sexta-feira, 28 de novembro de 2014


NOSSAS CRUZADAS
O caminho que não se faz só


A partir do momento em que o homem se serve da linguagem para estabelecer uma relação viva consigo mesmo ou com seus semelhantes, a linguagem não é mais um instrumento, não é mais um meio, ela é manifestação, uma revelação do ser íntimo e do psíquico que nos une ao mundo e aos nossos semelhantes.                                                                       (MERLEAU-PONTY)


Sou moradora da zona leste desde que nasci e de onde nunca saí. Quando me inscrevi no Vocacional, a minha ideia era atuar na zona leste. Desejava compreender mais esse ciclo de vivência e criação artística dentro desse bairro imenso da extrema periferia – o Itaim Paulista.

E apesar das minhas projeções pessoais serem feitas de linhas retas, encontrei algumas curvas que me puseram a fazer um caminho que não havia pensado antes.
Não, eu não passei na primeira listagem e aquela ânsia criadora teria que ser adiada por mais um ano. Contudo, os meses se passaram e foi em setembro que recebi uma ligação para atuar no Vocacional. Fui chamada na prorrogação do 2º tempo!

E para minha surpresa o equipamento em questão era o CEU Vila Rubi, que fica no Grajaú e a ideia inicial de criar no meu bairro ficou para trás. Era preciso pegar a mochila e seguir.

Estava com duas turmas no meio do processo de descoberta e pesquisa e eu, estava apenas no início. E, por estar na condição de principiante – tanto no aspecto de pesquisa, quanto no que diz respeito ao próprio programa em si, vivenciei tudo com o sabor de experimentar algo nunca provado.

Ônibus errado, sala mudada, teatro novo, Chapeuzinho vermelho, comida nova, jogos diferentes, energias potentes, Rapunzel, represas, marginais, faltas, bastão, dedetização, bolinha, caminhada, príncipes, trens, café... muito café, irmãos Grimm, Grajaú, Pinóquio, aniversários, Belmira Marin, Branca de Neve, reuniões, rabisca papel, Teotônio Vilela, ônibus azuis, jornais do dia, Humbalada, políticos e politicagem, Cinderelas, consumismo, Jardim Gaivotas, 011, internet, Furiosas, eleição, princesas, pensamentos, caminhos...

O material-vetor da pesquisa emergiu do desejo dos vocacionados de destrinchar os contos de fadas. Não trazer apenas a sua relação com o hoje e comteporanizá-los, mas por meio desses contos, expressar seu descontentamento com os papeis sociais que a vida quer que sigamos.

Ser Branca de neve na periferia, tem como ser? Menina negra do basquete nunca viu a neve e não quer depender financeiramente de homem nenhum (muito menos de sete). O território dos contos e fábulas deu espaço a um novo lugar nunca antes habitado – os cantos e contos desencantados. Lugar esse, onde chapeuzinho vira lobo, vovozinho controla a internet e caçador é pedófilo.

A cada provocação lançada por mim e a cada pergunta feita pelos vocacionados, recorríamos ao material norteador afim de encontrar uma bússola que nos orientasse nessa travessia.

Eu como jovem artista, sempre sonhei desbravar fronteiras, talvez para descobrir-me e repensar caminhos, lugares que pudesse a cada instante reavivar meu fazer artístico, conhecer pessoas, culturas e lugares. Sair da minha fronteira e seguir para um lado totalmente inverso. Realizar cruzadas.

Entenda que, as cruzadas das quais menciono não faz nenhuma referência àquelas praticadas pelos militares para conquistar a Terra Santa. Aqui, coloco as cruzadas como o ‘encontro-modificado’. Digo modificado, e posso ser redundante, pois, quando duas ou mais pessoas se encontram, acontece a cruzada. Toda pessoa tem seu repertório e possui um pensamento diferente, portanto, vê a vida sob uma ótica singular. Desta forma é natural que após esse encontro cada pessoa saia modificada: as ideias foram cruzadas.

E como errante de primeira viagem, percebi que essas fronteiras estavam sendo atravessadas a cada baldeação que eu fazia. O que eu tanto buscava em outro país tinha encontrado do lado oposto da cidade. Ao saltar de um ônibus amarelo e ao subir em uma lotação azul, ao deixar a linha vermelha e frequentar a linha esmeralda.

E foi com nomes trocados mesmo que tivemos nossas cruzadas. Encontros regados a café e indagações. Trabalho duro, difícil e de muita persistência. Tentativa, ensaios, proposições e desapegos. Processos criativos que além de emancipar, empodera. Fluxos contínuos de devir, caminhos, encontros e cruzadas.

E como caminhadora entendo que estamos apenas na jornada, não no começo, nem no meio e muito menos no fim. E com essa certeza – apenas essa – prossigo (e prosseguimos!) sempre formulando perguntas, contudo, sem a dureza da exigência das respostas.



Vanessa de Oliveira Corrêa
 Artista Orientadora do CEU Vila Rubi

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