segunda-feira, 1 de dezembro de 2014



O CEU É MEU QUINTAL

Ensaio Teatro Vocacional
Artista Orientadora: Lígia Helena de Almeida
Equipamento: CEU Rosa da China.
Turmas: Turma de quarta e de domingo. (Unidas em um mesmo processo de criação).

A informação de que parte este ensaio é simples e se dá no título. O CEU é meu quintal. Não todo e qualquer CEU. Mais especificamente, o CEU Rosa da China. Ouvi um vocacionado usar esta expressão quando contava de sua chegada em São Paulo do Piauí e visitava pela primeira vez o equipamento aqui citado. Vislumbrado com o espaço, as quadras, a piscina, o teatro, ele dizia: O CEU(céu) é meu quintal.
Afeiçoada pela expressão repito a descoberta que se deu para mim no Programa Vocacional 2014: O CEU (Rosa da China)é meu quintal, e até aqui, não tinha me apropriado dele. Moro em Santo André, na divisa com São Paulo, de um lado do rio a região leste da Santo André a que pertenço, do outro lado do rio, a zona leste de São Paulo a que o CEU pertence.
Exatos 08 minutos de carro, 35 a pé, e, infelizmente, não pude contar o tempo de bicicleta. Mas ainda hei de fazê-lo.
Como disse, a informação de que parte este ensaio é esta, apenas. Mas convenhamos queridos artistas orientadores, coordenadores e vocacionados: quantos são os participantes da equipe deste programa que estão nesta posição privilegiada? Quantas vezes não atravessamos rios, jornadas de trem, metrô e ônibus, para chegarmos nos equipamentos? E quantas e quantas vezes, esta jornada de chegada e saída não torna mais difícil nossa acessibilidade em relação ao equipamento, à coordenação, aos vocacionados?
Não estou aqui evocando nenhum tipo de chamamento ao AO Vizinho, desvalorizando esta distância percorrida – a troca entre artistas de diferentes regiões, a relação entre as diferentes periferias que um AO de outra região pode trazer, a própria experiência do estrangeiro em relação ao grupo fazem parte de um pensamento do programa a que muito nos interessa.
Mas gostaria de reletar aqui as fronteiras que consegui romper pela proximidade, a experiência que se deu para mim, para esta turma de vocacionados e para este equipamento no ano de 2014 de uma troca que – diante da precariedade estrutural em que nos encontramos – a proximidade me permitiu alavancar.

Ação Cultural do Equipamento – Ação Cultural no Equipamento

Se o CEU Rosa da China é meu quintal, ele não é o quintal do centro de São Paulo, o bairro Jardim São Roberto se esconde na fronteira andreensse, o que dificultou nos últimos anos a possibilidade de continuidade de um AO por mais de um ano e por conseguinte, a geração de demanda pela pesquisa continuada e pelo processo de formação. Longe de tudo e de todos, com uma demanda baixa e sem a estrutura física de transporte para promover uma ação cultural com estes vocacionados fora do equipamento não tive outra escolha senão aderir a programação cultural do próprio equipamento. – É preciso dizer que no ano de 2014, copa, eleições, e algum fantasma a que não temos acesso – a programação cultural dos CEUs ficou bastante a deriva. Nosso encontro foi com a tentativa da coordenação de abrir espaços para a comunidade. Portanto, encontramos um espaço em que inclusive a minha ação como artista era bem vinda.
Moradora da região, participante de grupos de teatro, orientadora de outros grupos estudantis da cidade, consegui, num espaço que gerou um vínculo com a gestão e abriu portas aos vocacionados, fazer uma ação cultural de dentro para fora, e não de fora para dentro.
Três grupos de diferentes enfoques teatrais – Cia. Ubumtu, grupo de teatro formado por ex-alunos da Associação Vivarte que fica na comunidade da Juta, ao lado do CEU, Cia. Uma das Três, grupo de Santo André contemplado pelo PROAC Primeiras Obras no ano de 2014 e dirigido por mim e o Teatro Singular, grupo estudantil de um colégio de Santo André onde eu mesma já fiz teatro e dei aulas – vieram ocupar o teatro do CEU e promover uma troca não só com os vocacionados, mas com a comunidade do CEU.
Posso dizer do meu receio em promover estes encontros e, ao mesmo tempo, isentar o Estado da sua obrigação de promover a ação cultural em seus espaços, mas não posso negar a potencialização que se deu na relação com equipamento pelo encontro artístico, pelo entendimento de que havia um pensamento artístico conduzindo um processo no Vocacional Teatro e que se deixava claro por meio daquele material e não apenas de um discurso.

“Um processo de ação cultural resume-se na criação ou organização das condições necessárias para que as pessoas inventem seus próprios fins e se tornem assim sujeitos, sujeitos da cultura, não seus objetos.”
Teixeira Coelho

Me parece aqui que o processo de ação cultural se deu pelo encontro com o teatro e não pelo discurso solitário de uma Artista Orientadora que não consegue dar a ver o teatro de que se fala.
A Ação Cultural do Equipamento e a Ação Cultural da Equipe
Importante dizer que um destes encontros – o do Teatro Singular com seu espetáculo Por enquanto Antônio – teve estrutura de transporte para que pudessemos convidar todos os vocacionados da equipe leste 2. Esta ação conjunta, este encontro de vocacionados com artistas de um grupo estudantil e com a experiência teatral em si. Na roda final a percepção de que os temas se coincidiam, se refletiam, se identificavam entre si. A possibilidade de uma fruição estética não pela forma, mas pelo discurso. Como Teixeira disse, uma ação como possibilidade de tornar os vocacionados sujeitos da cultura e não seus objetos.
A partir deste encontro os próprios vocacionados manifestaram o interesse e a vontade de promover mais encontros entre os CEUs da equipe. A ação cultural ganhou braços, os vocacionados romperam as fronteiras, as trocas começaram a surgir. A própria coordenação do equipamento abriu espaço para estes encontros. A estética de um grupo invadiu a criação de uma turma, o pensamento de uma turma ganhou voz em um grupo.

Ana, por que não meninas?

De todas as potentes reverberações que estes encontros geraram não as tenho nas mãos, não posso enumerá-las, seria dominar demais a ação cultural, “dirigí-la” como diz Teixeira.
Mas posso dizer do processo que se abriu na turma do CEU Rosa da China. Ela ganhou corpo, aglutinou um possível coletivo, não o teatral especificamente, isto também seria dirigí-lo, mas um coletivo de pensamentos e ações que se dão pela linguagem do teatro.
Nossa Ana (personagem criada por eles que vinha à cena para lutar pelos direitos dos homossexuais) rompeu o discurso primário do orientador e foi buscar o seu discurso, a sua vontade. As primeiras cenas, profundamente enbasadas na referência cinematográfica holywoodiana, foram se transformando em um processo mais autoral e apropriado.

As portas estão abertas, a vontade da continuidade está dada. Fica a espera pelo tempo que não há.

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