domingo, 23 de novembro de 2014

Abrangendo, aprendendo e simplificando a Generosidade coloquial e sincera

 
Apesar do primeiro fio condutor para o desenvolvimento do ensaio de nossa equipe ter partido de nossas trajetórias, tomamos como rizomático este processo de reflexão e assim pudemos escoar, transbordar, alar e alçar voos a partir das experiências cotidianas na relação entre o Vocacional e nós, cujo elo é nossa arte compartilhada.
Gostaria, sendo assim, de discorrer sobre a primeira palavra espontânea que surgiu repentinamente imbuída de gratidão, surpresa e beleza: Generosidade.
Já havia estudado sobre generosidade em cena, sobre o artista generoso que compartilha suas experiências e conhecimentos. Inclusive que a generosidade seria um dos fatores fundamentais da cena, já que a princípio não estamos sozinhos, e sim com o público. E que quanto mais conhecimento propagamos, mais ainda aprendemos. Mas esta generosidade me pareceu ainda mais palpável, profunda, ainda mais natural e intrínseca à solidariedade, capacidade de ceder, doar, entender o outro.
Sabemos que o Vocacional possui característica própria de intenso trânsito, e na dança costumamos fazer com que cada encontro possua em si um processo findo, que possa ou não ser continuado. Mas a ideia é fazer com que em um encontro alguma experiência possa ser tangida, mesmo que resvalada, e que seja em si mesma um processo sobre o qual se possa extrair reflexões, sensações, percepções.
Alguns não compreendem ou não querem esta oscilação e se vão. Às vezes voltam. Os interesses são muito particulares, uns permanecem do início ao fim do Programa. Uns até a metade, outros, da metade. E uns já foram Vocacionados, outros nem fazem ideia do que seja. Mas vivendo e observando os Vocacionais, foi possível perceber que há um acolhimento quase orgânico que só se percebe com afinco, de natural que parece, uma compreensão que às vezes em nossos coletivos artísticos não teríamos, por razões profissionais ou egóicas, por necessidades diferentes ou por condições de trabalho.
Apesar de diferentes níveis de experiências, naquele espaço de fruição, aquele que atravessou seus entraves, torce e faz de tudo para que o colega vivencie seus prazeres e descobertas. Há um olhar sem julgamento entre si, um olhar realmente generoso. Um modo de enxergar o que há de melhor em todas as dificuldades do outro. E propor, auxiliar, compor, discutir e aceitar.
Não sei se isso se deve analogamente à realidade em geral que lhes cerceia, o sorrido da avó, senhora na cadeira da periferia, curtindo o céu azul diante das adversidades e injustiças alheias. A piada no ônibus lotado, onde ora se empurra, briga, ora se diz: “Vem que cabe mais um”. Ou se vem da compaixão pelas dores, pela opressão e descaso triviais, por tantas violências explícitas e veladas, pela falta de recursos, que faz com que dividir o pão se torne normal para eles, quase extraordinário quando aquém desta realidade. Querer que o outro se sinta bem, que seja num processo artístico dentro do programa Vocacional, parece e é simbólico e parece que isso também influencia na permanência de alguns Artistas Vocacionados, do Programa e de nós, orientadores, que muitas vezes nos sentimos desorientados emaranhados nesta teia de dificuldades e poesias, de conflitos e flores, cruzamento entre horizontalidade e verticalidade, dimensões e planos diversos.
E sinceramente, apesar de termos um eixo norteador sólido que serve para nos auxiliar, estamos lidando com arte e arte é humanidade e humanidade não tem fórmula precisa, a cada experiência a perspectiva sobre o mesmo pondo muda, nós mudamos, o ponto muda. Portanto sempre nos vemos diante de algo novo, um campo tão conhecido quanto desconhecido, um mar de afinidades e dissonâncias, acho que só não de pleno conforto. Não sei nem se para o artista há o pleno conforto, e nem deve haver, já que somos um mar de inquietação a começar por escolher viver de arte.
Hoje, ser Artista Orientadora, ou Vocacionada, ou Aprendiz para a vida toda e estar ao lado de pessoas tão complexas, magníficas, diante de medos e coragens que eu desconhecia, de auto descobertas, me faz compreender ainda mais que quanto mais caminhamos para onde achamos que é o lugar da sabedoria, do conhecimento, mais continuamos a ser aprendizes. E a generosidade é muito mais do que doar-se, permitir-se. Parece que é abster-se de egos, de individualidades, como olhar para o espelho e enxergar o outro, os outros, olhar fora de si e ainda estar ali, junto, dentro.
 
PROCESSO FINAL CEU GUARAPIRANGA

Iniciamos com uma turma e terminamos com outra totalmente diferente. Chegamos a ter mais de 20 vocacionados por um tempo, em outros, apenas dois. A princípio tínhamos vivenciado diversos processos, trabalhando com consciência corporal, desenvolvimento da percepção, escuta, soltura das articulações, utilização de apoios e alavancas, sequências de dança moderna, experimentações nos espaços externos do CEU com Le parkour e dança, capoeira e dança e acrobacia de solo e dança. Chegamos a fazer uma ação cultural com trampolim (cama elástica) e fotografia, que culminou numa intervenção registrada na rua. Tudo com oscilação da turma, variando as pessoas que vivenciaram as coisas.
Com esta turma que estamos concluindo, iniciamos nos últimos dois meses uma pesquisa sobre relações de poder e gênero. Durante a pesquisa encontramos possibilidades de trabalhar a partir dos diferentes poderes femininos, da feminilidade singela, da mulher travesti, dos homens, do despir-se, da solidão e do bulliyng. Desenvolvemos alguns processos de criação individuais e coletivos, a partir de jogos e de improvisação, com orientações sobre o material, sempre discutindo, evitando dirigir.
Houve uma importante influência na organização do material após ação cultural de mostra de processos da equipe, o que demonstra a importância das ações e sobretudo do compartilhamento de processos, que enriquece os sentidos, a criação e fortalece cada equipamento.
                                                                                                Mainá Yamachi
 
Vídeos, imagens, ações e processos em: http://vocacionaldancasul2b.blogspot.com.br/
 
 

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