sábado, 22 de novembro de 2014

COLETIVO EM TRÂNSITO OCUPAÇÃO CENTRO CULTURAL DA PENHA

DANÇA VOCACIONAL
COLETIVO EM TRÂNSITO OCUPAÇÃO CENTRO CULTURAL DA PENHA

Artista Orientador - Frank Tavantti
Equipe Leste 1 - Coordenação Claudia Palma 

         Atualmente o corpo tem sido foco de uma era em que um simples toque pode abrir janelas que nos carregam para o desconhecido, um emaranhado organizado de frestas pelas quais podemos ver mundos totalmente diferentes e que nos possibilitam navegar no passado, em um presente compartilhado ou até mesmo em um futuro que anseia, tudo isso com o mínimo de esforço. 
          Podemos nos transportar em uma fração de segundo sem sair do lugar, um simples toque e temos o mundo na ponta dos dedos. Somos impulsionados então a abrir essas janelas, deslizar, tocar e compartilhar o nosso próprio universo.  Há nisso tudo um movimento pouco percebido que nos acompanha desde que nos entendemos forma e somos estimulados a nos mantermos, sustentarmos em uma estrutura. O desejo, a necessidade, o precisar é o impulso interno que nos move, aquilo que nos faz buscar.


         Neste ano de 2014 atuando como Artista Orientador no Centro Cultural da Penha pude continuar o trabalho de formação de turmas e o mapeamento de um local onde a dança pulsa forte. Percebi o desejo das turmas em sair do espaço, estrutura CCP e buscar outros lugares para ocupação e dança. 



         Percorremos o entorno do Centro cultural com cortejos de ocupação, Shopping Penha, praças e uma parceria com SESC Belenzinho onde participamos de encontros do projeto “100 lugares para dançar”. Alem de visitarmos algumas exposições e ali mesmo criar um espaço para dançar.


          Esses cortejos ocupação detonaram nos processos artísticos, nos encontros possibilidades de movimento e memória do corpo a partir do que ficou de cada espaço ocupado. Revisitando o percurso, pelo segundo ano, percebo  que o Centro Cultural é ocupado por artistas do entorno e em sua maioria por artistas de outras regiões que buscam ali um local de não só o fazer mas sim o pensar dança e que um pólo de processos criativos em dança se instala fortemente. 



              Acredito, a princípio, que não há como pensar em processos de criação junto com os artistas vocacionados sem que se atente pelo desejo, aquilo que nos faz mover e então buscar algo que seja interessante e que de alguma forma nos faça sentido, satisfaça. Não há dança sem sensação, sem sentir, sem um estímulo, sem movimento. “O Homem se movimenta afim de satisfazer uma necessidade. Com sua movimentação, tem por objetivo atingir algo que lhe é valioso” (LABAN, RUDOLF, Domínio do Movimento p.19).
           Nesta definição de Laban, sobre o movimento, sempre me instigou a palavra “valioso”. Entendo valioso como algo importante, de valor, algo muito merecido, mas que também contém validade, um tempo de duração, um fim.  O indivíduo então tem como objetivo o desejo, que pelo movimento, seja possível atingir esse “valioso”. Assim, o movimento torna-se um trajeto, uma ponte para conquista do mesmo.


        Esse entremeio, esse lugar de experimento é o local, como o próprio Laban intitula de uma cultura humanitária, na qual se compartilham desejos de se chegar a um “valioso” comum. Inge Baxmann afirma que “A dança desenvolveu-se numa arqueologia das maneiras de vida. Gesto, movimento e espaço são elementos de uma estética de atravessar fronteiras, que busca desenvolver uma nova maneira de perceber, em oposição a mundos prontos de imagens que adulteram nossas formas de ver”. (BAXMANN, INGE, Dance Theater: Rebellion of the body p.60). Percebo que há mais coisas na dança do que somente a interpretação de certa corêutica, termo utilizado por Laban para descrever harmonia espacial, impulsos expressivos e atitude. Há muito mais dança dentro de cada um do que de fato imaginamos, mesmo que eu nunca tenha sequer dançado, o que considero quase impossível.



O que os faz buscar...?

       Não somente pelo espaço CCP que é um local de trânsito e circulação artística e/ou  pelo encontro que o Vocacional promove mas também percebo que alguns artistas vocacionados buscam acompanhar artistas orientadores, o que descentraliza e os faz percorrer outras regiões, estar em trânsito. Tenho alguns artistas vocacionados que me acompanham desde quando iniciei no programa 5 anos atrás. Este ano em especial, tivemos um artista vocacionado cadeirante que se deslocava de Guarulhos todas as sextas a noite para os encontros na Penha, outros que vem da Zona Sul e alguns do extremo Leste.  

Camadas, poesia, memória... Detonadores do processo.


          Imagem, espaço, objeto, contorno, forma. Pensar então nesse princípio básico que é ocupar e em como o meu corpo pode perfurar lugares tem sido um disparador para minha pesquisa em dança e nos processos criativos que tenho desenvolvido nestes anos de prática. O processo de criação é hoje, algo que não se restringe somente a coletivos profissionais de dança e ou de teatro, chegando a uma boa parte de pessoas interessadas em pensar a dança e não apenas se movimentar. Abrir um leque de possibilidades, de ocupar um espaço com seu próprio corpo, é partir para a busca de resgate de memórias, possibilitar agentes criativos a uma matéria cuja essência é geradora de movimento. 
      Como seres vivos temos por necessidade movimentar, gerar espaço, movimento, impulsos internos que consciente ou inconscientemente criam caminhos e percursos no nosso fazer vital. “As reflexões de um tal ser se efetuam e se exprimem dinamicamente. O pensamento é, para ele, um movimento interior, intercorporal; o espírito é, para ele, uma essência movimentada, talvez o próprio movimento”. (LABAN, apud MIRANDA, REGINA Corpo Espaço p.17)  Essa ideia de que o corpo possui uma forma e com essa forma pode ocupar um lugar ou até mesmo se ocupar pode despertar a consciência de ocupação e em consequência o espaço criativo. Um olhar para dentro fazendo reverberar no que está fora, lançar ou impulsionar movimento.

“Madeleines”

             O processo deste ano chega a um local muito particular de movimento e memórias, aquilo que ficou, as camadas que cada artista viveu e percorreu dentro de cada encontro e de cada experiência que nos transpassou. As duas turmas com trabalhos específicos, resultados bem característicos e individuais retratando as suas “Madeleines”, escolhem levar para a cena aquilo que os percorreu durante o processo. Criação individual e compartilhada.
             Possibilitar um espaço para criação coletiva ou individual é antes de tudo poder dar voz e refletir sobre sua própria trajetória, suas experiências e sua cultura de movimento que ao longo da vida colecionou. Partindo dos registros do arquiteto, filósofo e coreógrafo Rudolf von Laban sobre o estudo do movimento, revisitamos uma parcela dos estudos dos quais ele formulou um sistema de observação, experimentação e análise de movimento complexo e poético. Poder chegar mais próximo dos conteúdos fomentando outras formas de gerar dança/movimento é conceder ferramentas para a busca desse valioso, de uma dança pura e criativa.  O que é dança? Onde ela começa? É possível dançar sem uma “experiência” prévia? Onde moram os desejos?


          Pensar essas possibilidades de criação coletiva ou individual da dança é estimular outros caminhos de uma obra sem que para isso seja necessário passar somente pelos mesmos padrões ou estilos formais de escolas e academias de estudo técnico da dança, mas também gerar e fornecer opções, atividades que provoquem criações a partir do movimento interior, próprio, individual, autoral.  De uma forma mais simples, a intenção é promover uma vivência, a experiência de uma linguagem próxima ao universo dos encontros, aulas e as peculiaridades de cada turma, podendo perceber e dar voz a esse coletivo. É compartilhar um trabalho artístico sem que pra isso seja preciso impor padrões e técnicas tradicionais que os façam perder sua essência e sua individualidade.
         Desde 2013 e ainda mais fortalecido este ano, o “Coletivo Dança CCP” aponta para formação de um grupo que pretende se fixar no local e continuar esse percurso durante 2015  com o desejo de ser orientado pelo programa.
Ainda há muito o que se conquistar em 2015 no Centro Cultural da Penha. As bases da dança estão sendo fortalecidas e terminamos o ano com mostras que refletem o prazer e o desejo de cada artista vocacionado em continuar, amplicar os caminhos nesse espaço tão parceiro que nos da base para criação e compartilhamento. A dança se faz criativa e transita a todo momento de um para o outro, ocupando-se de cada um independente de onde ela atravesse.

         Concluo que a dança criativa pode tornar-se um facilitador e um colaborador em matéria de pensar o corpo em suas funções básicas, não somente reproduzir ou gerar movimento, mas antes de tudo, sentir e poder criar algo que seja genuíno. Se pensarmos que a dança também pode ser gesto, esses movimentos corporais utilizados na vida diária, no processo criativo ele ganhará uma função estética, podendo ser estruturados, estilizados e até mesmo coreografados. A dança então se torna uma linguagem simbólica podendo ser associada ao desenvolvimento humano físico e psíquico. Como afirma Jacques Lacan, "é também através da linguagem simbólica que o ego não apenas interage com o mundo, mas é em si mesmo construído física e psiquicamente, em sua imagem corporal" (LACAN apud FERNANDES, CIANE Pina Bausch Wuppertal Dança-Teatro, p.29). Aproximar o movimento do universo cotidiano de cada indivíduo é trazê-lo para o mais simples, chegando mais facilmente ao seu contexto histórico e de sua realidade. A dança, assim, pode chegar mais facilmente a essa cultura humanitária de movimento, não privando qualquer interessado em praticá-la.





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