segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

                              Airton Dupin  - Teatro Vocacional. - Equipamento: CEU Heliópolis.

                                                         Vocação para vida.



“Na vocação para vida está incluído o amor.
É inútil negar: amamos a vida e lutamos por ela dentro e fora de nós mesmos.”

Lígia Fagundes Telles







Desde o primeiro encontro com os vocacionados uma questão permeia as indagações em nossas orientações “Vocação para quê e para quem?”. Explico-me: Se a vocação é a aptidão ou uma tendência do indivíduo para alguma competência ou o desenvolvimento e domínio de certas habilidades nesse indivíduo, o que torna-o capaz de exercer alguma atividade com maestria e plenitude. Espera-se então, que esse indivíduo venha resoluto na sua busca, não que seja resolvido ou articulado enquanto artista, mas que ideia de arte seja a sua busca.
No entanto, são vários os motivos de ordem pessoal que trazem os vocacionados àquele espaço e aos seus horários. E quando se pensa que nessas individualidades se revelam as buscas do ser social que cada um constrói. Em uma primeira indagação, essas buscas são mais sociais ou artísticas, ou em que proporção cada uma se desenvolve? – Não que na arte não revela-se aspirações genuinamente sociais. Visto que é sempre uma criação humana de valores estéticos que sintetizam, as emoções, os sentimentos, o pensamento, a história, a cultura de cada indivíduo no seu contexto social. – A arte transforma a nossa maneira de pensar, nos faz pensar nossos posicionamentos socioculturais e artístico. Porém, se o artista precisa da técnica e do conhecimento, por vezes intuitivo, para se comunicar, o que nos coloca uma segunda indagação, como introduzir a técnica sem que ela seja uma imposição e qual os caminhos espontâneos de inserir esse aspirante artista numa esfera mais global do fazer artístico em si?

Ruminando sobre essas questões no campo do teatro parece-me inevitável não deixar de recorrer a argumentos de alguns mestres como Antonin Artaud que, parafraseando sua célebre introdução, no “Teatro e seu duplo”, “Fala-se muito em cultura e arte, quando é a própria vida que está em questão, e tentamos nos focar na preocupação com uma arte que, por vezes, não coincide com a vida, mas que é feita para dirigir a vida, no entanto todo o pensamento volta-se para necessidade de viver melhor. Então, o mais urgente não me parece defender uma arte cuja existência nunca salvou uma pessoal de suas inquietações e da preocupação de viver melhor. Mas sim, extrair daquilo que se chama arte, idéias cuja força viva seja idêntica a busca do viver melhor!”. Nesse entendimento, é preciso deixar o ser social fluir para o artista se revelar. Porém, é preciso estar disponível, vocacionado e orientador. Estar à disposição supõe não ter certeza alguma, ouvir sem julgar, sem preferir ou escolher. Ser disponível é ser livre ainda que por alguns instantes. Uma vez provada a liberdade ela retorna sempre. A exemplo, um vocacionado, certa vez, me segredou que estava ali somente pra ocupar seu tempo, que eu não exigisse dele nada além da sua presença, porém, ao poucos foi se integrando a turma e a suas questões culminando na necessidade de falar sobre elas, por fim, quando subiu ao palco para mostrar sua cena como processo final, tanto ele como os colegas se surpreenderam com aquela força e expressão que não sabiam que estavam ali.
          Nesse caminho pode parecer que objetivo do projeto não é formar artistas, e sim utilizar a arte (mais especificamente o teatro) para formar cidadãos ou dar voz àqueles que estão imersos em algum tipo de opressão. Em verdade, uma coisa não exclui a outra, elas são complementares e simbióticas e, uso como argumentação a citação de outro mestre, Brecht em “Pequeno Organon...”  _ “O teatro só pode adotar uma atitude livre entregando-se às correntes mais fortes de sua sociedade e associando-se a todos que, necessariamente, estão impacientes para efetuar grandes modificações. O mero desejo de desenvolver nossa arte em diapasão com a época em que ela se insere, nos leva desde já a deslocar o nosso teatro para os subúrbios da cidade onde ficará inteiramente a disposição das vastas massas, a fim de que possam se divertir proveitosamente com a complexidade de seus problemas.  É possível que não compreendam de início, nossa nova forma de diversão, e caberá a nós, sob muitos aspectos, aprender e descobrir o que mais necessitam e de que modo o necessitam; mas podemos estar certos de seu interesse. Por que estes homens que parecem distantes, assim se encontram, com efeito, por estarem mantidos a distância. São esses verdadeiros filhos da nossa era que impulsionarão, sozinhos, o teatro. O teatro tem de se comprometer com a realidade, pois só assim lhe será possível e Lícito realizar as representações eficazes da realidade”.



Penso agora sobre a técnica e as competências que o artista deve dominar para atingir a sua arte. Devo assim, considerar que toda pessoa tem um potencial criativo, perceptivo e imaginário não suficientemente explorado - às vezes tolhido - a técnica visa romper e desenvolver tal potencialidade. Assim, buscando desenvolvimento da acuidade perceptiva, básica para o estímulo à imaginação, caracterizando-se como uma reordenação de experiências e imagens transformáveis em novas idéias. Esse desenvolvimento possibilita uma expressividade crescente que, num dado momento, requisita uma comunicação mais eficiente, mais facilmente atingidos pelos exercícios teatrais.
         O teatro possibilita o desenvolvimento de um comportamento mais organizado, da participação e iniciativa. Através da conscientização e aprimoramento da percepção sensorial, da imaginação e da criatividade, o vocacionado assume um olhar crítico diante do mundo e de si mesmo. Aprendendo a lidar melhor com suas limitações e potencialidades. Sendo o teatro uma atividade grupal não pode permitir o individualismo exacerbado, pois que, para o resultado ser satisfatório para todos, o sentido de grupo deve prevalecer. As inúmeras e variadas possibilidades de participação em experiência dramática exige o envolvimento de todos, possibilitando a iniciativa e cooperação. Cito aqui, como esse espírito de grupo e coletividade pode dar peso e sentido ao fazer teatral: Na semana que antecedia a apresentação pública do nosso processo, três vocacionados que eram partes fundamentais para o entendimento do espetáculo, abandonaram o processo por motivos pessoais, o grupo não se abalou, rapidamente se organizou para suprir as falhas, pois entenderam que algo maior tinha que prevalecer. Não obstante, outra adversidade colocou o grupo a prova, no dia do espetáculo não havia público, e qual o sentido de apresentar o espetáculo para um teatro vazio? Assim, sem pestanejar os atores já trajados de seus figurinos e maquiados, deixaram o teatro e o CEU em busca de espectadores, vinte minutos depois, ei-los voltando como numa procissão, trazendo consigo pessoas que deixaram suas casas na busca de diversão e, assim se integraram na celebração mais genuína da possibilidade teatral.
            Como argumento final, recorro a Peter Brook, quando no Livro “Ponto de mudança” ele afirma que o artista só se legitima como tal, quando sua obra é apreciada pelo público, pois é nessa via que a comunicação acontece e o ser social percebe sua dimensão como artista. Entendo assim, que a necessidade da apreciação pública de um processo e do resultado outorga ao vocacionado sua plenitude artística. Veremos aí, indubitavelmente o ser social se colocar e também como um processo seletivo a vocação artística poderá se afirmar.


Bibliografia.
ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. Ed. Max Limonad, SP .1987.

BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Trad. Fiama Pais Brandão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

BROOK, Peter. O ponto de mudança. Rio de Janeiro, civilização Brasileira, 1994.

LEITE, Luiza Barreto, Teatro é Cultura na Educação. Editora Brasília/RJ – RJ. 1976.


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