segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Ensaio. Pesquisação. Pequenas histórias. Borboletas e rock'n roll. (CC Raul Seixas, Livia Piccolo)

Ensaio.
Pesquisação.
Pequenas histórias.
Borboletas e rock’n roll.

Caique tem 15 anos. Gosta de escutar Maysa, estuda em escola particular e lê as tirinhas do Laerte. Gosta de fazer cenas cômicas e é vaidoso no vestir-se.

O Programa Vocacional não se constitui nem como aula nem como oficina.

Naná gosta muito de ler. Os Três Mosqueteiros e Laranja Mecânica são seus livros preferidos. Em um dos encontros na Casa de Cultura Raul Seixas ela levou chá de laranja com especiarias, feito por ela mesma. Naná gosta da banda Nirvana.

O Programa Vocacional precisa ser construído, a cada instante, no tempo presente, pelos artistas vocacionados e pelo artista orientador.

Catarine é a irmã mais velha da Naná. Ela estuda Pedagogia, dá aulas para crianças e canta em uma banda de rock. Em um dos registros feitos ao longo do ano ela escreveu: “Há coisas que não vemos, mas estão ali. Às vezes paramos para observar ou entender apenas depois que acontecem, ou simplesmente não paramos.” Catarine tem 18 anos.

Processos de criação emancipatórios não podem acontecer se não existir interesse vivo do artista orientador em pensar e criar o encontro em parceria com os artistas vocacionados. Não sei ao certo como definir ‘interesse vivo’. Mas sei que ele implica sangue, suor, ideias e emoções.

César tem 17 anos. Está com medo de ser convocado para o exército ano que vem. Lá por meados de setembro César começou a criar uma personagem chamada Sabrina Tutti-Frutti. Sabrina é vidente e drag queen. Em um dos registros César trouxe um poema do Mário Quintana e falou sobre a “morte como transformação”.

É preciso olhar o todo e a parte. A estrutura e o fragmento. O coletivo e o individual. O gesto e o olhar.

Caio tem 16 anos e odeia acordar cedo. Torce para o Corinthians, gosta de Mamonas Assassinas e de desenhos animados japoneses. Ele prefere fazer cena em grupo, odeia fazer qualquer coisa sozinho.
O Programa Vocacional exige um olhar sensível e reflexivo do artista orientador. O Programa Vocacional exige tirar o pó das ideias.

Carola tem 15 anos, é namorada do Caio e com signo em Virgem. Prefere criar cenas de teatro em que dê para entender de forma clara a história, com começo, meio e fim. Na ida à Bienal de Artes Carola gostou muito de uma obra onde havia depoimentos de várias mulheres que realizaram aborto.  

O Programa Vocacional pretende questionar as relações de poder institucionalizadas.

Carol é uma das melhores amigas da Carola. Gosta de Ramones e de batom vermelho. Sua avó veio da Bahia para São Paulo nos anos 50, e Carol mostrou para a turma um pequeno quadro que sua avó comprou de um artista no centro da cidade. O quadro mostrava o Viaduto do Chá, muitos anos atrás.  

O Programa Vocacional realiza-se no encontro, e os artistas vocacionados participam da constituição da regra.

Guilherme estuda na mesma escola que o Caique. Gosta de Harry Potter e tem um irmão recém nascido. Em um dos registros Guilherme escreveu: “E outras experiências estão para acontecer”.   

Os atravessamentos causados pelo Programa Vocacional são difíceis de serem medidos. Mas são poderosos em sua aparente insignificância.  

Vitor tem 12 anos. Em um dos registros ele escreveu: “O encontro de sábado foi bem legalzão, nos divertimos de montão.” Ele é o irmão mais novo da Catarine e da Naná.

A cidade de São Paulo é brutal. O Programa Vocacional pode ser uma forma experimental de liberdade?

Shelly, Amanda, Edmir, Ana, Giovana, Mateus, Anderson, Jayne, Gabriel, Thiago também foram artistas-vocacionados no ano de 2014, na Casa de Cultura Raul Seixas, na Zona Leste.

O Programa Vocacional é frágil, é potente, é precário, é subversivo, é quente, é difícil.  

Na Casa de Cultura Raul Seixas conversamos e fizemos experimentos criativos e cenas sobre a cidade de São Paulo, sobre o trânsito, sobre a morte, sobre a Igreja Evangélica, sobre preconceitos, sobre o excesso e a falta de dinheiro, sobre desejos reprimidos e sobre sonhos alcançados (ou não).   

O Programa Vocacional acontece no micro. A potência muitas vezes não é vista a olhos nus. O Programa Vocacional é fragmentado. Este ensaio não é espelho. Este ensaio é fragmento. Este ensaio pretende ser Outros.


Manoel de Barros, falecido há pouco, escreveu:

"A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas."

Por vezes o Programa Vocacional renova o homem usando borboletas.

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