Ensaio de Pesquisa - Projeto Vocacional dança 2014 - Willy Helm
Ensaio de Pesquisa- Projeto Vocacional dança 2014
Artista-Orientador Wilhelm Araújo da Silva(Willy Helm)
Equipe Leste 3 Dança/Coordenadora: Nininha Araújo
O Início(o sonho) :
Aportando em novas terras, um aprendiz ignorante aspirando a
ser um mestre. Ignorante. Na primeira reunião da equipe Leste 3 dança, antes
mesmo de conhecer o mínimo sobre a região e o equipamento em que iria atuar, no
caso o CEU Água Azul, em Cidade Tiradentes, colocamos no papel o sonho de cada
um, o que nós visualizávamos neste processo até novembro, o que imaginávamos
que iríamos encontrar. No 1º ano de Vocacional essas são incógnitas mais que
reais. Seguindo a proposta da coordenadora Nininha Araújo, eu e os colegas da
equipe, a saber: Carolina Gomes, Kleber de Paula, Morgana Souza e Penha Pietras
,deixamos anotados em uma folha de papel os nossos anseios, expectativas e
intenções sobre o que estava por vir.
O ser estrangeiro(território
de guerrilha):
Cidade Tiradentes, o maior conjunto habitacional da América
Latina, caracterizada pela violência e pela condição humilde de seus
habitantes, é um território desconhecido e hostil a princípio, mas que com o
decorrer do ano se revela mais próximo e hospitaleiro, ainda que num processo
lento. Os seguranças do CEU por exemplo, demoraram uma media de 6 meses pra me
reconhecer como o Ao de dança Vocacional daquela instituição. Muitas vezes os
primeiros contatos pessoais com membros da comunidade que não fossem um dos
Vocacionados vinha imbuído de um sentimento e de um olhar de estranhamento:
"Esse daí não é daqui da comunidade". Era essa a minha sensação ao me
relacionar com comerciantes do entorno, funcionários do CEU, dos postos de
gasolina, cobradores de ônibus, etc.
Tomando como inspiração o texto de Suzana Schmidt Viganó-
Zonas de fronteira/território de guerrilha- podemos analisar esse processo de
reconhecimento no tempo e espaço daquele lugar como um alicerce que seria a
base intuitiva da pesquisa de criação artística, no sentido de direcionar essa
poderosa sensação de se descobrir o novo e o inusitado para gerar os estímulos
criativos e dramatúrgicos que alimentaram o processo dos Solos em Tiradentes, a ação escolhida por mim e pelos vocacionados
como um tipo de
território cru,
onde a realidade é o substrato e as possibilidades de transforma-la através das
linguagens do vídeo e da dança são experimentadas em tempo real, através do
improviso, num espaço físico que já causa um deslocamento e uma exposição
incomuns daquele interprete. Isso nos leva, juntamente com o conteúdo dos
depoimentos, a um quase relato poético de uma sensação, um fato, uma memória,
um sonho, sempre com viés
autobiográfico, reforçando pra cada um os laços que os prendem àquele lugar,
tentando amplificar suas possibilidades de atuação, entendimento e libertação.
Essa seria a nossa Zona de Guerra em 2014.
Aos poucos esse "ser estrangeiro" vai-se adaptando
aos caminhos, ao movimento, à paisagem, e ao modo de ser dos que por ali
circulam e habitam, familiarizando-se com a comunidade e tornando-se menos
estrangeiro.
Algumas experiências puderam servir como constatação da
violência e de um cotidiano opressor nesse aspecto, nos permitindo vivenciar
situações de incêndio em ônibus, toque de recolher, assalto à mão armada(do
qual fui vítima direta), brigas com agressão física na rua. Apesar de fazer
parte, de certa , forma, do dia-a-dia de Cidade Tiradentes, esses eventos ainda
causam tensão e apreensão na comunidade, chegando-se ao fechamento do comércio
e do CEU bem antes do horário normal, antecipando a volta pra casa no intuito
de amenizar os riscos.
Em meio a esses percalços e reconhecimentos, encontramos o
indivíduo: o artista vocacionado.
Com uma divulgação precária e algumas dificuldades de
comunicação relativas às inscrições no programa, devido a falhas no sistema on-line,
iniciamos as atividades do programa recebendo os primeiros Avs (artistas
vocacionados) que em sua maioria nunca haviam tido qualquer experiência com
dança contemporânea.
A cultura Hip-Hop, as
danças urbanas, e o funk proibido no horizonte cultural da comunidade:
Observamos facilmente uma característica gritante em relação
ao que ocupa hoje o universo cultural dos jovens e adolescentes da periferia,
que é a influência e penetração da cultura
Hip-Hop e do funk proibido , com cada uma dessas manifestações dialogando com
os jovens de forma diferente, com seus atrativos específicos. Como são
manifestações que tem na música e na dança(no caso do Hip-Hop, o grafite
também) suas expressões mais potentes e significativas, percebemos que é por
essa via que a maioria desses jovens hoje tem os seus primeiros contatos com o
fazer da cultura e da dança, ou da expressão pelo movimento. Isso até me
instigou bastante a descobrir e querer me aproximar desse universo e de sua
fisicalidade.
No caso do CEU Água Azul, não pudemos estabelecer uma
relação de orientação artística com ou grupos ou coletivos locais ligados a
essas culturas, até porque não existe atualmente nenhum desses grupos
frequentando o CEU nos horários em que permanecemos , seja para ensaiar ou desenvolver
novos trabalhos. A dança contemporânea, como linguagem do Vocacional dança,
nesta instituição, neste ano, não pôde
oferecer atrativos que conseguissem a adesão desses jovens.
Dança contemporânea-
que bicho é esse?
Descobrir um outro corpo, que pode ser muito mais autônomo e
esperto em suas funcionalidades, despertando novas possibilidades de movimento,
através do exercício e da experimentação de diversas técnicas ou estilos, foi o
objetivo a ser desenvolvido desde o início. Isso se revelou nos primeiros
encontros, ao percebermos a pouca vivência e consciência corporal e do
movimento dos primeiros Avs com quem iniciamos o processo, e dos que chegariam
no decorrer do ano. Através desse trabalho, atuando no reconhecimento do
próprio corpo, do corpo do outro, do espaço e do tempo iniciamos a nossa
tentativa de processo criativo-artístico-pedagógico-emancipatório.
A dramaturgia do
corpo como ferramenta de uma construção emancipatória:
Percebendo rapidamente a flutuação intensa do público nos encontros,
ainda que natural pelas características próprias do Projeto Vocacional, cheguei
logo à conclusão de que deveria investir no indivíduo nos processos de práticas
do movimento e de dramaturgia, visando descobrir os potenciais criativos e de
auto-expressão de cada um dos que se disponibilizassem a ir até o final do
processo, em dezembro. A perspectiva então de desenvolver um trabalho de grupo,
devido a essa flutuação e à pouca vivência dos que formavam esse grupo, não
eram muito animadoras.
A partir desse enfoque mais 'individualizado'' trabalhamos
as limitações de cada um, tantos as físicas quanto de compreensão dos elementos
básicos do movimento, como diferenças de dinâmica, coordenação motora, tensão e
relaxamento, registro e memória do movimento, entre outros. A intenção era
desenvolver um corpo mais disponível, mais aberto a
experimentos e desafios, um corpo e um espírito que se expressam e reconhecem
esse seu poder.
Através de jogos de improviso, de exercícios de leitura de
textos pelo movimento(textos criados pelos Avs), de propostas de exploração dos variados
espaços e arquiteturas do CEU, de vivências que estimulam o toque, a
manipulação e o reconhecimento do outro,
conseguimos desenvolver um território diferente em nossos encontros. Um
território ''cru '', onde nos foi possível descobrir novas relações, seja com o
corpo, seja com a arte, com o próximo, consigo mesmo, com a vida.
Solos em Tiradentes-
o projeto, o processo
Apostando nas singularidades, passamos eu e o grupo de Avs a
discutir o que gostaríamos e poderíamos fazer. Surge daí a ideia de se produzir
algo em vídeo, já que era uma ferramenta da qual possuo certo conhecimento e
que nos possibilitaria amplificar e editar as estruturas dramatúrgicas que
viriam a ser descobertas. Pensamos em algo como vídeos-solo, um misto de depoimento e performance de
movimento, que registraríamos em locais da comunidade escolhidos por cada
artista.
·
o Espaço:
lugares externos, inseridos no entorno do CEU ou proximidades, que possuíssem
alguma relação emocional, afetiva, com os intérpretes. Os espaços escolhidos
foram o Forum de Guainases, a colina atrás do CEU Agua Azul, as paredes externas
do Centro Cultural Arte em Construção e o Parque da Ciência.
·
o Tempo:
os cenários proporcionados pela luz do final de tarde em Cidade Tiradentes
foram escolhidos pra serem os fundos visuais/temporais diante dos quais
viajaríamos por aproximadamente 1h de gravação, começando por volta das
17:00hs, após termos nos encontrado no CEU e nos dirigido à cada local, e
permanecendo até a luz descer quase por completo, por volta das 18:15hs.
·
a Música:
os sons ambientes e algumas músicas sugerida por alguns Avs foram os elementos
que utilizamos para compor texturas sonoras que funcionam como uma ''cama ''
onde o áudio de voz gravado com o depoimento de cada um iria se sobressair.
Esse depoimento foi provocado por
estímulos de lembranças afetivas ou dolorosas, de qualquer aspecto, que
ligassem o indivíduo à comunidade, revelando um pouco da história de ambos,
artista e lugar.
·
a Ação
Corporal: a proposta inicial era simplesmente trazer para aquele espaço e
circunstâncias inusitados alguns elementos de movimento trabalhados nos
encontros no CEU, tentando explorar ao máximo a arquitetura e a simbologia
daquele espaço, sob algumas orientações que eu fornecia na hora do improviso.
O projeto Solos em Tiradentes, ainda que não tenha
acontecido com um número mais expressivo de intérpretes, gerando mais vídeos,
foi o nosso legado, a nossa principal materialização deste ano, além de uma
experiência de descobertas e de estreitamento das relações humanas com esses
Avs, levando a nós todos, juntamente com outras ações e experiências ao longo
do ano, a um estado real do fazer artístico, do desbravamento e desenvolvimento
de uma energia diferente, que nasce da sensação de ser um individuo livre,
criativo, que pode sonhar e partilhar com o mundo o seu sonho(aqui chegamos
próximos do sonho do início, o sonho do papel, onde sonhei com um processo
artístico gratificante), sabendo que tem esse direito e que esse é também o
nosso dever. Como seres artistas que somos.
Link do curta: http://youtu.be/8XzGKaFWwik
Marcadores: CEU Agua Azul, Dança, Willy Helm
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