Esgotado, o nada.
2014 - Ensaio: Vocacional
Esgotado, de
nada.
Por
Gláucia Felipe (A. O. Teatro)

Estamos cansados
do homem
Nietzsche
Estava-se
cansado de algo; esgotado, de nada.
Deleuze
Eu tenho uma
denúncia a fazer...
(Voz alta perdida
no centro da cidade, da atriz Lucienne Guedes, personagem no meio da multidão –
Peça: “A Última Palavra é a Penúltima”)
Primeiro encontro no
dia 24 de agosto de 2014, entre uma turma de iniciação ao teatro de 13 pessoas,
que trabalharam juntas há apenas 13 encontros presenciais no CEU Alvarenga,
periferia da zona sul de São Paulo, dentro do tempo de três meses somente, que iniciou
essa conversa apresentando cenas improvisadas a A. O. de Teatro. Elegemos numa
votação democrática, que daríamos continuidade a cena improvisada proposta pela
vocacionada Mazé, que ali, no seu nascedouro, já identificava vida pulsante: a
personagem Marie. No encontro seguinte, o texto escrito veio de suas mãos. Uma
menina ainda. A filha mais velha de uma típica família brasileira. Com suas
partituras embaixo dos braços. Ser pianista, o sonho de sua mãe. Até que um
dia, por desobediência, se depara, nas ruas da periferia da zona sul de São
Paulo, com palhaços. O mundo imaginário se instaura. Perdem-se as partituras e
o tempo se esvai. O público: seus parceiros neste caminho. Transeuntes que
ouvem e são vistos.
No início do processo teatral
propus uma reflexão com olhares “plásticos” à 31ª Bienal de São Paulo. Buscar a
nossa Marie neste lugar. E a encontramos. No instante em que entramos em
contato com o título desta Bienal: “Como encontrar coisas que não existem” já
houve a primeira identificação: por um ato de desobediência, Marie entra em
contato com o mundo mágico dos palhaços e se depara em seu desespero e pressa,
tendo que correr para chegar a casa pro jantar, e se depara com uma destruição
das casas e avista uma casa restante, com apenas sua irmã, mais nova, já
crescida, que não a reconhece, pois ela é bem jovem. O primeiro passo desta
identificação já tinha sido dado. Outros viriam.
Entrar em contato com
sua “... invocação poética do potencial da arte e de sua capacidade de agir e
intervir em locais e comunidades onde ela se manifesta. O leque de
possibilidades para essa ação e intervenção está aberto – o motivo da constante
alteração do primeiro dos dois verbos do título”.

Fomos, então, assistir
um exercício teatral instaurado, intitulado: “A última Palavra é a Penúltima”.
Feitura: Grupo: Teatro da Vertigem para a 31ª Bienal de são Paulo, com direção
de Antônio Araújo. Processo Colaborativo de Teatro.
“Propõe revisar o já
feito. Agora, em um outro tempo, refletir um mesmo espaço de outrora: o acesso
subterrâneo da Rua Xavier de Toledo, no centro da cidade... Questões relativas
ao esgotamento. Às condições sociais e suas perspectivas de futuro, aos
horizontes de expectativas do que é possível. Um momento de problematizar a ideia
de que no próprio esgotamento seria possível encontrar um força de
transformação. Público, transeuntes e atores se misturam. Todos são colocados
em relação, veem e são vistos, ao mesmo tempo em que ocupam um espaço de
passagem atualmente inutilizado.” (Programa do trabalho do Teatro da Vertigem
para 31ª Bienal São Paulo, 2014).
E aqui encontramos a conexão.
Marie é também uma esgotada. “Esgota o que não se realiza no possível”
(DELEUZE, O Esgotado, p. 68). Aqui, Marie também vislumbra os personagens de
Beckett, brinca com o possível sem realizá-lo. Como diz o próprio Deleuze,
“eles têm muito a fazer, com um possível cada vez mais restrito em seu gênero,
para ainda se preocupar com o que ocorre”. Assim, também como diz, Silvia
Balestreri Nunes, se referindo a que eu comparo a trajetória de Marie: “Podemos
dizer que o tema principal é o esgotamento do possível” ... “Muito
simplificadamente, pode-se dizer que o esgotamento do possível é a exaustão de
toda história, das finalidades e objetivos, daí as combinatórias “para nada” e
a riqueza que nos trazem as personagens de Beckett.”.
Em Beckett, o
personagem Hamm é subitamente assaltado por uma dúvida: “Não estamos a caminho
de...de...significar alguma coisa?, pergunta com emoção. E Clov tranquiliza-o
imediatamente: Significar? Nós, significar! (breve sorriso.) Ah! Essa é boa!”.
Neste fragmento, destacado do livro “Fim de Partida” (BECKETT, 2002, p.81) por
Alain Robb-Grillet (1965, p.133), está implicado com uma política que nada quer
ou comunicar. Segundo, Henz, um fio delgado, quase imperceptível na trama da
sensibilidade contemporânea, e que ganha força com a noção de esgotamento. O
esgotamento é ação e invenção, para nada. E de novo é, nesse estágio que reside
a nossa personagem Marie. O esgotamento que pode constituir órgãos do tato para
muitas espécies de encontro. Diferente do cansaço é a capacidade de dizer sim à
vida em suas variações. “Não é apenas o cansaço, não estou apenas cansado,
apesar da subida”, referem Beckett e Deleuze (BECKETT, 2006, p.86; DELEUZE,
1992, p.57). É menos isto que tem sido
chamado de sujeito moderno, do eu, e mais que a mudança de um conceito, é uma
política com a vida que implica o intensivo, é talvez, uma nova formação
histórica.”( ROBBE-GRILLET, 2010, p.77)”.

Assim,
falando com os Vocacionados das possibilidades de pesquisas teatrais que
poderíamos desenvolver, decidimos juntos optar pela experiência do espaço
alternativo de teatro, tantas vezes experimentado pelo grupo Teatro da Vertigem
com direção de Antônio Araújo, vide espetáculos como “Apocalipse 1.11” no
Presídio do Hipódromo na Mooca, o “BR-3”, no Rio Tietê, e tantos outros. Para
uma turma de iniciação ao teatro, ter o espaço do CEU Alvarenga todo, perceber
que falar numa sala MULTIUSO é bem diferente de improvisar o texto lá fora (ora
na rua, ora no estacionamento, ora na piscina e o tempo todo ter o público
junto, indo e vindo e interagindo com os atores, sendo questionados e
respondendo, etc.) e ter pessoas sempre alguém os assistindo. Todo o trabalho
vocal, o trabalho de memorização de texto e a feitura destas improvisações
revelaram-se numa nova utilização deste espaço: O CEU Alvarenga, a quem somos
bem gratos pela parceria.

Glaucia
Felipe. Artista Orientadora do Programa Vocacional de
Teatro, região sul 3. Mestre em Artes pela área de Teatro Educação da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Atriz e Diretora Teatral formada
pela mesma instituição. Professora efetiva da rede Estadual de Ensino em Artes
em São Paulo.
Bibliografia
DELEUZE,
Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio
de
Janeiro: Graal, 1988;
DELEUZE,
Gilles. Sobre o teatro: Um manifesto de menos; O esgotado/ Gilles
Deleuze.
Trad. Fátima Saadi, Ovídio Abreu, Roberto Machado. Rio de Janeiro: Zahar,
2010.
112 p.;
HENZ,
Alexandre. L’épuisé Uma política em Beckett e Deleuze, Artefilosofia, Ouro
Preto, n.9, p.77-92, out.2010;
NUNES,
Silvia Balestreri. “Um Deleuze a menos”. Revista Cena - Número 8 -ISSN
1519-275X. Periódico do Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas. Instituto
de Artes. Departamento de Arte Dramática, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul;
SILVA,
Maria José. “O Circo Mágico”. Texto narrativo produzido como experimento para
improvisações coletivas em espaços alternativos da turma de teatro do CEU
ALVARENGA/2014.
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