• Do Outro Lado de Cá Ainda Rema Um Desejo •
De cá, de
dentro de mim, tenho ainda uma alma de artista vocacionada que se arrisca
diariamente como artista orientadora a trocar com seres pouco mais novos que eu
as nossas experiências do não saber.
E por quantas
tempestades passei? E quantos buracos surgiram em meu barco? Esse barco que comecei
remando lá em 2008 como artista vocacionada no Teatro Vocacional na Biblioteca
Belmonte em Santo Amaro e não parei mais. Lá naquele rio havia o gostinho de
quero mais, com desejos incompletos até então e que foram sendo saciados pelo
fazer teatral.
Alimentada por
esse universo desde lá, vim rumo ao presente como artista orientadora no CEU Pêra-Marmelo,
ao presente da experiência, ao presente do não saber, do não saber junto. Junto
porque agora eu não estava mais sozinha.
E como o não
saber me ajudou: não saber segurar o remo, (não saber pra onde ir com a
dramaturgia de um processo), não saber como remar, (não saber pensar o
planejamento de uma turma), não saber pra onde estava a correnteza do rio, (não
saber como fazer quando só chega um vocacionado para o encontro), não saber se
vai cair garoa ou uma tempestade, (não saber quando te perguntam algo como se
você tivesse que saber), não saber como guiar a vela a favor ou muitas vezes
contra o vento.
A experiência
do não saber me faz lembrar de uma citação de Heidegger (1987) que Jorge
Larrosa Bondía cita em seu texto “Notas sobre a experiência e o saber de
experiência”:
“[...] fazer uma experiência com algo
significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos
tomba e nos transforma. Quando falamos em “fazer” uma experiência, isso não
significa precisamente que nós a façamos acontecer, “fazer” significa aqui:
sofrer, padecer, tornar o que nos alcança receptivamente, aceitar, à medida que
nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos
abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a
isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o
outro ou no transcurso do tempo.”
Dentro do que
foi a minha experiência como artista vocacionada, cobrei-me muito para que esse
barco mesmo sem saber pra onde ir, não perdesse o rumo. Torci muito para que
alguns que pulavam pra dentro desse barco comigo continuassem viajando e sendo
também alimentados por esse universo que eu também fui.
Desse meu
outro lado de cá, me virei do avesso, fiquei nua, expus meus órgãos vitais, meu
sangue foi sendo bombeado ao vivo ainda quente e esse meu corpo foi
extremamente atravessado, acariciado, espancado, beijado, por todos que durante
o meu não saber puderam viver comigo essa experiência.
Passaram-se
oito meses, mais rápidos do que pude prever, descemos cachoeira abaixo e entre
mortos e feridos, continuamos remando. Já lá debaixo ao olhar para o topo
(início) dessa cachoeira em que despencamos em alta velocidade pude ver
claramente tudo o que passamos nela. Os jogos foram vividos, as histórias foram
sendo contadas e misturadas umas às outras. Cada um foi se apropriando do outro
e da história do outro. Mergulharam até o umbigo ainda com medo de molhar a
cabeça. Dias se passaram e após uma rajada de vento (abertura do processo para
o público) mergulharam de cabeça. Uns ficaram horas sem respirar nadando por
toda aquela imensidão, outros mergulhavam, mas logo voltavam à superfície para
respirar, e juntos foram se encontrando e se perdendo.
Anseio diante de
todas essas provocações seguir com um olhar mais atento e com o remo contínuo (vivendo
o processo) escolhendo e pesquisando outros rios ou mares para navegar.
...
...
..
.
De repente me
deparo com um vácuo, uma estação ao meio desse caminho, onde pulo do barco para
tirar férias forçadas. E lá a apreciar o barco em retirada, como uma breve despedida,
reflito como tenho bagagem ainda pra colocar em minha próxima viagem, como
tenho estradas, mares, nuvens que ainda posso visitar.
Por fim desejo
piamente que o não saber seja sempre a bússola a me guiar nas próximas
aventuras.
A.O. Teatro: Thaís Oliveira • CEU Pêra Marmelo • Norte 2
Marcadores: Equipe Norte 2, Teatro Vocacional CEU Pêra Marmelo, Thaís Oliveira Pinto
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