo presente como o local da ação e da
emancipação.
O início do encontro é o momento de atravessarmos,
juntos, uma borda. Das centenas de distrações para o estado de atenção
concentrada do trabalho. O corpo presente como o local da concentração.
Alongamento, yoga, jogos variados com o coletivo.
Ocupar todo o espaço com o corpo expandido. Respirar com todo o corpo.
Ocupar o corpo.
Ocupar o espaço.
Presente posso me relacionar. Encontrar o outro. Seja
o colega, seja o material que será o gatilho criativo do encontro.
2 – Os materiais inspiradores
A escolha dos materiais norteadores do nosso encontro
se dava pela demanda dos vocacionados. Temas de seu interesse, temas
discutidos, intuídos dos encontros. A partir destes temas trabalhamos, inicialmente
com imagens, na busca de fecundar a imaginação dos participantes. Queríamos
fomentar um processo com forte ênfase no imaginário e seu potencial de
libertação, do devaneio e do prazer estético.
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Pode
ser penoso criar a partir do nada. Neste sentido, cabe ao criador estabelecer o maior número possível de
cruzamentos
possíveis, a partir de referências, para o projeto. Nos alimentamos de tudo,
desde
etimologia das palavras, mitos e lendas associadas às principais imagens
poéticas
que trabalhávamos, dicionário de símbolos, obras de arte, quadrinhos, contos,
música.
Queríamos um “material de deformação” ,
aquilo que ativa a imaginação.
Além
disso, sabemos que o processo criativo muitas e muitas vezes não é linear, se
dá aos saltos, conexões improváveis, acasos.
A
inspiração acontece de maneira mais fácil quando o grupo está trabalhando e
exercita o maior número possível de combinações.
De
acordo com o antropólogo Gilbert Durand, vivemos uma época do pensamento sem
imagens,
fruto de sequelas pedagógicas de nossa educação que valoriza mais o conceito
e
a percepção em detrimento da imaginação. Enquanto isso ocorre na escola, a sociedade dissemina imagens veiculadas de
forma massiva, insistente, desordenada,
imagens em conserva
naquilo que Durand chamou de pedagogia
selvagem. “Nesse sentido o que termos hoje é mito mais uma civilização de consumo de imagens do que
propriamente uma civilização de imagens” (DURAND, Gilberto. Apud: Araújo e
Teixeira; p. 81) .
Experimentamos
muito. As imagens nos nutriram.
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O
sonho, ou a Cama, de Frida Kahlo, 1940 foi parte do
processo. Ela nos trouxe...o tema da morte, desenvolvido pelos jovens como tema
principal. Queríamos falar da vida, através da morte. O jogo com o tempo, a
paródia, o humor e o paradoxo contido na imagem. O esqueleto – seu ou seu
noivo? ...ou ...sua noiva, a julgar pelo buquê? – dorme bem perto, com o corpo
cheio de explosivos e carregando flores. A cama, nas leves nuvens, é de pesada
madeira maciça, e as raízes e espinhos e folhas estão...no ar? E se aproximando
da pele, espinhos-flores.
Tecemos
a imagem com conto do Ítalo Calvino- As cidades e os desejos. Uma cidade dos
mortos que copia a cidade dos vivos. É possível falar da criatividade dos mortos
para nos lembrar que só é possível ser criativo em vida? Criamos "A grande Ironia", processo autoral tecido a 13 mãos. Texto e cena.
Vivenciamos alguns exercícios para que o material ganhasse novos contornos, se distorcesse também.
DESCRIÇÃO DE ALGUNS EXERCÍCIOS
Vivências
Exercício
1 –Aquário – percepção do espaço e influência energética sobre o espaço e
sobre o outro
Cada
participante escolhe uma configuração inicial. Esta configuração inicial é uma
posição inicial que pode ser nos planos baixo, médio e alto. Deve ter oposições
corporais e dilatação no corpo – um corpo presente e energizado em cena. O
ideal é que o grupo, com a prática, vá percebendo como se colocar em relação
aos colegas para que o ambiente tenha mais energia potencial. Normalmente em
diferentes planos e disponível a mudanças súbitas e imprevisíveis. Quando o
grupo está em sua configuração inicial, começa uma parte delicada do exercício.
O saber escutar o impulso. Todos os participantes devem se conectar uns aos
outros e , quando um “ escutar” o impulso ( como uma corrente elétrica sutil
percorrendo o corpo) deve liberar a energia através de um movimento amplo, se
relacionando com o espaço. Sem uma hesitação e buscando agir livremente, mais
do que pensar no movimento , os demais devem reagir a este impulso, como se
reage a uma pedra jogada dentro de um aquário e se reposicionar no espaço. Este
impulso individual e depois coletivo tem uma duração no tempo. Quando termina,
os participantes voltam a ficar parados e conectados entre si, em uma nova
configuração inicial, até que outro impulso seja sentido.
Passo
2 – Criar ambientes e atmosferas para este jogo – desde situações concretas –
Esconderijo subterrâneo sob ataque de bombas; à atmosferas mais líricas e
poéticas - Gênese bíblico. Cada pedagogo pode usar sua fantasia aqui.
Passo
3- Não existe mais um ator que responde individualmente o impulso. O grupo todo
deve ajudar a produzir e reconhecer o impulso comum e, em acordo sem palavras
ou sinais, agir juntos, sem lideranças.
Temas
do encontro: energia, espaço, ator manipulador de energias, disponibilidade do
ser para agir através de impulsos e intuição, acordos coletivos, criação de
ambientes e transformação deles. Coletivo e individualidade.
Exercício
2 - A rua .
Faça
fileiras nos cantos laterais da sala de 2 a 10 atores ( dependendo do tamanho
da sala e dos atores). Devem estar divididos de maneira equilibrada em cada uma
das laterais. Cada participante deve escolher uma velocidade inicial e
simplesmente andar, em linha reta (não pode ter diagonais, só linhas retas). A
ideia é que o palco nunca fique vazio. Mas sempre com atores em diferentes
velocidades.
Passo
2 - No meio de sua trajetória, mude a velocidade, a partir da percepção do que
gerará mais energia para aquele espaço. ( É um exercício que pode estimular
também a capacidade de leitura da tensão).
Passo
3- Os atores devem achar o momento de entrar e sair da “rua”, o espaço de
atuação da sala, variando suas velocidades, planos, impulsos. Podem mudar de
direção, fazer pausas, olhar para cima, para baixo, para o outro, correr.
Passo
4 – É possível se relacionar com o outro através de cumprimentos adequados
(perguntas e respostas na mesma direção ) ou inadequados (energia da resposta
diferente daquela dada) ( como as dinâmicas que experimentamos durante os
encontros). Todas as dinâmicas anteriores são mantidas nesta fase.
Passo
5 – Os atores começam a perceber um ambiente absurdo se construindo, de intensa
energia . O ator que sentir o impulso deve falar um trecho de um monólogo seu,
ou contar uma parte de uma história trabalhada pelo grupo, uma memória
compartilhada, uma referência compartilhada. A improvisação coletiva continua
seguindo estas regras claras da rua. Cada ator deve encontrar seu momento, o
momento mais adequado para que seu texto emerja.
O
que a leitura do encontro nos revelou : construção de um ambiente energizado e
de atmosferas adequadas ao trabalho criativo a partir de elementos simples como
velocidade, direção, presença de diferentes números de atoes no espaço, fluxo
coletivo e manejo deste fluxo pelo indivíduo criador. Seguir a intuição e o
impulso criativo. Saber usar a energia do ambiente, energia que ajudou a criar,
para um ato criativo e para a palavra. Leitura das tensões.
Exercício
3 - Narrativa oriental
“A alternância entre energia anima e animus é
claramente discernível em atores e dançarinos indianos, balineses ou japoneses,
particularmente quando estão contando ou dançando histórias que envolvem muitas
personagens; esta alternância é perceptível, de maneira semelhante, nos atores
ocidentais, dançarinos e mímicos que também passaram por um treinamento que não
faz diferenciação entre os sexos. A habilidade para modelar a complementaridade
de suas energias permitiu a muitos atores fascinar e surpreender por
contradizer o comportamento social e estereotipado homem, mulher. No cinema,
por exemplo, pode-se considerar somente o aspecto animus de atrizes como Greta
Garbo, Katherine Hepburn e Bette Davis, ou as emanações anima de atores como
Marlon Brando, James Dean, Montgomery Clift ou Robert de Niro” ( BARBA,
SAVARESE; p. 78)
Um
narrador conta uma história com vários personagens de preferência com homens e
mulheres como protagonistas e pessoas de diferentes idades, dentro de uma roda.
Os atores prestam atenção. Na sequência, um ator se levanta e o narrador, agora
consciente de uma outra figura e aberto ao jogo, repete a história. Este ator
deve ajudá-lo a recontar a história ( e muitas vezes transformá-la) ,
apresentando no corpo e na fala aspectos omitidos pelo primeiro ator. Um
exercício de jogo e de criatividade e de transformação de energias para atores.
Exercício
4 - O ambiente.
Um
ator entra no espaço e constrói um ambiente através do trabalho com atmosferas.
Outro ator que entender onde ele está entra e comunga desta atmosfera. Um
terceiro deve transformá-la.
Variações
- criação de um ambiente com objetos e modificação deste ambiente a partir de
deslocamento do objeto ( deslocamentos no espaço ou inversões de seu sentido).
---
As Ruínas Circulares de Borges nos levou à "Vida de L". Seremos nós também apenas parte do sonho de outro? Do sonho de um mago, de um artista ou do capital? Inquietações.
Raciocínios tortos, não autorizados, que interrompem o hábito estimulavam o encontro. E a volta, desenhando novas possibilidades. Delicadas. Que pedem mais água, mais alimento. Pulsão, há!
Queremos as sementes fogo para aprender a plantar/brotar em terra líquida!
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