quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Breve relato, um Breve Encontro - CEU São Mateus (agosto a novembro)

Artista Orientador: Caio Marinho
Equipamento: CEU São Mateus – LESTE 2


Breve relato, um Breve Encontro

Cheguei ao programa em agosto, substituindo outro Artista Orientador no equipamento, peguei um bonde andando, e foi necessário tranquilidade e cuidado para entender as várias janelinhas diferentes que ali existiam. Os vocacionados mais antigos, com uma compreensão maior do que é o programa, outros, tão jovens, estavam ali buscando uma primeira experiência com o teatro, e fazendo daqueles breves momentos aos sábados uma fuga da realidade,  um lugar para se divertir com amigos, neste meio tempo fazer algum teatro, e entender do que se trata esse negócio todo. Grupos heterogêneos, mas com grande afinidade. Tantas especificidades e tão pouco tempo. Essa primeira aproximação com as turmas foi uma tarefa difícil por ter de encarar o desconhecido, mas extremamente prazerosa pelo sabor de descoberta.
Experiência pontual. É como neste momento consigo chamar meu primeiro contato com o Programa Vocacional, no CEU São Mateus. Em pouco mais de três meses, foram tantas experiências e ao mesmo tempo tão pouco destrinchadas, que chamo de pontual, por essa sensação de completude e ao mesmo tempo falta. Completude por perceber que dentro do possível, os vocacionados me levaram a lugares fantásticos como artista e educador, e falta, pois apenas vislumbramos algumas possibilidades de jornadas que podem ser ainda maiores e melhor aproveitadas com mais tempo.
Ambas as turmas carregavam um trabalho de alguns meses, que deveria ser discutido, revisto, pensado e revisitado, para dar continuidade ao processo iniciado com o Artista Orientador anterior, mas também entender que esta troca de orientação influenciou de diversas formas as relações ali estabelecidas, refletindo diretamente no trabalho que estava sendo desenvolvido.
Dois processos distintos, uma mesma peça, uma mesma encenação, olhares totalmente diversos sobre ela. Uma turma decidiu continuar a investigação de tempos, mesmo sem noventa por cento dos investigadores iniciais, persistindo em uma peça, mesmo sem ter muita clareza do que se queria dizer com ela. Força, para enfrentar tantas intempéries de uma transição tão turbulenta, que envolveu, além da troca de Artista Orientador, uma briga interna que dissipou grande parte do grupo, incluindo os vocacionados que estavam há mais tempo na turma. Foi uma grande demonstração de persistência, que ganhou fôlego ao aceitar forças vindas de fora, e agregar essas singularidades, incorporando vocacionados que chegaram depois, restabelecendo inclusive um número necessário de participantes para continuar aquele processo. Foi extremamente emocionante acompanhar a apresentação na mostra local, e ver que a decisão de manter a memória dos que já não estavam e segurar com as unhas e dentes o que foi desenvolvido foi um esforço para que com a peça levantada também não fossem levadas embora as memórias do que era esse processo para aqueles que ficaram.
A outra turma, com um perfil bem diferente da primeira, era formada por jovens, que, desobrigados de uma encenação que não lhes representava mais, decidiram iniciar um novo processo, partindo de investigações com o corpo, uma nova forma de ver o teatro, trazida principalmente da minha experiência como artista, ao ver a necessidade que eles sentiam de experimentar formas e linguagens diferentes. Apresentei então possibilidades de criação imagética pelo corpo humano quando fora de seu estado cotidiano, e estas possibilidades motivaram este grupo tão heterogêneo, que dentro dessa forma, passaram a procurar um discurso mais claro. A turma decidiu que seria abordada a temática do estupro, assunto recorrente nos encontros pois refletia um medo real que estava tomando conta da região de São Mateus em meados de setembro. Infelizmente tivemos pouco tempo para entender a linguagem que estávamos utilizando e como inserir esse discurso de forma orgânica dentro dela. Então o processo está neste momento ainda com uma relação frágil entre forma e conteúdo, algo que precisa ser mais investigado.
Ambos os grupos tiveram dificuldade em organizar o material de pesquisa que tinham para que este pudesse ser apresentado na mostra de processos da região Leste 2. Grupos ainda sem apropriação de técnicas teatrais que ainda não lhes diziam respeito. Após poucos meses pesquisando possibilidades estéticas, agora começam a perceber as formas de levar isso a público. Como posicionar o corpo em cena, projeção vocal, perceber para quem se faz o teatro, colocar no corpo a pesquisa, que por mais física que fosse, ainda não tinha a preocupação de ser mostrada a alguém. Mesmo sendo teatro, era apenas uma brincadeira.
Levar a sério, precisar apresentar, perceber que há alguém para quem se faz aquilo, são novas descobertas para um grupo tão jovem. “Nossa, agora eu vi o quanto ficamos de costas!” “acho que ninguém conseguia ouvir o que dizíamos” foi o que mais se ouvia nos últimos encontros antes das apresentações. Essa tomada de consciência, advinda de uma necessidade de apresentar algo que não estava nem perto de ser apresentado mesmo que em uma mostra de processos, foi um choque de realidade que, por mais prematuro que tenha sido, os fez desenvolver uma noção do que e para quem estavam fazendo aquilo. Não posso neste momento realizar uma reflexão conclusiva de um processo, pois ambas as experiências, foram apenas iniciadas, mas ainda não puderam ser mais desenvolvidas: a minha, como artista orientador deste programa, e a dos vocacionados, no processo de se entenderem como fazedores de teatro.
Refletindo sobre estas transformações dos processos, não consigo deixar de pensar que foi extremamente positivo encontrar a mesma encenação nos dois grupos, pois ao logo deste tempo pude ter a dimensão das singularidades de cada um, ao observar agora, ao final deste ano, o que resultou deste tempo de trabalho, percebendo os caminhos tão distintos que foram tomados por cada grupo.
O trabalho agora é desfragmentar. Juntar as partes desse quebra cabeças que se começa a entender como teatro. Da mesma forma que este desafio se apresenta para os vocacionados, também se apresenta para mim, no papel de artista orientador, ao tentar desfragmentar o que é o programa vocacional, ao qual me incorporei no meio do ano. Aos poucos vou assimilando as informações. A relação com o equipamento, o jogo estabelecido com os vocacionados, a noção de continuidade, a organização da equipe e do programa como um todo para a estruturação de uma rede onde possam ocorrer trocas artísticas que possibilitem a visão da cidade como um todo, tendo o teatro como a ligação de tudo isso. É claro que esta minha experiência de entendimento também reflete nas turmas vocacionadas, que se sentiram um pouco perdidas, mas felizmente, sinto que, mesmo com essas novas incertezas, escolheram me acompanhar pelo caminho da descoberta.

A partir dessa conjuntura, ao longo destes três meses e meio que passamos juntos, não posso deixar de assumir um tom de agradecimento ao vocacionados, que se mantiveram firmes e fortes no programa, e juntos me levaram com eles por um processo muitas vezes difícil, conturbado, acirrado, mas sempre prazeroso. Não se sabe como será no próximo ano, mas saio deste com a sensação tanto de dever cumprido, como de trabalho por fazer com os vocacionados. Enfim, muito ainda há de ser feito, mas muito também já está se fazendo, e se faz continuamente mesmo com as intempéries que aparecem por conta de alguma falta de estruturação do programa ou do equipamento. Mas teatro é processo em conjunto, então acredito que este seja o caminho natural, que devemos entender e nos colocar sobre. Estas foram algumas observações que esta experiência pontual me possibilitou. E concluo mesmo este ano com um agradecimento: aos vocacionados, à equipe, ao equipamento. Não por um trabalho impecável que não deva ser repensado diariamente, mas por ter me mostrado que há um esforço no caminho do entendimento do que tudo isso pode vir a ser.

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