segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Ensaio de Pesquisa - Projeto Vocacional dança 2014 - Willy Helm

Ensaio de Pesquisa- Projeto Vocacional dança 2014

Artista-Orientador Wilhelm Araújo da Silva(Willy Helm)
Equipe Leste 3 Dança/Coordenadora: Nininha Araújo



O Início(o sonho) :
Aportando em novas terras, um aprendiz ignorante aspirando a ser um mestre. Ignorante. Na primeira reunião da equipe Leste 3 dança, antes mesmo de conhecer o mínimo sobre a região e o equipamento em que iria atuar, no caso o CEU Água Azul, em Cidade Tiradentes, colocamos no papel o sonho de cada um, o que nós visualizávamos neste processo até novembro, o que imaginávamos que iríamos encontrar. No 1º ano de Vocacional essas são incógnitas mais que reais. Seguindo a proposta da coordenadora Nininha Araújo, eu e os colegas da equipe, a saber: Carolina Gomes, Kleber de Paula, Morgana Souza e Penha Pietras ,deixamos anotados em uma folha de papel os nossos anseios, expectativas e intenções sobre o que estava por vir.

O ser estrangeiro(território de guerrilha):
Cidade Tiradentes, o maior conjunto habitacional da América Latina, caracterizada pela violência e pela condição humilde de seus habitantes, é um território desconhecido e hostil a princípio, mas que com o decorrer do ano se revela mais próximo e hospitaleiro, ainda que num processo lento. Os seguranças do CEU por exemplo, demoraram uma media de 6 meses pra me reconhecer como o Ao de dança Vocacional daquela instituição. Muitas vezes os primeiros contatos pessoais com membros da comunidade que não fossem um dos Vocacionados vinha imbuído de um sentimento e de um olhar de estranhamento: "Esse daí não é daqui da comunidade". Era essa a minha sensação ao me relacionar com comerciantes do entorno, funcionários do CEU, dos postos de gasolina, cobradores de ônibus, etc.
Tomando como inspiração o texto de Suzana Schmidt Viganó- Zonas de fronteira/território de guerrilha- podemos analisar esse processo de reconhecimento no tempo e espaço daquele lugar como um alicerce que seria a base intuitiva da pesquisa de criação artística, no sentido de direcionar essa poderosa sensação de se descobrir o novo e o inusitado para gerar os estímulos criativos e dramatúrgicos que alimentaram o processo dos Solos em Tiradentes, a ação escolhida por mim e pelos vocacionados como um tipo de
território cru, onde a realidade é o substrato e as possibilidades de transforma-la através das linguagens do vídeo e da dança são experimentadas em tempo real, através do improviso, num espaço físico que já causa um deslocamento e uma exposição incomuns daquele interprete. Isso nos leva, juntamente com o conteúdo dos depoimentos, a um quase relato poético de uma sensação, um fato, uma memória, um sonho, sempre com  viés autobiográfico, reforçando pra cada um os laços que os prendem àquele lugar, tentando amplificar suas possibilidades de atuação, entendimento e libertação. Essa seria a nossa Zona de Guerra em 2014.
Aos poucos esse "ser estrangeiro" vai-se adaptando aos caminhos, ao movimento, à paisagem, e ao modo de ser dos que por ali circulam e habitam, familiarizando-se com a comunidade e tornando-se menos estrangeiro.
Algumas experiências puderam servir como constatação da violência e de um cotidiano opressor nesse aspecto, nos permitindo vivenciar situações de incêndio em ônibus, toque de recolher, assalto à mão armada(do qual fui vítima direta), brigas com agressão física na rua. Apesar de fazer parte, de certa , forma, do dia-a-dia de Cidade Tiradentes, esses eventos ainda causam tensão e apreensão na comunidade, chegando-se ao fechamento do comércio e do CEU bem antes do horário normal, antecipando a volta pra casa no intuito de amenizar os riscos.
Em meio a esses percalços e reconhecimentos, encontramos o indivíduo: o artista vocacionado.
Com uma divulgação precária e algumas dificuldades de comunicação relativas às inscrições no programa, devido a falhas no sistema on-line, iniciamos as atividades do programa recebendo os primeiros Avs (artistas vocacionados) que em sua maioria nunca haviam tido qualquer experiência com dança contemporânea.

A cultura Hip-Hop, as danças urbanas, e o funk proibido no horizonte cultural da comunidade:
Observamos facilmente uma característica gritante em relação ao que ocupa hoje o universo cultural dos jovens e adolescentes da periferia, que é a influência e  penetração da cultura Hip-Hop e do funk proibido , com cada uma dessas manifestações dialogando com os jovens de forma diferente, com seus atrativos específicos. Como são manifestações que tem na música e na dança(no caso do Hip-Hop, o grafite também) suas expressões mais potentes e significativas, percebemos que é por essa via que a maioria desses jovens hoje tem os seus primeiros contatos com o fazer da cultura e da dança, ou da expressão pelo movimento. Isso até me instigou bastante a descobrir e querer me aproximar desse universo e de sua fisicalidade.
No caso do CEU Água Azul, não pudemos estabelecer uma relação de orientação artística com ou grupos ou coletivos locais ligados a essas culturas, até porque não existe atualmente nenhum desses grupos frequentando o CEU nos horários em que permanecemos , seja para ensaiar ou desenvolver novos trabalhos. A dança contemporânea, como linguagem do Vocacional dança, nesta instituição, neste ano, não pôde  oferecer atrativos que conseguissem a adesão desses jovens.

Dança contemporânea- que bicho é esse?
Descobrir um outro corpo, que pode ser muito mais autônomo e esperto em suas funcionalidades, despertando novas possibilidades de movimento, através do exercício e da experimentação de diversas técnicas ou estilos, foi o objetivo a ser desenvolvido desde o início. Isso se revelou nos primeiros encontros, ao percebermos a pouca vivência e consciência corporal e do movimento dos primeiros Avs com quem iniciamos o processo, e dos que chegariam no decorrer do ano. Através desse trabalho, atuando no reconhecimento do próprio corpo, do corpo do outro, do espaço e do tempo iniciamos a nossa tentativa de processo criativo-artístico-pedagógico-emancipatório.




A dramaturgia do corpo como ferramenta de uma construção emancipatória:
Percebendo rapidamente a flutuação intensa do público nos encontros, ainda que natural pelas características próprias do Projeto Vocacional, cheguei logo à conclusão de que deveria investir no indivíduo nos processos de práticas do movimento e de dramaturgia, visando descobrir os potenciais criativos e de auto-expressão de cada um dos que se disponibilizassem a ir até o final do processo, em dezembro. A perspectiva então de desenvolver um trabalho de grupo, devido a essa flutuação e à pouca vivência dos que formavam esse grupo, não eram muito animadoras.
A partir desse enfoque mais 'individualizado'' trabalhamos as limitações de cada um, tantos as físicas quanto de compreensão dos elementos básicos do movimento, como diferenças de dinâmica, coordenação motora, tensão e relaxamento, registro e memória do movimento, entre outros. A intenção era
desenvolver um corpo mais disponível, mais aberto a experimentos e desafios, um corpo e um espírito que se expressam e reconhecem esse seu poder.
Através de jogos de improviso, de exercícios de leitura de textos pelo movimento(textos criados pelos Avs),  de propostas de exploração dos variados espaços e arquiteturas do CEU, de vivências que estimulam o toque, a manipulação e o reconhecimento do outro,  conseguimos desenvolver um território diferente em nossos encontros. Um território ''cru '', onde nos foi possível descobrir novas relações, seja com o corpo, seja com a arte, com o próximo, consigo mesmo, com a vida.

Solos em Tiradentes- o projeto, o processo
Apostando nas singularidades, passamos eu e o grupo de Avs a discutir o que gostaríamos e poderíamos fazer. Surge daí a ideia de se produzir algo em vídeo, já que era uma ferramenta da qual possuo certo conhecimento e que nos possibilitaria amplificar e editar as estruturas dramatúrgicas que viriam a ser descobertas. Pensamos em algo como vídeos-solo,  um misto de depoimento e performance de movimento, que registraríamos em locais da comunidade escolhidos por cada artista.

·      o Espaço: lugares externos, inseridos no entorno do CEU ou proximidades, que possuíssem alguma relação emocional, afetiva, com os intérpretes. Os espaços escolhidos foram o Forum de Guainases, a colina atrás do CEU Agua Azul, as paredes externas do Centro Cultural Arte em Construção e o Parque da Ciência.
·      o Tempo: os cenários proporcionados pela luz do final de tarde em Cidade Tiradentes foram escolhidos pra serem os fundos visuais/temporais diante dos quais viajaríamos por aproximadamente 1h de gravação, começando por volta das 17:00hs, após termos nos encontrado no CEU e nos dirigido à cada local, e permanecendo até a luz descer quase por completo, por volta das 18:15hs.
·      a Música: os sons ambientes e algumas músicas sugerida por alguns Avs foram os elementos que utilizamos para compor texturas sonoras que funcionam como uma ''cama '' onde o áudio de voz gravado com o depoimento de cada um iria se sobressair. Esse depoimento foi provocado  por estímulos de lembranças afetivas ou dolorosas, de qualquer aspecto, que ligassem o indivíduo à comunidade, revelando um pouco da história de ambos, artista e lugar.
·      a Ação Corporal: a proposta inicial era simplesmente trazer para aquele espaço e circunstâncias inusitados alguns elementos de movimento trabalhados nos encontros no CEU, tentando explorar ao máximo a arquitetura e a simbologia daquele espaço, sob algumas orientações que eu fornecia na hora do improviso.

O projeto Solos em Tiradentes, ainda que não tenha acontecido com um número mais expressivo de intérpretes, gerando mais vídeos, foi o nosso legado, a nossa principal materialização deste ano, além de uma experiência de descobertas e de estreitamento das relações humanas com esses Avs, levando a nós todos, juntamente com outras ações e experiências ao longo do ano, a um estado real do fazer artístico, do desbravamento e desenvolvimento de uma energia diferente, que nasce da sensação de ser um individuo livre, criativo, que pode sonhar e partilhar com o mundo o seu sonho(aqui chegamos próximos do sonho do início, o sonho do papel, onde sonhei com um processo artístico gratificante), sabendo que tem esse direito e que esse é também o nosso dever. Como seres artistas que somos.

Link do curta: http://youtu.be/8XzGKaFWwik

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