VIDA – REALIDADE ou FICCÃO?
Artista Orientadora: Naloana Lima
Equipamento: CEU Feitiço da Vila
Equipe – Sul 2
Uma onda de pensamentos me invade
depois desses três anos atuando assiduamente no CEU no FEITIÇO e na VILA. Deixando os problemas estruturais de lado,
aponto aqui o que não podemos perder de vista: O Fazer Artístico.
Programa Vocacional, Periferia,
Zona Sul de São Paulo. Terra que nasci, me criei e pude perceber como é tênue a
linha que divide passado e presente, orientador e vocacionado, já que somos nós
artistas no palco e na vida.
VIDA - REALIDADE OU FICÇÃO? Esse
foi o tema que norteou o encontro entre vocacionados do Feitiço, Campo Limpo,
Capão e Casa Blanca. Encontro em que nós, Artistas Orientadores nos vimos “desorientados”
diante de tamanha potência criativa desses jovens, espelhos nossos de um
passado não distante. Muita abertura e porosidade no encontro realizado em um
domingo de muito sol, no dia 19 de Outubro de 2014. Tamanha escuta e sutileza
que permitiu que um menino-pai pudesse expressar sua angustia em perder a
guarda do filho e ver a “sua” vida sendo expressa em uma cena através da frase:
“Cadê Meu Pai?”. Uma reverberação de palavras bem ditas pelos atores-criadores dentro
de um improviso cênico. Realidade declarada e nua que nos atravessa e nos
questiona: Existe mesmo uma linha que separa a arte da vida? A Realidade e a
Ficção?
Ainda nesse contexto descrevo
aqui os trabalhos desenvolvidos com as duas turmas novas do CEU FEITIÇO DA VIDA
(uma de quinta e outra de sábado). As turmas começaram misturadas (artistas
aprendizes e grupos vocacionados) e, por conta do desejo forte dos “veteranos”,
optamos por trabalhar textos dramáticos, ideia abraçada pelos novatos. E assim,
iniciamos as leituras dramáticas com o aval de todos, porem no decorrer do processo,
os grupos foram saindo. A “Cia Basalto”
focou na montagem de “Divina” para o “VAI” e, o grupo “Conectados” entrou em
diversas montagens paralelas, trabalhando com outros coletivos da Zona Sul.
Como tínhamos começado o estudo dos
textos dramáticos, os que ficaram compraram a ideia e seguiram com as leituras,
porem percebia uma rotatividade grande das turmas que não se firmavam. Aos
trancos e barrancos, seguimos e, já pelo meio do processo, finalizamos as
leituras. A turma de quinta-feira leu quatro textos dramáticos: “A Mais Forte”,
“A Noite em que Blanche Dubois Chorou Sobre a Minha Pobre Alma”, “Uma Consulta”
e “Quando as Máquinas Param” e a turma de sábado leu “Ó Pai Ó” e “Dois Perdidos
Numa Noite Suja”. Ambas as turmas tinham em mente a elaboração de uma montagem
ao final do processo, então sugeri que analisássemos o que havia em comum entre
os textos lidos por cada turma, e foi a partir daí que os temas afloram: “Amor”
e “Morada”. Uma turma escreveu suas “Cartas de amor” e a outra criou
depoimentos sobre “O que vejo através da janela?”. Essas cartas e depoimentos
serviram de ponte entre a ficção e a realidade dos vocacionados e costurou as
cenas das montagens de “Morada” e “Cartas de Amor Ridículas”.
Ainda em relação a essas turmas, percebo
que nesse ano de 2014, diferente dos outros, o comprometimento dos vocacionados
foi irregular, mas chegando à etapa final, vejo a importância da continuidade
do trabalho. Esses vocacionados apontam
um amadurecimento ao final do processo, começam a entender como funciona o teatro
coletivo e existe uma vontade, mesmo que frágil, de formarem grupos para outras
criações. E é nesse contexto que vejo o
quanto somos pequenos diante da estrutura do programa, que prevê somente sete
meses e meio de orientação. Essas turmas em especial precisariam de uma atenção
para dar conta da complexidade que é fazer teatro na periferia, sabendo das condições
precárias que encontram os equipamentos de cultura da cidade.
Sobre os Grupos (que estão comigo
desde 2012), tudo neles me atravessa, e sei que o contrario também acontece. A
questão da IDENTIDADE é o que mais forte vejo nesses grupos (Cia Basalto e
Conectados). Vi a transformação romper limites entre vida e arte. A identidade
é o que mais os movimenta: Sou nordestino, sou periférico, sou mulher, sou
negro, sou homossexual. SOU! E tenho orgulho de ser! Vejo o rompimento de
barreiras da própria vida, na descoberta de quem “sou”. Isso é explicito na
arte desses meninos. É uma forma de expressar, de dar voz a algo que estava até
então reprimido dentro deles. E nessa fuga mergulham em novas descobertas,
pesquisam, se fecham em guetos, se articulam e constroem algo verdadeiro, algo
que esta para além da arte. Essa é a
fase desses grupos que oriento, antes dentro do CEU Feitiço e agora em outros
espaços culturais como o CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes – Campo
Limpo) e Clariô (Espaço Clariô de teatro – Taboão da Serra), são os filhotes
alçando voo.
Sobre esses meninos, fico na
duvida se os oriento sobre a importância de encontrar também as contradições de
suas convicções. Vejo uma barreira dura da vida se quebrar para dar espaço ao
novo que se afirma na arte. Discutir com pai e mãe, questionar a religião,
assumir seu cabelo Black, seu homossexualismo, mesmo sabendo que será “malvisto”
pelos intolerantes. Isso em si já é libertação e é a própria contradição daquilo
que os cerca, porém é possível que mais pra frente essas certezas também sejam
questionadas, revisitadas, destruídas e reinventadas, pode ser que essa
realidade seja apenas uma ficção que os conforta, já que a realidade muitas
vezes é cruel, mas penso que se estão inteiros dentro de suas pesquisas e se estão
em busca das suas verdades, esse é o caminho, pois de fato esse teatro os
atravessa, o resto é mera ficção.
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