Arte e Política/Potencia Criativa/Acervo da Memória e do Viver Afro Brasileiro Cayo Egídio de Souza Aranha/Artista Orientadora de Teatro/Lígia Botelho
Ensaio
Arte e Política
Potencia Criativa
Artista Orientadora de Teatro
Lígia Botelho
Escrever é pois
“mostrar-se”, dar-se a ver, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro.
Michel Focault /A escrita
de si
Ensaio - experiência
modificadora de si no jogo da verdade
Michel Focault/História da
sexualidade II
Escrever, fazer aparecer o rosto próprio junto
ao outro, pesquisar, propor, instaurar processos criativos.
As pesquisas
nos regem!
Quais são as
perguntas que revelam possíveis caminhos?Quais os caminhos para nossas
pesquisas?
Compreender,
vivenciar o processo de modo que a realidade me mova e conduza a pesquisa.
Dialogar...
Diálogo não
significa estar em conformidade. As contradições, as ambiguidades também
provocam, mas diferem da negação, que exclui.
Início,
Coletivos,
Continuidade,
Pesquisa,
Processo,
Construção de
subjetividades,
Criação,
Emancipação,
A história do programa se faz na
história-trajetória e na potência criativa de cada artista-orientador e de cada
artista-vocacionado envolvidos nos processos artísticos.
As políticas
públicas parecem estar também em processo de diálogo com o Programa.
O programa
tem história. Tem corpo, alma e já gerou frutos. Mas a cidade conhece esta
trajetória? E o tempo para a construção
de processos artísticos emancipatórios? A política de regionalização promove de
fato o trânsito entre artistas vocacionados? As perguntas de pesquisa inevitavelmente
se mesclam a estas, intrínsicamente ligadas as nossas ações
artístico-político-pedagógicas. Não se trata de indicar questões já conhecidas,
tampouco de se debruçar em lamentações, mas sim revelar arestas, contradições e
instaurar proposições.
A construção
de processos artísticos emancipatórios precisa de tempo,
De
experiências,
De vivências,
Larrosa analisa
a dificuldade de viver experiências na contemporaneidade e enfatiza a
importância da suspensão do tempo para vivenciá-las:
A experiência, a
possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de
interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer
parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar,
olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a
delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender
a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência
e dar-se tempo e espaço.
Mas
acreditar, se entregar artisticamente a esta cidade, carregada de potencia
criativa, me preenche, me seduz. Me intriga a possibilidade de revolucionar e
de transpor limites, por meio da arte. Vontade, caos criativo, pesquisa e garra
se mesclam e me impulsionam a desenvolver pesquisas novamente em solo árido.
Retorno,
Retomo,
Inicio esta
jornada em novo espaço; lindo, solo rico em histórias, túneis irrigados por
suor e sangue de negros escravos.
E a árvore
que “sangrou” quando foi feito o aterro para a construção do metrô Jabaquara?
Seria uma manifestação dos nossos antepassados mediante a cobertura de tantos
utensílios arqueológicos esquecidos naquele solo?
E conheço um
dos túneis, rota de fuga de escravos que pretendiam chegar até o porto de
Santos e de lá seguir, rumo a África. E conheço a casa antiga, chamada de Sítio
da Ressaca. Me encanto com a história daquele lugar: grande, lindo e vazio.
Muitas
pessoas passam por lá: grupos de música, capoeira, teatro...mas como as ondas
do atlântico tão aspiradas pelos nossos antepassados, elas vem e se vão.
Alguns poucos
inscritos, que se revezam até hoje. Há dias em que trabalho com seis pessoas,
uma ou mesmo ninguém. Me debruço em estratégias de divulgação. E inicio o
processo do “encontro”. Aquele que se faz pautado em planejamentos, mas que se
refaz a cada momento, a cada dia, a cada instante, diante do inusitado, dos
corpos ou mesmo do vazio que eu venha a encontrar naquele espaço.
Felizes
encontros! Pessoas abertas para pesquisas, entre turma e grupo orientados.
O vocacional
desenvolveu um rico trabalho de 2006 a 2009 no antigo Centro Cultural
Jabaquara, hoje chamado de Acervo da Memória e do Viver Afro-Brasileiro Caio
Egydio de Souza Aranha. Um grupo nasceu, se consolidou, se emancipou, foi
contemplado pelo VAI e ainda conserva a característica de pesquisa, de
investigação teatral, tão difundidas pelo Programa.
O coletivo
aceitou meu convite e passou a receber minhas orientações. Sempre generosos e abertos
a novas possibilidades, aceitaram minhas provocações.
Primeira
pergunta-provocação: Porque um texto que parece ter raízes no teatro do absurdo
apresenta estética tão realista em certos momentos? Em que medida a fisicalidade e os “estados
corporais” poderiam provocar novas tensões, novas metáforas na encenação?Certo
dia, chego e presencio jogo de aquecimento pautado no “platô”, exercício que
privilegia o equilíbrio do espaço por meio dos corpos, fisicalidades, ações
físicas e verbais. Ao jogo, o coletivo
alia texto de uma das cenas da peça. Ao término, perguntei se
se tratava de uma nova proposta para a cena .
Eles negaram
e disseram que era apenas um jogo de aquecimento. Nova provocação se instala: E
porque não aliar o jogo a cena? O jogo parece revelar uma tensão, vida, relação
tão forte entre vocês e tão entrelaçada ao contexto da cena?
Juntos
investigamos palavras, que parecem reger a cena: medo, tensão, disfarce, jogo,
entre outras. Aliamos ao platô estas
palavras, que provocaram novas relações com o espaço, com objetos, com os “estados” físicos. As novas fisicalidades
revelaram novas relações, novos jogos entre os atores.
Nesta perspectiva,
continuamos a pesquisa investigando a cada encontro, possibilidades de
encenação.
Ao subir no
palco, o coletivo parece se aprisionar.
Como
transportar para o palco o jogo criado no chão com o mesmo frescor?
E segue a
investigação cênica.
O grupo
também pretende criar uma exposição sobre a temática que rege a peça - os
porões da ditadura brasileira. Sugerem imagens, fotos e textos. Os convido a
visitar a Ocupação Zuzu Angel - Moda e Política. Novos olhares sobre a
exposição se manifestam: instalações, espaços, áudios, cenas, podem dialogar
com a exposição de modo mais intenso, mais provocativo.
Proponho
encaminhamentos artístico-pedagógicos que foquem o processo de percepção, jogo
e pesquisa cênica em ambos coletivos: turma e grupo.
O grupo se
mostra aberto e deseja pesquisar linguagens, novas formas, mas ao mesmo tempo
demonstra certo temor em sair da “zona de conforto”, do espetáculo pronto,
“resolvido” que vem apresentando em escolas públicas como contrapartida do VAI
desde ano passado. As provocações por meio de jogos, perguntas, palavras atraem
muito o coletivo, mas quando mesclam as criações às cenas, no palco, parecem se
aprisionar. Retomo a pergunta: como manter instaurado o processo, a relação de
jogo, o frescor, dentro do espetáculo-produto desenvolvido pelo coletivo?
Parece haver algumas “verdades” cristalizadas :
_Mas se eu
jogar assim no palco, em alguns momentos ficarei de costas...
_ E provoco:
Isto é um problema? Por que?
_Porque não
podemos ficar de costas.
Porque?
Boa pergunta.
Porque?
Me vejo
provocada a provocar,
Desconstruir,
Jogar,
Instaurar
processos que dialoguem com um possível produto, de modo que este trabalho leve
em conta não o aprendizado e a repetição em direção ao virtuosismo, mas a
utilização de estratégias que mobilizem
os diversos tipos de relação do participante, tornando-o sensível e ampliando
sua capacidade de jogo. O terreno é movediço e delicioso, porque abala as
estruturas das certezas. Atrai e provoca temor. Como fazer com que os atuantes
desejosos daquilo que lhes parece “novo”, acreditem que podem desenvolver um
processo de encenação?
E vem mais
uma vez a questão do “novo”. Provocar,
estimular a busca incessante pelo “novo”. Mas seria mesmo possível conquistar o
“novo”, no mundo contemporâneo?
Providencial
o reencontro por estes dias com Mirian Celeste, Docente de Pós-Graduação e
palestrante em evento sobre pedagogia em instituição de ensino das artes. Por
que buscamos sempre o novo? Rejeitamos o velho? O que é velho? O que é o
novo? O novo não significa o inusitado,
mas a retomada de algo que se perdeu, que pode gerar novo olhar.
Novamente me
vejo provocada a provocar
Desconstruir,
Jogar,
Porque o jogo
dá prazer e ao mesmo tempo abala estruturas?
Recorro a
Huizinga:
Jogo:
atividade livre conscientemente tomada como “não-séria” e exterior à vida
habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e
total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a
qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e
temporais próprios , segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a
formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a
sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou
outros meios semelhantes.
O jogo
instaura de algum modo a luta por alguma coisa ou a representação de alguma
coisa.
Nesta
perspectiva o produto também pode ser elemento de jogo, na medida em que
cataliza as experiências, as sensações, signos descobertos na intersecção entre jogo, corpo, texto,
sonoridades e demais elementos de composição da cena por meio de processo
criativo. Neste sentido, Márcia Pompeo Nogueira (1994, p.76) desenvolve:
Uma
proposta de superação da polêmica “Processo x produto” hoje não pode ser nem a
Escola Tradicional, que nega o processo, nem a Escola Nova, que nega o produto.
Hoje a parceria com o teatro deve ser vista como desejável(...) Não se deve
procurar a perfeição formal, mas processos ricos que incluam as apresentações
como mais um elemento do jogo.
E nós
artistas-orientadores, em que medida nos colocamos de fato, em estado de jogo?
Tarefa desafiadora e delicada, mas necessária. Jogar com o artista vocacionado,
não apenas literalmente, somente quando temos um ou dois vocacionados
presentes. Improvisar, respirar, perceber quando um procedimento instaura
processo criativo, provoca, desestabiliza e quando nos desestabiliza.
Parece-me
necessário se colocar em estado de jogo principalmente no sentido de permitir a escuta/ a recepção sem omitir
nossa responsabilidade enquanto provocadores, assumindo o trânsito constante de
referências de todos os artistas envolvidos: vocacionados e orientadores. Parafraseando Priscila Gontijo, em seu
ensaio-publicação: Ser mestre ignorante não pode ser oposição, e sim
complementação enredada pelo paradoxo. E completo; trânsito constante de
fluxos, discurso polifônico em direção ao ato criativo.
Procuro
transpor os próprios limites. A falta de demanda, gera novas possibilidades.
Ora criando processos criativos advindos do encontro, ora coletivos, ora
individuais.
Como o
revezamento nas turmas se faz presente, as vezes é quase um ato de heroísmo
conquistar alguém para participar do encontro. Então este alguém se mescla a
algum vocacionado que já veio algumas poucas vezes e construímos o processo do “encontro”.
Novas perguntas
me movem:
Como fazer compreender,
no mundo contemporâneo, influenciado pela cultura de massa, por valores tão
invertidos, que a repetição, sob o olhar da retomada de um jogo, não propõe a
busca pelo virtuosismo, e sim a conquista de novas possibilidades
investigativas? É transcendência, é pulsão!
E os finais
felizes? As mensagens edificantes? Seria reflexo da exposição das felicidades nas
redes sociais?Reflexo dos finais felizes das novelas?Afetar e ser afetado, instaurar
a porosidade dos corpos de todos envolvidos, parece-me o caminho mais sensato
deste tão humano e falível ser humano e mestre ignorante.
Mas é preciso
falar de conquistas também, nossa pesquisa é vivência, percepção da arte e da
vida. E ouço vocacionado:
_Tenho
sentido, depois que iniciei os encontros do vocacional, muitas mudanças em
minha percepção diante da vida. Vejo que ela; a vida, é um manancial de
experiências.
E
complemento, o vocacionado é nosso maior manancial, espaço de pesquisa,
fruiçao/ experimento ...
O encontro
com mais um grupo que acaba de surgir, me impulsiona. A divulgação insistente
que construí começa a gerar conseqüências positivas.
O novo grupo começa a dar seus primeiros
passos no equipamento. Jovens de várias localidades se uniram por um mesmo objetivo:
pesquisar temáticas que foquem as várias formas de marginalidade. Iniciamos as
pesquisas, leituras, jogos corporais e de escrita como propositores do processo.
E continuo
esta trajetória movida pela força artístico-político-pedagógica, própria da natureza
do ofício do artista-orientador.
Fazer teatro,
conduzir a criação de processos artísticos emancipatórios é escolha que implica
em entrega e parafraseando minha parceira de equipe, Monica Rodrigues, em
urgência poética militante.
Existem muitos artistas
dispostos a não fazer arte apenas para um pequeno círculo de iniciados, que
querem criar para o povo. Isso soa democrático, mas, na minha opinião, não é
totalmente democrático. Democrático é transformar o pequeno círculo de
iniciados em um grande círculo de iniciados. Pois a arte necessita de
conhecimentos. A observação da arte só poderá levar a um prazer verdadeiro, se
houver uma arte da observação. Assim como é verdade que em todo homem existe um
artista, que o homem é o mais artista dentre todos os animais, também é certo
que essa inclinação pode ser desenvolvida ou perecer. Subjaz à arte um saber
que é um saber conquistado através do trabalho (Brecht, apud Koudela, 1991, p.
110).
Bibliografia:
BONDIA, Jorge
Larrosa. Notas sobre a experiênica e o saber da experiência. Conferencia
proferida no I seminário internacional de Educação de Campinas, Revista
Brasileira de Educação, 2002. Depto de Expansão Cultural, Projeto Teatro
Vocacional, SMC/PMSP, 2008. Disponível
em:http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/
RBDE19_04_JORGE_LARROSA_BONDIA.pdf. Acesso em: 25 set. 2008, 11:47:20
RBDE19_04_JORGE_LARROSA_BONDIA.pdf. Acesso em: 25 set. 2008, 11:47:20
BOTELHO, Lígia Rodrigues. O teatro
como meio e fim para um processo de instrumentalização do indivíduo na leitura
da realidade. Dissertação de Mestrado IA UNESP 2008.
GONTIJO,
Priscila. Referencias Artistas Orientadores x Referencias Artistas
Vocacionados. Revista Vocare 2013.
HUIZINGA,
Johan. Homo Ludens. 5 ed. São Paulo. Perspectiva. 2004
MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias.
Palestra Diálogos e Práticas 17. Senac Scipiao. 2014
NOGUEIRA, Márcia Pompeo, "Teatro
na Educação: uma proposta de superação da dicotomia entre processo e
produto", in Alve, Jocélia Maria (org.) Ensino da Arte em Foco. Florianópolis ,
SC: Editora da UFSC, 1994.
Links youtube- Processo 2014
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