Breve relato, um Breve Encontro - CEU São Mateus (agosto a novembro)
Artista
Orientador: Caio Marinho
Equipamento:
CEU São Mateus – LESTE 2
Breve relato, um Breve Encontro
Cheguei
ao programa em agosto, substituindo outro Artista Orientador no equipamento,
peguei um bonde andando, e foi necessário tranquilidade e cuidado para entender
as várias janelinhas diferentes que ali existiam. Os vocacionados mais antigos,
com uma compreensão maior do que é o programa, outros, tão jovens, estavam ali
buscando uma primeira experiência com o teatro, e fazendo daqueles breves
momentos aos sábados uma fuga da realidade, um lugar para se divertir com amigos, neste
meio tempo fazer algum teatro, e entender do que se trata esse negócio todo.
Grupos heterogêneos, mas com grande afinidade. Tantas especificidades e tão
pouco tempo. Essa primeira aproximação com as turmas foi uma tarefa difícil por
ter de encarar o desconhecido, mas extremamente prazerosa pelo sabor de
descoberta.
Experiência
pontual. É como neste momento consigo chamar meu primeiro contato com o
Programa Vocacional, no CEU São Mateus. Em pouco mais de três meses, foram
tantas experiências e ao mesmo tempo tão pouco destrinchadas, que chamo de
pontual, por essa sensação de completude e ao mesmo tempo falta. Completude por
perceber que dentro do possível, os vocacionados me levaram a lugares
fantásticos como artista e educador, e falta, pois apenas vislumbramos algumas
possibilidades de jornadas que podem ser ainda maiores e melhor aproveitadas
com mais tempo.
Ambas
as turmas carregavam um trabalho de alguns meses, que deveria ser discutido,
revisto, pensado e revisitado, para dar continuidade ao processo iniciado com o
Artista Orientador anterior, mas também entender que esta troca de orientação
influenciou de diversas formas as relações ali estabelecidas, refletindo
diretamente no trabalho que estava sendo desenvolvido.
Dois
processos distintos, uma mesma peça, uma mesma encenação, olhares totalmente diversos
sobre ela. Uma turma decidiu continuar a investigação de tempos, mesmo sem
noventa por cento dos investigadores iniciais, persistindo em uma peça, mesmo
sem ter muita clareza do que se queria dizer com ela. Força, para enfrentar
tantas intempéries de uma transição tão turbulenta, que envolveu, além da troca
de Artista Orientador, uma briga interna que dissipou grande parte do grupo,
incluindo os vocacionados que estavam há mais tempo na turma. Foi uma grande
demonstração de persistência, que ganhou fôlego ao aceitar forças vindas de
fora, e agregar essas singularidades, incorporando vocacionados que chegaram
depois, restabelecendo inclusive um número necessário de participantes para
continuar aquele processo. Foi extremamente emocionante acompanhar a
apresentação na mostra local, e ver que a decisão de manter a memória dos que
já não estavam e segurar com as unhas e dentes o que foi desenvolvido foi um
esforço para que com a peça levantada também não fossem levadas embora as
memórias do que era esse processo para aqueles que ficaram.
A
outra turma, com um perfil bem diferente da primeira, era formada por jovens, que,
desobrigados de uma encenação que não lhes representava mais, decidiram iniciar
um novo processo, partindo de investigações com o corpo, uma nova forma de ver
o teatro, trazida principalmente da minha experiência como artista, ao ver a
necessidade que eles sentiam de experimentar formas e linguagens diferentes.
Apresentei então possibilidades de criação imagética pelo corpo humano quando
fora de seu estado cotidiano, e estas possibilidades motivaram este grupo tão
heterogêneo, que dentro dessa forma, passaram a procurar um discurso mais
claro. A turma decidiu que seria abordada a temática do estupro, assunto
recorrente nos encontros pois refletia um medo real que estava tomando conta da
região de São Mateus em meados de setembro. Infelizmente tivemos pouco tempo
para entender a linguagem que estávamos utilizando e como inserir esse discurso
de forma orgânica dentro dela. Então o processo está neste momento ainda com
uma relação frágil entre forma e conteúdo, algo que precisa ser mais
investigado.
Ambos
os grupos tiveram dificuldade em organizar o material de pesquisa que tinham
para que este pudesse ser apresentado na mostra de processos da região Leste 2.
Grupos ainda sem apropriação de técnicas teatrais que ainda não lhes diziam
respeito. Após poucos meses pesquisando possibilidades estéticas, agora começam
a perceber as formas de levar isso a público. Como posicionar o corpo em cena,
projeção vocal, perceber para quem se faz o teatro, colocar no corpo a
pesquisa, que por mais física que fosse, ainda não tinha a preocupação de ser
mostrada a alguém. Mesmo sendo teatro, era apenas uma brincadeira.
Levar
a sério, precisar apresentar, perceber que há alguém para quem se faz aquilo,
são novas descobertas para um grupo tão jovem. “Nossa, agora eu vi o quanto
ficamos de costas!” “acho que ninguém conseguia ouvir o que dizíamos” foi o que
mais se ouvia nos últimos encontros antes das apresentações. Essa tomada de
consciência, advinda de uma necessidade de apresentar algo que não estava nem
perto de ser apresentado mesmo que em uma mostra de processos, foi um choque de
realidade que, por mais prematuro que tenha sido, os fez desenvolver uma noção
do que e para quem estavam fazendo aquilo. Não posso neste momento realizar uma
reflexão conclusiva de um processo, pois ambas as experiências, foram apenas
iniciadas, mas ainda não puderam ser mais desenvolvidas: a minha, como artista
orientador deste programa, e a dos vocacionados, no processo de se entenderem
como fazedores de teatro.
Refletindo
sobre estas transformações dos processos, não consigo deixar de pensar que foi
extremamente positivo encontrar a mesma encenação nos dois grupos, pois ao logo
deste tempo pude ter a dimensão das singularidades de cada um, ao observar
agora, ao final deste ano, o que resultou deste tempo de trabalho, percebendo
os caminhos tão distintos que foram tomados por cada grupo.
O
trabalho agora é desfragmentar. Juntar as partes desse quebra cabeças que se
começa a entender como teatro. Da mesma forma que este desafio se apresenta
para os vocacionados, também se apresenta para mim, no papel de artista
orientador, ao tentar desfragmentar o que é o programa vocacional, ao qual me
incorporei no meio do ano. Aos poucos vou assimilando as informações. A relação
com o equipamento, o jogo estabelecido com os vocacionados, a noção de
continuidade, a organização da equipe e do programa como um todo para a
estruturação de uma rede onde possam ocorrer trocas artísticas que possibilitem
a visão da cidade como um todo, tendo o teatro como a ligação de tudo isso. É
claro que esta minha experiência de entendimento também reflete nas turmas
vocacionadas, que se sentiram um pouco perdidas, mas felizmente, sinto que,
mesmo com essas novas incertezas, escolheram me acompanhar pelo caminho da
descoberta.
A
partir dessa conjuntura, ao longo destes três meses e meio que passamos juntos,
não posso deixar de assumir um tom de agradecimento ao vocacionados, que se
mantiveram firmes e fortes no programa, e juntos me levaram com eles por um
processo muitas vezes difícil, conturbado, acirrado, mas sempre prazeroso. Não
se sabe como será no próximo ano, mas saio deste com a sensação tanto de dever
cumprido, como de trabalho por fazer com os vocacionados. Enfim, muito ainda há
de ser feito, mas muito também já está se fazendo, e se faz continuamente mesmo
com as intempéries que aparecem por conta de alguma falta de estruturação do
programa ou do equipamento. Mas teatro é processo em conjunto, então acredito
que este seja o caminho natural, que devemos entender e nos colocar sobre. Estas
foram algumas observações que esta experiência pontual me possibilitou. E
concluo mesmo este ano com um agradecimento: aos vocacionados, à equipe, ao
equipamento. Não por um trabalho impecável que não deva ser repensado
diariamente, mas por ter me mostrado que há um esforço no caminho do
entendimento do que tudo isso pode vir a ser.
Marcadores: Caio Marinho, CEU São Mateus, Leste 2, Teatro
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