DE MUITOS ENSAIOS, APENAS UM MONTE DE TÍTULOS E UM ROTEIRO PARA NOVOS ENSAIOS
Durante o ano de 2014 muitos ensaios aconteceram,
surgiram e desapareceram. Ficaram os assuntos, os possíveis títulos. As ações
práticas experenciadas durante a edição 2014 do Programa Vocacional foram
impulsos para muitos pensamentos, que em síntese, formariam uma boa raiz para
um ensaio, para uma forma a ser compartilhada.
Este ensaio, aquilo que ainda está por ser mexido,
vasculhado, terá como princípio a exposição de formas inacabadas do pensamento
impulsionado pela prática e pela urgência sobre questões do Projeto Teatro.
No início farei a exposição esquemática de diversos pontos
de partida que foram discutidos nos encontros, durante as reuniões de equipe,
bastante intensas por sinal, mas que não pude desenvolvê-los em forma de
compartilhamento para além do impulso inicial. Neste ensaio único também
constará outro impulso, o princípio de uma dramaturgia escrita durante os
encontros no CEU Três Lagos. Ou seja, como num ensaio, teremos o caos e a
construção de alguns sentidos.
POSSÍVEIS
ENSAIOS
“Como promover a discussão sobre o Teatro de Grupo,
praticado na cidade, observado dentro do Programa Vocacional, para além dos
fetiches sobre esta forma de produção.”
“Desenvolver o pensamento sobre a política cultural da
Cidade em relação ao Programa Vocacional. Como a falta de um pensamento macro
para cultura tem isolado e ou condicionado o Programa a ser uma forma de ação
individualizada.”
“O processo e o sentido ou de como a falta de sentido
pode gerar processos pastiches”
“Da importância da articulação dos signos da vida para a
articulação dos signos do teatro ou não sou água de côco, mas preciso ficar por
dentro”
“Peças teatrais, Uai, why not?”
“Ao substituir uma Artista Orientadora no CEU Navegantes,
vi um grupo de jovens vivendo teatro na rua, brincando de fazer teatro nas
calçadas. O teatro não era norma, era vida”
“Humbalada, ta aí a resposta sobre o Programa Vocacional”
“Diz o morador do Grajaú, que estava bêbado,
aparentemente feliz ao lado de sua suposta namorada, de igual estado de
embriaguês: “O teatro lá dentro (referindo-se
ao CEU Três Lagos enquanto via uma apresentação do Grupo Enchendo Laje na rua)
acabou, tá morto. O teatro agora é aqui fora, aquela lá (de dentro) já morreu.”
DA
IMPORTÂNCIA DE CRIAR SENTIDOS
Neste ensaio resolvi publicar uma dramaturgia em processo,
fruto de uma longa discussão e acúmulo. Este acúmulo foi recheado por um
processo em que o teatro era meio para a expressão e esta expressão ganhava em
cada encontro, contornos de vida, das contradições das vidas presentes. E estes
contornos foram dando régua e compasso para o teatro que se misturou às vidas.
Publico esta
dramaturgia, pois ela foi apresentada em forma de ensaio, na Mostra Vocacional
e é apenas ponto de partida para a continuidade dos envolvidos que continuarão
o processo. Este exercício é em si um movimento inicial para criar sentidos ao
fazer teatral.
ROTEIRO
PARA ENCENAÇÃO
TEATRO
VOCACIONAL – 2014
Este roteiro foi construído por meio de títulos de cenas
improvisadas durante os encontros, indicações de jogos, livre adaptação de “Os
Três Porquinhos” e duas cenas criadas por meio da pesquisa feita acerca do tema:
“estruturas de poder”.
1 – QUANDO
O PÚBLICO VAI PARA A PRIVADA
Os
atores e atrizes recebem o público na portaria do CEU (ou em outra portaria,
caso o espaço seja diferente). Alguns interpretam o público entrando no espaço e mostrando documento
para isso. O jogo cênico é modificado
quando uma das pessoas não tem documentos para serem mostrados. Uma discussão
sobre a entrada no espaço público é travada entre um dos seguranças e a pessoa
que não tem documentos. Um dos seguranças sai do espaço e ao tentar retornar o
outro segurança lhe pede o RG. Os documentos do segurança que reivindica a
entrada estão dentro do CEU. Cumprindo a regra, o segurança fica de fora.
Sugestão
para término da cena:
Segurança 1 – Isso é um absurdo!
Todos – de forma
descompassada- é um absurdo.
Todos
os materiais usados para a composição deste exercício cênico passarão pela
roleta. Para deixar o gesto da cena evidente sugere-se que, enquanto a
discussão é travada, que uma das atrizes entre com sua boneca, que será
utilizada em cena posteriormente, e apresente dois documentos, o dela e o da
boneca.
2 - TRÊS PORQUINHOS OU FOCINHEIRA TRANSFORMA LOBO
EM CORDEIRO
MEGAFONE
– Era
uma vez uma metrópole. Era outra vez uma terra. Era uma vez um negócio. Era
outra vez o valor da terra. Era uma vez uma vez alguns porcos donos da terra.
Era outra vez muitos lobos ocupando a terra. Era uma vez uma história. Era
outra vez outra história.
Ao
final da narração público e atores estão misturados como parte da ocupação.
Vê-se uma faixa, feita de pano, nela está escrito : “Alcateia”.
Roupas
penduradas em varais são vistas. Nelas estão vários dados escritos que foram coletados
durante a pesquisa sobre moradia.
LOBO
1 – Fala Lobaida. Todos uivam. Hoje faz um mês que nossa ocupação aconteceu. E todo
mundo sabe o suor que doou pra que hoje a gente pudesse tá aqui. Então gente,
chega de medo...
LOBO
2
–É isso mesmo! Vamos mostrar que aqui não tem lobo mau não. Aqui todo mundo é trabalhador,
certo?
Este
trecho da cena deve ser improvisado. Sugere-se um clima festivo de harmonia.
Este clima é interrompido pela chegada de um primeiro agente, um porquinho. A
caracterização se dá por cada porco segurar um porquinho na mão. Este primeiro
porquinho faz parte de um programa social.
PORQUINHO – segurando um porco na mão – Com licença,
com licença. Eu faço parte de um Programa da Prefeitura e estou fazendo o cadastro de
todas as famílias de Lobos a fim de disponibilizar o acesso aos bens oferecidos
pelo município: hospital, vale leite, matrícula em creche, etc. Vocês poderiam
me responder algumas perguntas?
Os
lobos se olham
LOBO
3
– Mas você é um porco e nós somos lobos.
PORQUINHO
– Se
aceitarem responder algumas perguntas vocês terão diretos iguais aos porcos.
Para a prefeitura não existem porcos ou lobos. Existem procura algo existem....pega
uma focinheira e mostra aos lobos cidadãos. E então podem me responder
algumas perguntas?
MEGAFONE – A
resposta foi sim. Depois de um mês aquele Porquinho já havia feito o cadastro,
já sabia o número de lobos em cada casa, já sabia o número de filhotes,
religião, condições de saúde, até o time que cada lobo torcia ele já sabia.
Ao
final da narração todos os lobos estão usando focinheiras.
Ouve-se
uma sirene policial. Entram em cena outros dois porcos ou dois lobos sem
focinheira. São policiais. Eles apenas
passam em revista. Os lobos, todos com focinheiras, olham e ficam quietos.
Em
seguida entra outro porco com um porquinho maior na mão. Sugere-se que use uma
roupa mais formal.
PORCO OFICIAL – Olá, bom dia. Olhando para um dos lobos. Onde está o Lobão?
LOBO – Foi embora do País porque a Dilma ganhou.
PORCO
OFICIAL – a um dos lobos- O Sr. deve ser o Lobo 1?
LOBO
1 – Balançando com a cabeça
que sim. Sim!
PORCO
OFICIAL – Pois bem, Sr. Lobo. Eu venho aqui a mando do Estado
para cumprir o pedido de reintegração de posse desta área pedida pela empresa
“Três porquinhos empreendimentos” cujo dono é o famoso porquinho Três, animal
visionário que construiu uma casa de tijolos e pedras. Conhecem essa história? ao público Mas isso é outra história,
não?
LOBO
1
– Isso aqui é nossa alcatéia e nós não vamos sair.
PORCO
OFICIAL – Pra que dificultar as coisas? Vocês são 1000 famílias,
sendo 5 mil lobos, destes, um terço são mulheres, 30% de idosos, 1500 crianças, 3.215 corinthianos, mil são
paulinos, 600 palmeirenses, 184 santistas e um torcedor da portuguesa. Recebem atualmente do Estado: vale leite, acesso a
creche, hospitais, etc. Vocês são cidadãos referindo-se
às focinheiras mas se recusarem a sair terei que enquadrá-los como
criminosos e voltarão a ser lobos maus.
CORO
DE LOBO – Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um
porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover!
QUADRO
DE TV
Sugere-se
usar uma carcaça de TV.
ÂNCORA –
Obra social das Três Porquinhos Empreendimentos é impedida pela ação criminosa
de lobos maus.
PORCO
DONO DA EMPREITEIRA – Desde pequeno, eu tenho um sonho: dar
condições aos de menos condições. Eu peço aos lobos maus que deixem minha
terra. Terra que foi invadida, criminosamente invadida. Nós, da Três Porquinhos
Empreendimentos, construiremos o maior complexo imobiliário do planeta naquela
área. Isso fará de nossa cidade, de nosso País, uma referência para o mundo.
Infelizmente o valor de cada imóvel é mais do que o valor de toda essa alcatéia
de invasores que certamente ficaram flauteando enquanto eu trabalhava. Eu não
tenho culpa de ter muito.
ÂNCORA –
Mas... enquanto a obra social?
PORCO
DONO DA EMPREITEIRA – Ah, sim. Comprometo-me publicamente a disponibilizar
os tratores para demolição do terreno. Assim, os lobos maus desta alcatéia, não
precisarão, como consta na lei, deixar a área como a encontraram.
CORO DE LOBO – Podem amedrontar, podem
a propriedade defender. Nem um porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos
remover!
Lobos
comemoram
PORCO
OFICIAL – Trago aqui em minhas mãos um documento importante. Trago
a ordem de despejo e digo mais: uma proposta de bolsa aluguel para as famílias
com filhotes de até 5 anos que conforme cadastro são 132.
LOBO
– E
o resto?
PORCO
OFICIAL – O resto vai trabalhar, né? Ponham os filhotes no farol. Não é assim que vocês fazem?
CORO
DE LOBO – Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um
porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover
MEGAFONE
- Na noite seguinte, descumprindo a lei,
a polícia arrombou portas, jogou gás de pimenta, espancou vários lobos. Mas os
lobos unidos daquela alcatéia conseguiram resistir. Centenas de lobos ficaram feridos,
30 deles morreram no enfrentamento. Na Tv foi noticiado que os Lobos agrediram
os policiais que reagiram. “Houve troca de tiros e um policial foi gravemente
ferido...”. Sem nenhum tiro ter sido disparado pelos lobos os policiais foram
expulsos da alcateia.
Mostra-se
os lobos empunhando pedaços de madeiras, faixas, etc. Com dados que foram
coletados durante a pesquisa. Ex. dados ligados a empreiteiras e a política,
criminalização dos movimentos, repressão policial, etc. Os lobos, em coro,
retiram as focinheiras.
CORO
DE LOBO – Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um
porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover!
PORCO
ADVOGADO –
Eu venho em paz! (segura um grande
cofrinho em formato de porco).
Venho a mando de meu cliente dizer que faremos uma
trégua. E que vocês poderão permanecer no local. A Alcatéia poderá ficar. Acariciando
o cofrinho O bom senso venceu! Espero continuando
a acariciar o cofrinho que tudo tenha se esclarecido. E me ponho à
disposição caso alguém de vocês precise.
CORO
DE LOBO – o coro se afasta deixando apenas um lobo que
fica cara a cara com o Porco Advogado Podem amedrontar, podem a propriedade
defender. Nem um porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover!
O
coro desaparece. Ficam em cena apenas o Porco advogado e um dos Lobos. O Porco
Advogado quebra o cofrinho cheio de moedas aos pés do Lobo que se ajoelha
perante o Porco. Com um isqueiro o Lobo queima a faixa escrito Alcatéia.
CORO
DE LOBO – Podem amedrontar, podem a propriedade defender. Nem um
porco, nem dez, nem cem, conseguirá daqui nos remover! Mais um apenas um de nós
pode por tudo a perder.
Ouve-se
“Money” Pink Floyd que é tocada pelo Megafone. A atriz ou ator que está com o Megafone
conduz o público ao som da música para uma sala.
3 – CRIANÇAS BRINCANDO OU É DESDE PEQUENO QUE
SE APRENDE
Na sala existem cadeiras enfileiradas para dois lados diferentes.
As cenas acontecem comitantemente.
Trata-se de duas crianças brincando de sociedade.
Em uma das cenas vê-se
um filho que recebe um brinquedo da mãe. Ele está sentado olhando seus
brinquedos com certo desprezo. No chão vê-se algumas casinhas, dando ideia de
um bairro e muitas árvores. O menino ganha uma caixa enorme onde se vê escrito “Fábrica
de Carros”. A cena se desenvolve a partir das seguintes ações:
- Menino tenta
achar espaço para por a fábrica;
- A fábrica só
abre ao colocar moedas dentro. A cada moeda uma nova surpresa;
- Menino abre a
fábrica e retira de lá um carro esportivo de brinquedo. Ele brinca com o
carro, mas vê o primeiro obstáculo: um bairro;
- Nova moeda.
Menino retira um trator e brinca, com muita felicidade, de remover
casinhas, etc;
- O carro volta a
passear com as ruas livres e encontra o segundo obstáculo: um outro bairro
mais arborizado;
- Nova moeda, uma
caixa de fósforos. O menino queima a floresta;
- Nova moeda, um
prédio é colocado no lugar das árvores;
- O menino
estaciona o carro no prédio;
- Sai de cena
pedindo novas moedas para a mãe.
Na outra cena vê-se uma menina que se vê obrigada pela
mãe a arrumar seu quarto. A menina encontra a bolsa da mãe, esquecida ali por acaso.
A menina pensa em devolver a bolsa à mãe, mas desiste.
A partir daí a menina faz uso de vários objetos compondo,
aos olhos do público, gestos que desnaturalizam
os objetos encontrados.
- Menina acha uma
tele-sena. Venda os olhos com ela e faz dos olhos uma arma de raio laser;
- Pega contas de
papel e brinca de bombas;
- Tira uma cruz de
madeira e faz dela um revólver;
- Pega uma boneca
e a sequestra. Pega o celular da mãe para ligar e pedir o resgate. “Eu
quero um Play Station 4”;
- Mata a boneca
sem querer com a cruz em forma de revólver;
- Sai de cena
chamando pela mãe.
As duas cenas são de mesma duração.
Fim do ensaio 2014.
Fábio Resende
Artista orientador de teatro – CEU Três Lagos
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial