terça-feira, 16 de dezembro de 2014

DE MUITOS ENSAIOS, APENAS UM MONTE DE TÍTULOS E UM ROTEIRO PARA NOVOS ENSAIOS

Durante o ano de 2014 muitos ensaios aconteceram, surgiram e desapareceram. Ficaram os assuntos, os possíveis títulos. As ações práticas experenciadas durante a edição 2014 do Programa Vocacional foram impulsos para muitos pensamentos, que em síntese, formariam uma boa raiz para um ensaio, para uma forma a ser compartilhada.
Este ensaio, aquilo que ainda está por ser mexido, vasculhado, terá como princípio a exposição de formas inacabadas do pensamento impulsionado pela prática e pela urgência sobre questões do Projeto Teatro.
No início farei a exposição esquemática de diversos pontos de partida que foram discutidos nos encontros, durante as reuniões de equipe, bastante intensas por sinal, mas que não pude desenvolvê-los em forma de compartilhamento para além do impulso inicial. Neste ensaio único também constará outro impulso, o princípio de uma dramaturgia escrita durante os encontros no CEU Três Lagos. Ou seja, como num ensaio, teremos o caos e a construção de alguns sentidos.

POSSÍVEIS ENSAIOS

“Como promover a discussão sobre o Teatro de Grupo, praticado na cidade, observado dentro do Programa Vocacional, para além dos fetiches sobre esta forma de produção.”

“Desenvolver o pensamento sobre a política cultural da Cidade em relação ao Programa Vocacional. Como a falta de um pensamento macro para cultura tem isolado e ou condicionado o Programa a ser uma forma de ação individualizada.”

“O processo e o sentido ou de como a falta de sentido pode gerar processos pastiches”

“Da importância da articulação dos signos da vida para a articulação dos signos do teatro ou não sou água de côco, mas preciso ficar por dentro”

“Peças teatrais, Uai, why not?”

“Ao substituir uma Artista Orientadora no CEU Navegantes, vi um grupo de jovens vivendo teatro na rua, brincando de fazer teatro nas calçadas. O teatro não era norma, era vida”

“Humbalada, ta aí a resposta sobre o Programa Vocacional”

“Diz o morador do Grajaú, que estava bêbado, aparentemente feliz ao lado de sua suposta namorada, de igual estado de embriaguês: “O teatro lá dentro (referindo-se ao CEU Três Lagos enquanto via uma apresentação do Grupo Enchendo Laje na rua) acabou, tá morto. O teatro agora é aqui fora, aquela lá (de dentro) já morreu.”

DA IMPORTÂNCIA DE CRIAR SENTIDOS

Neste ensaio resolvi publicar uma dramaturgia em processo, fruto de uma longa discussão e acúmulo. Este acúmulo foi recheado por um processo em que o teatro era meio para a expressão e esta expressão ganhava em cada encontro, contornos de vida, das contradições das vidas presentes. E estes contornos foram dando régua e compasso para o teatro que se misturou às vidas.
Publico  esta dramaturgia, pois ela foi apresentada em forma de ensaio, na Mostra Vocacional e é apenas ponto de partida para a continuidade dos envolvidos que continuarão o processo. Este exercício é em si um movimento inicial para criar sentidos ao fazer teatral.





ROTEIRO PARA ENCENAÇÃO
TEATRO VOCACIONAL – 2014

Este roteiro foi construído por meio de títulos de cenas improvisadas durante os encontros, indicações de jogos, livre adaptação de “Os Três Porquinhos” e duas cenas criadas por meio da pesquisa feita acerca do tema: “estruturas de poder”.

1 – QUANDO O PÚBLICO VAI PARA A PRIVADA
Os atores e atrizes recebem o público na portaria do CEU (ou em outra portaria, caso o espaço seja diferente). Alguns interpretam o público entrando no espaço e mostrando documento para isso.  O jogo cênico é modificado quando uma das pessoas não tem documentos para serem mostrados. Uma discussão sobre a entrada no espaço público é travada entre um dos seguranças e a pessoa que não tem documentos. Um dos seguranças sai do espaço e ao tentar retornar o outro segurança lhe pede o RG. Os documentos do segurança que reivindica a entrada estão dentro do CEU. Cumprindo a regra, o segurança fica de fora.
Sugestão para término da cena:
Segurança 1 – Isso é um absurdo!
Todos – de forma descompassada- é um absurdo.

Todos os materiais usados para a composição deste exercício cênico passarão pela roleta. Para deixar o gesto da cena evidente sugere-se que, enquanto a discussão é travada, que uma das atrizes entre com sua boneca, que será utilizada em cena posteriormente, e apresente dois documentos, o dela e o da boneca.


2 -  TRÊS PORQUINHOS OU FOCINHEIRA TRANSFORMA LOBO EM CORDEIRO

MEGAFONE – Era uma vez uma metrópole. Era outra vez uma terra. Era uma vez um negócio. Era outra vez o valor da terra. Era uma vez uma vez alguns porcos donos da terra. Era outra vez muitos lobos ocupando a terra. Era uma vez uma história. Era outra vez outra história.
Ao final da narração público e atores estão misturados como parte da ocupação. Vê-se uma faixa, feita de pano, nela está escrito : “Alcateia”.
Roupas penduradas em varais são vistas. Nelas estão vários dados escritos que foram coletados durante a pesquisa sobre moradia.

LOBO 1  – Fala Lobaida. Todos uivam. Hoje faz um mês que nossa ocupação aconteceu. E todo mundo sabe o suor que doou pra que hoje a gente pudesse tá aqui. Então gente, chega de medo...
LOBO 2 –É isso mesmo! Vamos mostrar que aqui não tem lobo mau não. Aqui todo mundo é trabalhador, certo?
Este trecho da cena deve ser improvisado. Sugere-se um clima festivo de harmonia. Este clima é interrompido pela chegada de um primeiro agente, um porquinho. A caracterização se dá por cada porco segurar um porquinho na mão. Este primeiro porquinho faz parte de um programa social.
PORQUINHOsegurando um porco na mão – Com licença, com licença. Eu faço parte de um Programa  da Prefeitura e estou fazendo o cadastro de todas as famílias de Lobos a fim de disponibilizar o acesso aos bens oferecidos pelo município: hospital, vale leite, matrícula em creche, etc. Vocês poderiam me responder algumas perguntas?
Os lobos se olham
LOBO 3 – Mas você é um porco e nós somos lobos.
PORQUINHO – Se aceitarem responder algumas perguntas vocês terão diretos iguais aos porcos. Para a prefeitura não existem porcos ou lobos. Existem procura algo existem....pega uma focinheira e mostra aos lobos cidadãos. E então podem me responder algumas perguntas?
MEGAFONE – A resposta foi sim. Depois de um mês aquele Porquinho já havia feito o cadastro, já sabia o número de lobos em cada casa, já sabia o número de filhotes, religião, condições de saúde, até o time que cada lobo torcia ele já sabia.

Ao final da narração todos os lobos estão usando focinheiras.
Ouve-se uma sirene policial. Entram em cena outros dois porcos ou dois lobos sem focinheira. São  policiais. Eles apenas passam em revista. Os lobos, todos com focinheiras, olham e ficam quietos.
Em seguida entra outro porco com um porquinho maior na mão. Sugere-se que use uma roupa mais formal.
PORCO OFICIAL – Olá, bom dia. Olhando para um dos lobos. Onde está o Lobão?
LOBO – Foi embora do País porque a Dilma ganhou.
PORCO OFICIALa um dos lobos-  O Sr. deve ser o Lobo 1?
LOBO 1 – Balançando com a cabeça que sim. Sim!
PORCO OFICIAL – Pois bem, Sr. Lobo. Eu venho aqui a mando do Estado para cumprir o pedido de reintegração de posse desta área pedida pela empresa “Três porquinhos empreendimentos” cujo dono é o famoso porquinho Três, animal visionário que construiu uma casa de tijolos e pedras. Conhecem essa história? ao público Mas isso é outra história, não?
LOBO 1 – Isso aqui é nossa alcatéia e nós não vamos sair.
PORCO OFICIAL – Pra que dificultar as coisas? Vocês são 1000 famílias, sendo 5 mil lobos, destes, um terço são mulheres, 30% de idosos,  1500 crianças, 3.215 corinthianos, mil são paulinos, 600 palmeirenses, 184 santistas e um torcedor da portuguesa. Recebem  atualmente do Estado: vale leite, acesso a creche, hospitais, etc. Vocês são cidadãos referindo-se às focinheiras mas se recusarem a sair terei que enquadrá-los como criminosos e voltarão a ser lobos maus.
CORO DE LOBO – Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover!

QUADRO DE TV
Sugere-se usar uma carcaça de TV.
ÂNCORA – Obra social das Três Porquinhos Empreendimentos é impedida pela ação criminosa de lobos maus.
PORCO DONO DA EMPREITEIRA – Desde pequeno, eu tenho um sonho: dar condições aos de menos condições. Eu peço aos lobos maus que deixem minha terra. Terra que foi invadida, criminosamente invadida. Nós, da Três Porquinhos Empreendimentos, construiremos o maior complexo imobiliário do planeta naquela área. Isso fará de nossa cidade, de nosso País, uma referência para o mundo. Infelizmente o valor de cada imóvel é mais do que o valor de toda essa alcatéia de invasores que certamente ficaram flauteando enquanto eu trabalhava. Eu não tenho culpa de ter muito.
ÂNCORA – Mas... enquanto a obra social?
PORCO DONO DA EMPREITEIRA – Ah, sim. Comprometo-me publicamente a disponibilizar os tratores para demolição do terreno. Assim, os lobos maus desta alcatéia, não precisarão, como consta na lei, deixar a área como a encontraram.

 CORO DE LOBO – Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover!
Lobos comemoram
PORCO OFICIAL – Trago aqui em minhas mãos um documento importante. Trago a ordem de despejo e digo mais: uma proposta de bolsa aluguel para as famílias com filhotes de até 5 anos que conforme cadastro são 132.
LOBO – E o resto?
PORCO OFICIAL – O resto vai trabalhar, né? Ponham os filhotes no farol.  Não é assim que vocês fazem?
CORO DE LOBO – Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover
MEGAFONE -  Na noite seguinte, descumprindo a lei, a polícia arrombou portas, jogou gás de pimenta, espancou vários lobos. Mas os lobos unidos daquela alcatéia conseguiram resistir. Centenas de lobos ficaram feridos, 30 deles morreram no enfrentamento. Na Tv foi noticiado que os Lobos agrediram os policiais que reagiram. “Houve troca de tiros e um policial foi gravemente ferido...”. Sem nenhum tiro ter sido disparado pelos lobos os policiais foram expulsos da alcateia.
Mostra-se os lobos empunhando pedaços de madeiras, faixas, etc. Com dados que foram coletados durante a pesquisa. Ex. dados ligados a empreiteiras e a política, criminalização dos movimentos, repressão policial, etc. Os lobos, em coro, retiram as focinheiras.
CORO DE LOBO – Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover!
PORCO  ADVOGADO – Eu venho em paz! (segura um grande cofrinho em formato de porco). 
Venho a mando de meu cliente dizer que faremos uma trégua. E que vocês poderão permanecer no local. A Alcatéia poderá ficar. Acariciando o cofrinho O bom senso venceu! Espero continuando a acariciar o cofrinho que tudo tenha se esclarecido. E me ponho à disposição caso alguém de vocês precise.
CORO DE LOBO –  o coro se afasta deixando apenas um lobo que fica cara a cara com o Porco Advogado Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover!
O coro desaparece. Ficam em cena apenas o Porco advogado e um dos Lobos. O Porco Advogado quebra o cofrinho cheio de moedas aos pés do Lobo que se ajoelha perante o Porco. Com um isqueiro o Lobo queima a faixa escrito Alcatéia.
CORO DE LOBO – Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover! Mais um apenas um de nós pode por tudo a perder.
Ouve-se “Money” Pink Floyd que é tocada pelo Megafone. A atriz ou ator que está com o Megafone conduz o público ao som da música para uma sala.

3 CRIANÇAS BRINCANDO OU É DESDE PEQUENO QUE SE APRENDE
Na sala existem cadeiras enfileiradas para dois lados diferentes. As cenas acontecem comitantemente.  Trata-se de duas crianças brincando de sociedade.
Em uma  das cenas vê-se um filho que recebe um brinquedo da mãe. Ele está sentado olhando seus brinquedos com certo desprezo. No chão vê-se algumas casinhas, dando ideia de um bairro e muitas árvores. O menino ganha uma caixa enorme onde se vê escrito “Fábrica de Carros”. A cena se desenvolve a partir das seguintes ações:

  1. Menino tenta achar espaço para por a fábrica;
  2. A fábrica só abre ao colocar moedas dentro. A cada moeda uma nova surpresa;
  3. Menino abre a fábrica e retira de lá um carro esportivo de brinquedo. Ele brinca com o carro, mas vê o primeiro obstáculo: um bairro;
  4. Nova moeda. Menino retira um trator e brinca, com muita felicidade, de remover casinhas, etc;
  5. O carro volta a passear com as ruas livres e encontra o segundo obstáculo: um outro bairro mais arborizado;
  6. Nova moeda, uma caixa de fósforos. O menino queima a floresta;
  7. Nova moeda, um prédio é colocado no lugar das árvores;
  8. O menino estaciona o carro no prédio;
  9. Sai de cena pedindo novas moedas para a mãe.

Na outra cena vê-se uma menina que se vê obrigada pela mãe a arrumar seu quarto. A menina encontra a bolsa da mãe, esquecida ali por acaso. A menina pensa em devolver a bolsa à mãe, mas desiste.
A partir daí a menina faz uso de vários objetos compondo, aos olhos do público, gestos que desnaturalizam  os objetos encontrados.
  1. Menina acha uma tele-sena. Venda os olhos com ela e faz dos olhos uma arma de raio laser;
  2. Pega contas de papel e brinca de bombas;
  3. Tira uma cruz de madeira e faz dela um revólver;
  4. Pega uma boneca e a sequestra. Pega o celular da mãe para ligar e pedir o resgate. “Eu quero um Play Station 4”;
  5. Mata a boneca sem querer com a cruz em forma de revólver;
  6. Sai de cena chamando pela mãe.

As duas cenas são de mesma duração.

Fim do ensaio 2014.

Fábio Resende

Artista orientador de teatro – CEU Três Lagos

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