Airton Dupin - Teatro Vocacional. - Equipamento: CEU Heliópolis.
“Na vocação para vida está incluído o amor.
É inútil negar: amamos a vida e lutamos por
ela dentro e fora de nós mesmos.”
Lígia Fagundes Telles
Desde o primeiro encontro com os
vocacionados uma questão permeia as indagações em nossas orientações “Vocação
para quê e para quem?”. Explico-me: Se a vocação é a aptidão ou uma tendência
do indivíduo para alguma competência ou o desenvolvimento e domínio de certas
habilidades nesse indivíduo, o que torna-o capaz de exercer alguma atividade
com maestria e plenitude. Espera-se então, que esse indivíduo venha resoluto na
sua busca, não que seja resolvido ou articulado enquanto artista, mas que ideia
de arte seja a sua busca.
No entanto, são vários os motivos
de ordem pessoal que trazem os vocacionados àquele espaço e aos seus horários.
E quando se pensa que nessas individualidades se revelam as buscas do ser
social que cada um constrói. Em uma primeira indagação, essas buscas são mais
sociais ou artísticas, ou em que proporção cada uma se desenvolve? – Não que na
arte não revela-se aspirações genuinamente sociais. Visto que é sempre uma
criação humana de valores estéticos que sintetizam,
as emoções, os sentimentos, o pensamento, a história, a cultura de cada
indivíduo no seu contexto social. – A arte transforma a nossa maneira de
pensar, nos faz pensar nossos posicionamentos socioculturais e artístico. Porém, se o artista precisa da
técnica e do conhecimento, por vezes intuitivo, para se comunicar, o que nos
coloca uma segunda indagação, como introduzir a técnica sem que ela seja uma
imposição e qual os caminhos espontâneos de inserir esse aspirante artista numa
esfera mais global do fazer artístico em si?
Ruminando sobre essas questões no
campo do teatro parece-me inevitável não deixar de recorrer a argumentos de
alguns mestres como Antonin Artaud que, parafraseando sua célebre introdução,
no “Teatro e seu duplo”, “Fala-se muito em cultura e arte, quando é a própria
vida que está em questão, e tentamos nos focar na preocupação com uma arte que,
por vezes, não coincide com a vida, mas que é feita para dirigir a vida, no
entanto todo o pensamento volta-se para necessidade de viver melhor. Então, o mais
urgente não me parece defender uma arte cuja existência nunca salvou uma
pessoal de suas inquietações e da preocupação de viver melhor. Mas sim, extrair
daquilo que se chama arte, idéias cuja força viva seja idêntica a busca do
viver melhor!”. Nesse entendimento, é preciso deixar o ser social fluir para o
artista se revelar. Porém, é preciso estar disponível, vocacionado e
orientador. Estar à disposição supõe não ter certeza alguma, ouvir sem julgar,
sem preferir ou escolher. Ser disponível é ser livre ainda que por alguns
instantes. Uma vez provada a liberdade ela retorna sempre. A exemplo, um
vocacionado, certa vez, me segredou que estava ali somente pra ocupar seu
tempo, que eu não exigisse dele nada além da sua presença, porém, ao poucos foi
se integrando a turma e a suas questões culminando na necessidade de falar
sobre elas, por fim, quando subiu ao palco para mostrar sua cena como processo
final, tanto ele como os colegas se surpreenderam com aquela força e expressão
que não sabiam que estavam ali.
Nesse caminho pode parecer que objetivo do projeto não é formar
artistas, e sim utilizar a arte (mais especificamente o teatro) para formar
cidadãos ou dar voz àqueles que estão imersos em algum tipo de opressão. Em
verdade, uma coisa não exclui a outra, elas são complementares e simbióticas e,
uso como argumentação a citação de outro mestre, Brecht em “Pequeno Organon...” _
“O teatro só pode adotar uma atitude livre entregando-se às correntes mais
fortes de sua sociedade e associando-se a todos que, necessariamente, estão
impacientes para efetuar grandes modificações. O mero desejo de desenvolver
nossa arte em diapasão com a época em que ela se insere, nos leva desde já a
deslocar o nosso teatro para os subúrbios da cidade onde ficará inteiramente a
disposição das vastas massas, a fim de que possam se divertir proveitosamente
com a complexidade de seus problemas. É
possível que não compreendam de início, nossa nova forma de diversão, e caberá
a nós, sob muitos aspectos, aprender e descobrir o que mais necessitam e de que
modo o necessitam; mas podemos estar certos de seu interesse. Por que estes
homens que parecem distantes, assim se encontram, com efeito, por estarem
mantidos a distância. São esses verdadeiros filhos da nossa era que impulsionarão,
sozinhos, o teatro. O teatro tem de se comprometer com a realidade, pois só
assim lhe será possível e Lícito realizar as representações eficazes da
realidade”.
Penso agora sobre a técnica e as
competências que o artista deve dominar para atingir a sua arte. Devo assim,
considerar que toda pessoa tem um potencial criativo, perceptivo e imaginário
não suficientemente explorado - às vezes tolhido - a técnica visa romper e
desenvolver tal potencialidade. Assim, buscando desenvolvimento da acuidade
perceptiva, básica para o estímulo à imaginação, caracterizando-se como uma
reordenação de experiências e imagens transformáveis em novas idéias. Esse
desenvolvimento possibilita uma expressividade crescente que, num dado momento,
requisita uma comunicação mais eficiente, mais facilmente atingidos pelos
exercícios teatrais.
O teatro possibilita o desenvolvimento de um comportamento mais
organizado, da participação e iniciativa. Através da conscientização e
aprimoramento da percepção sensorial, da imaginação e da criatividade, o
vocacionado assume um olhar crítico diante do mundo e de si mesmo. Aprendendo a
lidar melhor com suas limitações e potencialidades. Sendo o teatro uma
atividade grupal não pode permitir o individualismo exacerbado, pois que, para
o resultado ser satisfatório para todos, o sentido de grupo deve prevalecer. As
inúmeras e variadas possibilidades de participação em experiência dramática
exige o envolvimento de todos, possibilitando a iniciativa e cooperação. Cito
aqui, como esse espírito de grupo e coletividade pode dar peso e sentido ao
fazer teatral: Na semana que antecedia a apresentação pública do nosso processo,
três vocacionados que eram partes fundamentais para o entendimento do
espetáculo, abandonaram o processo por motivos pessoais, o grupo não se abalou,
rapidamente se organizou para suprir as falhas, pois entenderam que algo maior
tinha que prevalecer. Não obstante, outra adversidade colocou o grupo a prova,
no dia do espetáculo não havia público, e qual o sentido de apresentar o
espetáculo para um teatro vazio? Assim, sem pestanejar os atores já trajados de
seus figurinos e maquiados, deixaram o teatro e o CEU em busca de espectadores,
vinte minutos depois, ei-los voltando como numa procissão, trazendo consigo
pessoas que deixaram suas casas na busca de diversão e, assim se integraram na
celebração mais genuína da possibilidade teatral.
Como
argumento final, recorro a Peter Brook, quando no Livro “Ponto de mudança” ele
afirma que o artista só se legitima como tal, quando sua obra é apreciada pelo
público, pois é nessa via que a comunicação acontece e o ser social percebe sua
dimensão como artista. Entendo assim, que a necessidade da apreciação pública
de um processo e do resultado outorga ao vocacionado sua plenitude artística.
Veremos aí, indubitavelmente o ser social se colocar e também como um processo
seletivo a vocação artística poderá se afirmar.
Bibliografia.
ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. Ed. Max
Limonad, SP .1987.
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Trad.
Fiama Pais Brandão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
BROOK, Peter. O ponto de mudança. Rio de Janeiro, civilização Brasileira, 1994.
LEITE, Luiza Barreto, Teatro é Cultura na
Educação. Editora Brasília/RJ – RJ. 1976.
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