domingo, 30 de novembro de 2014

PROGRAMA VOCACIONAL


Linguagem: Artes Integradas

A.O: Lúcia Kakazu

Coordenadores: Ieltxu Martinez Ortueta e Teth Maiello

Ano: 2014




Ensaio – Pesquisa –Ação


Dia 23 de novembro de 2014 – 16:35h no Centro Cultural da Penha...

(...) Acabada a apresentação do trabalho realizado pela dupla de vocacionados da turma do domingo à tarde. O combinado era de que eles falassem os agradecimentos no final. Os dois visivelmente cansados, depois de agradecerem muitas vezes aos funcionários do CC Penha, se colocaram a falar, ainda no palco, sobre o processo (desde o seu início) e a agradecer um ao outro por terem feito esse trabalho. Eu, na cabine de som, pré-ocupada com o discurso demasiado extenso e com o limite da paciência do público presente, fiquei aos siricuticos pensando se deveria intervir ou não nesse momento meio desajeitado, talvez patético, mas, ainda sim, verdadeiro para os dois. Optei pelo não. Fiquei a olhar para aqueles dois corpos, tão diversamente díspares e a pensar o que nesse caminho percorrido possibilitou que esse encontro tão feliz se desse. Passei a refazer esse percurso...


O Corpo e os afetos

Inicio esse ensaio falando sobre o corpo, pois é nele e a partir dele que meu trabalho como Artista Orientadora do Programa Vocacional Artes Integradas pôde encontrar caminhos e ressonâncias dentro da constelação de premissas do qual parte o programa.
E o que seria o corpo? A concepção cultural sobre o que é o corpo é tão cambiante quanto o próprio objeto e se afeta a partir do lugar de onde se vê.
O corpo é uma rede complexa de sensações, pulsões, codificações e choques. Não é somente o lugar onde reverberam nossas memórias, nossas relações sociais, culturais e políticas, ele não é um mero receptáculo de informações. Ele não é o meio, é fluxo, se reconfigura na relação com o ambiente. O corpo é, TAMBÉM, memória, fluxo e intensidades.

 “(...) o corpo não é um recipiente, mas sim aquilo que se apronta nesse processo co-evolutivo de trocas com o ambiente. E como o fluxo não estanca, o corpo vive no estado do sempre presente, o que impede a noção do corpo recipiente. O corpo não é um lugar onde as informações que vêm do mundo são processadas para depois serem devolvidas no mundo. O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é o resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas.”
Helena Katz e Christine Greiner

Primeiro ano no programa, leitura do material norteador. Desnortear. E como é chegar ao equipamento na ânsia de transformar premissas em ações num domingo de Páscoa?
Comecei por tentar meu corpo afetar o espaço, causar fricções e diálogos. No primeiro mês me perguntava quais seriam as pedras onde me apoiaria para atravessar esse rio. A resposta só se fazia presente com a prática.
A partir do momento que havia vocacionados presentes nos encontros, nos dedicamos a investigação do que fazia nossos corpos vibrarem e de que cruzamentos essas <<redes complexas de codificações e choques>> estavam compostas. Era uma investida, uma investigação e fricção com o universo simbólico de cada um. Na busca de construir processos de subjetivação em nossos encontros iniciais.

Dentre os procedimentos inicias:

1.       a)Música “Metáfora” do Gilberto Gil
b) Responder com desenho/escrita “O que cabe em sua lata?”

c) Criar uma sequencia de ações com uma lata a partir da resposta dada.



Corpo-Ambiente-Penha

Partindo da pesquisa do vocacionado Vitor, passamos a ser atravessados pela Penha. Num repente, após uma deriva e uma visita ao Memorial da Penha, nos vimos fazendo parte do mesmo bairro onde antes era habitado por nosso caro Nego Dito e por figuras como Pagú; onde tropeiros, há muitos anos, passavam com seus cavalos no caminho para o Rio de Janeiro e as pessoas “da cidade” vinham para tomar ar puro devido às recomendações médicas. Rodamos o bairro, investigamos as histórias e lendas urbanas da Penha, também as memórias. Tiquatira era resultado de uma briga de um chacareiro japonês contra ladrões de hortaliças que aos outros, alertavam: - Cuidado, Tiko atira! ??? Não sei, talvez. Talvez seja só história. Gravamos depoimentos dos moradores. Andamos por onde antes era linha de bonde ou um antigo cinema. Também um teatro escondido na viela. Falou-se das igrejas tão presentes no bairro, das visitas ao chamado “Cú do Padre”. Verdade?! Não sei, talvez. Talvez seja só história. O interesse virou o processo. As histórias pessoais sobre a relação de cada um com a Penha na ação de entrelaçar-se foram possibilitando a construção de uma memória social desse pequeno grupo sobre o bairro.
Esse olhar para o lugar onde nos localizamos foi importante para o processo, importante para entender onde estávamos atuando e que tipo de diálogo artístico estávamos dispostos a colocar naquele espaço.






Procedimento - Primeiro ato para Subjetivar o Espaço da Penha

1 – Escolha um lugar na Penha onde seja possível chegar a pé e no qual tenha vivido um momento importante que queira compartilhar.

2 – Conduza sua A.O. e sua turma até o local . Durante o caminho você deve experimentar 3 estados em momentos distintos: a) andar sem conversar; b) andar falando sobre qualquer assunto, mas que não pode ter a ver com a lembrança e nem com o local escolhido; c) andar e contar por “telepatia”(entenda o quiser por telepatia) a sua A.O. e a turma qual a lembrança que escolheu.

3 – Com a ajuda da A.O. tirar 3 fotos no espaço escolhido: a) espaço vazio; b) espaço sendo observado por você; c) você se coloca no espaço

4 – A partir do seu contato com o espaço crie um material a ser apresentado. Você tem 20 min para isso.

5 – Compartilhe o seu material

6 – Conversa sobre o trabalho




Tarde matando aula num cemitério, estar em companhia amiga. A igreja em construção que vai substituir a velha igreja de onde se era comunidade. Sensação de um tempo que já se foi, efemeridade do tempo que nos impulsiona a outros caminhos.



Dois Corpos = Um corpo ou Quando o Encontro se Torna Potência

 “Um corpo é sempre uma multidão de relações e, como tal, está permanentemente deflagrando relações. Corpo em relação com corpo forma corpo. O entre-lugar da presença é no nosso corpo o que não está em nós.”
Eleonora Fabião


Dois corpos, diferentes corpos. Complementares e Análogos. Um, dificuldade de locomoção, outro, com o olhar. Com a dificuldade do olhar foi preciso chegar mais perto, ver o outro a uma distância curta. Corpos que vieram de origens distintas, cada um com uma história, com diferentes posturas, classes sociais, jeitos díspares de se colocar. Um, mais razão, outro, ação. Nos dois a busca pela desautomatização, sair do que lhe é habitual. O outro era peça fundamental para causar fricção. Desarticular o corpo para que este passasse a funcionar em correlação.


No meio do processo, a turma da tarde esvaziou. O domingo, em meio a tantos feriados, copa, eleições, despotencializava o encontro. Ficaram dois vocacionados, assíduos. Os encontros deflagravam as diferenças: Cor da pele, impulsos para a ação, classes sociais, orientações políticas, fisicalidade, entre outras coisas. Diferenças que podiam potencializar a distância, a dissociação e a lógica individualista ao qual ficamos imersos em nosso dia a dia. Que como dois imãs, dependendo da disposição no espaço, podem causar repulsão.

Mas o que pode a arte? E o que pode o corpo? Responder a essas perguntas mostrava possibilidades de trabalho. Arte e corpo se fazem no encontro. E assim se sucedeu. No peso e contrapeso, na busca de ações, apoio, memórias e afetos. Lançamos as perguntas: O que é o corpo? O que é meu corpo em relação? Como a diferença vira potência criativa?

Pelo corpo, descobriu-se o que lhes era comum.  Compartilhamos as memórias da infância, o cotidiano, a sensação de vazio e as ânsias de vida. Também compartilhamos as descobertas de nosso corpo em relação. Isso causou frisson na pesquisa e pareceu apontar caminhos para a criação.

“É da natureza dos corpos, incluindo o corpo humano, afetar e ser afetado por outros corpos. Se o corpo que nos afeta compõe com o nosso, a sua capacidade de agir se adiciona à nossa, e provoca um aumento de nossa potência, então temos um bom encontro. Isto é alegria.
(...) O afeto é, então, a potência de agir de um corpo. Quando a potência de agir aumenta, sinto alegria e quando diminui, sinto tristeza. Espinosa chama esta potencia de agir, de Deus, que se manifesta como alegria. Para ele, a única afeição é a alegria. Todos os outros afetos são derivações dela.”
Viviane Mosé

Me dou conta, no final da apresentação do dia 23, que O Encontro virou a própria linguagem do Corpo. Nosso ato, nossa Festa. Vida e Arte. Por isso suportou-se o cansaço, por isso se colocaram em Desafio, por isso aquele discurso longo e Inesperado no final da apresentação. Meu corpo vibra ao ver esses dois corpos que ao se Permitirem o encontro, possibilitaram a Criação.






Bibliografia

GREINER, Christine e KATZ, Helena. Por uma teoria do corpomidia ou a questão epistemológica do corpo. Cuenca: Archivo Virtual de Artes Escénicas (UCLM), 2005. Disponível em http://artesescenicas.uclm.es/archivos_subidos/textos /237

MOSÉ, Viviane. Um pouco mais de Espinoza – Texto página Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/MoseViviane/posts/605928452758284

FABIÃO, Eleonora. Corpo cênico, estado cênico. Em: Revista Contrapontos - Eletrônica, Vol. 10 - n. 3 - p. 321-326 / set-dez 2010




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