PROGRAMA VOCACIONAL
Linguagem: Artes
Integradas
A.O: Lúcia Kakazu
Coordenadores: Ieltxu
Martinez Ortueta e Teth Maiello
Ano: 2014
Ensaio – Pesquisa –Ação
Dia 23 de novembro de
2014 – 16:35h no Centro Cultural da Penha...
(...) Acabada a apresentação do
trabalho realizado pela dupla de vocacionados da turma do domingo à tarde. O combinado
era de que eles falassem os agradecimentos no final. Os dois visivelmente
cansados, depois de agradecerem muitas vezes aos funcionários do CC Penha, se
colocaram a falar, ainda no palco, sobre o processo (desde o seu início) e a
agradecer um ao outro por terem feito esse trabalho. Eu, na cabine de som, pré-ocupada
com o discurso demasiado extenso e com o limite da paciência do público
presente, fiquei aos siricuticos pensando se deveria intervir ou não nesse
momento meio desajeitado, talvez patético, mas, ainda sim, verdadeiro para os
dois. Optei pelo não. Fiquei a olhar para aqueles dois corpos, tão diversamente
díspares e a pensar o que nesse caminho percorrido possibilitou que esse encontro
tão feliz se desse. Passei a refazer esse percurso...
O Corpo e os afetos
Inicio esse ensaio falando sobre
o corpo, pois é nele e a partir dele que meu trabalho como Artista Orientadora
do Programa Vocacional Artes Integradas pôde encontrar caminhos e ressonâncias dentro
da constelação de premissas do qual parte o programa.
E o que seria o corpo? A concepção
cultural sobre o que é o corpo é tão cambiante quanto o próprio objeto e se
afeta a partir do lugar de onde se vê.
O corpo é uma rede complexa de
sensações, pulsões, codificações e choques. Não é somente o lugar onde
reverberam nossas memórias, nossas relações sociais, culturais e políticas, ele
não é um mero receptáculo de informações. Ele não é o meio, é fluxo, se
reconfigura na relação com o ambiente. O corpo é, TAMBÉM, memória, fluxo e
intensidades.
“(...) o corpo não é um recipiente, mas sim
aquilo que se apronta nesse processo co-evolutivo de trocas com o ambiente. E
como o fluxo não estanca, o corpo vive no estado do sempre presente, o que
impede a noção do corpo recipiente. O corpo não é um lugar onde as informações
que vêm do mundo são processadas para depois serem devolvidas no mundo. O corpo
não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação
que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é o resultado desses
cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas.”
Helena Katz e Christine
Greiner
Primeiro ano no programa, leitura
do material norteador. Desnortear. E como é chegar ao equipamento na ânsia de transformar
premissas em ações num domingo de Páscoa?
Comecei por tentar meu corpo
afetar o espaço, causar fricções e diálogos. No primeiro mês me perguntava quais
seriam as pedras onde me apoiaria para atravessar esse rio. A resposta só se
fazia presente com a prática.
A partir do momento que havia
vocacionados presentes nos encontros, nos dedicamos a investigação do que fazia
nossos corpos vibrarem e de que cruzamentos essas <<redes complexas de
codificações e choques>> estavam compostas. Era uma investida, uma
investigação e fricção com o universo simbólico de cada um. Na busca de
construir processos de subjetivação em nossos encontros iniciais.
Dentre os procedimentos inicias:
1. a)Música
“Metáfora” do Gilberto Gil
b) Responder com
desenho/escrita “O que cabe em sua lata?”
c) Criar uma
sequencia de ações com uma lata a partir da resposta dada.
Corpo-Ambiente-Penha
Partindo da pesquisa do vocacionado
Vitor, passamos a ser atravessados pela Penha. Num repente, após uma deriva e
uma visita ao Memorial da Penha, nos vimos fazendo parte do mesmo bairro onde antes
era habitado por nosso caro Nego Dito e por figuras como Pagú; onde tropeiros, há
muitos anos, passavam com seus cavalos no caminho para o Rio de Janeiro e as
pessoas “da cidade” vinham para tomar ar puro devido às recomendações médicas. Rodamos
o bairro, investigamos as histórias e lendas urbanas da Penha, também as
memórias. Tiquatira era resultado de uma briga de um chacareiro japonês contra
ladrões de hortaliças que aos outros, alertavam: - Cuidado, Tiko atira! ??? Não
sei, talvez. Talvez seja só história. Gravamos depoimentos dos moradores. Andamos
por onde antes era linha de bonde ou um antigo cinema. Também um teatro
escondido na viela. Falou-se das igrejas tão presentes no bairro, das visitas
ao chamado “Cú do Padre”. Verdade?! Não sei, talvez. Talvez seja só história. O
interesse virou o processo. As histórias pessoais sobre a relação de cada um
com a Penha na ação de entrelaçar-se foram possibilitando a construção de uma
memória social desse pequeno grupo sobre o bairro.
Esse olhar para o lugar onde nos localizamos
foi importante para o processo, importante para entender onde estávamos atuando
e que tipo de diálogo artístico estávamos dispostos a colocar naquele espaço.
Procedimento - Primeiro
ato para Subjetivar o Espaço da Penha
1 – Escolha um lugar
na Penha onde seja possível chegar a pé e no qual tenha vivido um momento
importante que queira compartilhar.
2 – Conduza sua A.O.
e sua turma até o local . Durante o caminho você deve experimentar 3 estados em
momentos distintos: a) andar sem conversar; b) andar falando sobre qualquer
assunto, mas que não pode ter a ver com a lembrança e nem com o local
escolhido; c) andar e contar por “telepatia”(entenda o quiser por telepatia) a
sua A.O. e a turma qual a lembrança que escolheu.
3 – Com a ajuda da
A.O. tirar 3 fotos no espaço escolhido: a) espaço vazio; b) espaço sendo
observado por você; c) você se coloca no espaço
4 – A partir do seu
contato com o espaço crie um material a ser apresentado. Você tem 20 min para
isso.
5 – Compartilhe o seu
material
6 – Conversa sobre o
trabalho
Tarde matando aula num cemitério, estar em companhia amiga. A
igreja em construção que vai substituir a velha igreja de onde se era
comunidade. Sensação de um tempo que já se foi, efemeridade do tempo que nos
impulsiona a outros caminhos.
Dois Corpos = Um
corpo ou Quando o Encontro se Torna Potência
“Um corpo é sempre uma multidão de relações e,
como tal, está permanentemente deflagrando relações. Corpo em relação com corpo
forma corpo. O entre-lugar da presença é no nosso corpo o que não está em nós.”
Eleonora Fabião
Dois corpos, diferentes corpos.
Complementares e Análogos. Um, dificuldade de locomoção, outro, com o olhar.
Com a dificuldade do olhar foi preciso chegar mais perto, ver o outro a uma
distância curta. Corpos que vieram de origens distintas, cada um com uma
história, com diferentes posturas, classes sociais, jeitos díspares de se
colocar. Um, mais razão, outro, ação. Nos dois a busca pela desautomatização,
sair do que lhe é habitual. O outro era peça fundamental para causar fricção.
Desarticular o corpo para que este passasse a funcionar em correlação.
No meio do processo, a turma da tarde
esvaziou. O domingo, em meio a tantos feriados, copa, eleições, despotencializava
o encontro. Ficaram dois vocacionados, assíduos. Os encontros deflagravam as
diferenças: Cor da pele, impulsos para a ação, classes sociais, orientações
políticas, fisicalidade, entre outras coisas. Diferenças que podiam
potencializar a distância, a dissociação e a lógica individualista ao qual
ficamos imersos em nosso dia a dia. Que como dois imãs, dependendo da
disposição no espaço, podem causar repulsão.
Mas o que pode a arte? E o que pode o
corpo? Responder a essas perguntas mostrava possibilidades de trabalho. Arte e
corpo se fazem no encontro. E assim se sucedeu. No peso e contrapeso, na busca
de ações, apoio, memórias e afetos. Lançamos as perguntas: O que é o corpo? O
que é meu corpo em relação? Como a diferença vira potência criativa?
Pelo corpo, descobriu-se o que lhes
era comum. Compartilhamos as memórias da
infância, o cotidiano, a sensação de vazio e as ânsias de vida. Também compartilhamos
as descobertas de nosso corpo em relação. Isso causou frisson na pesquisa e
pareceu apontar caminhos para a criação.
“É da natureza dos corpos, incluindo o corpo humano, afetar e ser
afetado por outros corpos. Se o corpo que nos afeta compõe com o nosso, a sua
capacidade de agir se adiciona à nossa, e provoca um aumento de nossa potência,
então temos um bom encontro. Isto é alegria.
(...) O afeto é, então, a potência
de agir de um corpo. Quando a potência de agir aumenta, sinto alegria e quando
diminui, sinto tristeza. Espinosa chama esta potencia de agir, de Deus, que se
manifesta como alegria. Para ele, a única afeição é a alegria. Todos os outros
afetos são derivações dela.”
Viviane Mosé
Me dou conta, no final da
apresentação do dia 23, que O Encontro virou a própria linguagem
do Corpo.
Nosso ato, nossa Festa. Vida e Arte. Por isso suportou-se o cansaço, por isso se
colocaram em Desafio, por isso aquele discurso longo e Inesperado no final da
apresentação. Meu corpo vibra ao ver esses dois corpos que ao se Permitirem
o encontro, possibilitaram a Criação.
Bibliografia
GREINER,
Christine e KATZ, Helena. Por uma teoria do corpomidia ou a questão epistemológica
do corpo. Cuenca: Archivo Virtual de Artes Escénicas (UCLM), 2005. Disponível
em http://artesescenicas.uclm.es/archivos_subidos/textos
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MOSÉ,
Viviane. Um pouco mais de Espinoza – Texto página Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/MoseViviane/posts/605928452758284
FABIÃO,
Eleonora. Corpo cênico, estado cênico. Em: Revista Contrapontos - Eletrônica,
Vol. 10 - n. 3 - p. 321-326 / set-dez 2010
Marcadores: Artes Integradas, Centro Cultural da Penha, Corpo
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