sábado, 22 de novembro de 2014

Arte e Política/Potencia Criativa/Acervo da Memória e do Viver Afro Brasileiro Cayo Egídio de Souza Aranha/Artista Orientadora de Teatro/Lígia Botelho

Ensaio
Arte e Política
Potencia Criativa

Artista Orientadora de Teatro
Lígia Botelho

Escrever é pois “mostrar-se”, dar-se a ver, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro.
Michel Focault /A escrita de si

Ensaio - experiência modificadora de si no jogo da verdade
Michel Focault/História da sexualidade II


Escrever, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro, pesquisar, propor, instaurar processos criativos.
As pesquisas nos regem!
Quais são as perguntas que revelam possíveis caminhos?Quais os caminhos para nossas pesquisas?
Compreender, vivenciar o processo de modo que a realidade me mova e conduza a pesquisa.
Dialogar...
Diálogo não significa estar em conformidade. As contradições, as ambiguidades também provocam, mas diferem da negação, que exclui.
Início,
Coletivos,
Continuidade,
Pesquisa,
Processo,
Construção de subjetividades,
Criação,
Emancipação,
 A história do programa se faz na história-trajetória e na potência criativa de cada artista-orientador e de cada artista-vocacionado envolvidos nos processos artísticos.
As políticas públicas parecem estar também em processo de diálogo com o Programa.
O programa tem história. Tem corpo, alma e já gerou frutos. Mas a cidade conhece esta trajetória?  E o tempo para a construção de processos artísticos emancipatórios? A política de regionalização promove de fato o trânsito entre artistas vocacionados? As perguntas de pesquisa inevitavelmente se mesclam a estas, intrínsicamente ligadas as nossas ações artístico-político-pedagógicas. Não se trata de indicar questões já conhecidas, tampouco de se debruçar em lamentações, mas sim revelar arestas, contradições e instaurar proposições.


A construção de processos artísticos emancipatórios precisa de tempo,
De experiências,
De vivências,
Larrosa analisa a dificuldade de viver experiências na contemporaneidade e enfatiza a importância da suspensão do tempo para vivenciá-las:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

Mas acreditar, se entregar artisticamente a esta cidade, carregada de potencia criativa, me preenche, me seduz. Me intriga a possibilidade de revolucionar e de transpor limites, por meio da arte. Vontade, caos criativo, pesquisa e garra se mesclam e me impulsionam a desenvolver pesquisas novamente em solo árido.
Retorno,
Retomo,
Inicio esta jornada em novo espaço; lindo, solo rico em histórias, túneis irrigados por suor e sangue de negros escravos.
E a árvore que “sangrou” quando foi feito o aterro para a construção do metrô Jabaquara? Seria uma manifestação dos nossos antepassados mediante a cobertura de tantos utensílios arqueológicos esquecidos naquele solo?
E conheço um dos túneis, rota de fuga de escravos que pretendiam chegar até o porto de Santos e de lá seguir, rumo a África. E conheço a casa antiga, chamada de Sítio da Ressaca. Me encanto com a história daquele lugar: grande, lindo e vazio.
Muitas pessoas passam por lá: grupos de música, capoeira, teatro...mas como as ondas do atlântico tão aspiradas pelos nossos antepassados, elas vem e se vão.
Alguns poucos inscritos, que se revezam até hoje. Há dias em que trabalho com seis pessoas, uma ou mesmo ninguém. Me debruço em estratégias de divulgação. E inicio o processo do “encontro”. Aquele que se faz pautado em planejamentos, mas que se refaz a cada momento, a cada dia, a cada instante, diante do inusitado, dos corpos ou mesmo do vazio que eu venha a encontrar naquele espaço.
Felizes encontros! Pessoas abertas para pesquisas, entre turma e grupo orientados.
O vocacional desenvolveu um rico trabalho de 2006 a 2009 no antigo Centro Cultural Jabaquara, hoje chamado de Acervo da Memória e do Viver Afro-Brasileiro Caio Egydio de Souza Aranha. Um grupo nasceu, se consolidou, se emancipou, foi contemplado pelo VAI e ainda conserva a característica de pesquisa, de investigação teatral, tão difundidas pelo Programa.
O coletivo aceitou meu convite e passou a receber minhas orientações. Sempre generosos e abertos a novas possibilidades, aceitaram minhas provocações.
Primeira pergunta-provocação: Porque um texto que parece ter raízes no teatro do absurdo apresenta estética tão realista em certos momentos?  Em que medida a fisicalidade e os “estados corporais” poderiam provocar novas tensões, novas metáforas na encenação?Certo dia, chego e presencio jogo de aquecimento pautado no “platô”, exercício que privilegia o equilíbrio do espaço por meio dos corpos, fisicalidades, ações físicas e verbais. Ao jogo, o coletivo  alia  texto de uma  das cenas da peça. Ao término, perguntei se se tratava de uma nova proposta para a cena .
Eles negaram e disseram que era apenas um jogo de aquecimento. Nova provocação se instala: E porque não aliar o jogo a cena? O jogo parece revelar uma tensão, vida, relação tão forte entre vocês e tão entrelaçada ao contexto da cena?
Juntos investigamos palavras, que parecem reger a cena: medo, tensão, disfarce, jogo, entre outras. Aliamos ao platô  estas palavras, que provocaram novas relações com o espaço, com objetos, com os  “estados” físicos. As novas fisicalidades revelaram novas relações, novos jogos entre os atores.
Nesta perspectiva, continuamos a pesquisa investigando a cada encontro, possibilidades de encenação.
Ao subir no palco, o coletivo parece se aprisionar.
Como transportar para o palco o jogo criado no chão com o mesmo frescor?
E segue a investigação cênica.
O grupo também pretende criar uma exposição sobre a temática que rege a peça - os porões da ditadura brasileira. Sugerem imagens, fotos e textos. Os convido a visitar a Ocupação Zuzu Angel - Moda e Política. Novos olhares sobre a exposição se manifestam: instalações, espaços, áudios, cenas, podem dialogar com a exposição de modo mais intenso, mais provocativo.
Proponho encaminhamentos artístico-pedagógicos que foquem o processo de percepção, jogo e pesquisa cênica em ambos coletivos: turma e grupo.
O grupo se mostra aberto e deseja pesquisar linguagens, novas formas, mas ao mesmo tempo demonstra certo temor em sair da “zona de conforto”, do espetáculo pronto, “resolvido” que vem apresentando em escolas públicas como contrapartida do VAI desde ano passado. As provocações por meio de jogos, perguntas, palavras atraem muito o coletivo, mas quando mesclam as criações às cenas, no palco, parecem se aprisionar. Retomo a pergunta: como manter instaurado o processo, a relação de jogo, o frescor, dentro do espetáculo-produto desenvolvido pelo coletivo? Parece haver algumas “verdades” cristalizadas :
_Mas se eu jogar assim no palco, em alguns momentos ficarei de costas...
_ E provoco: Isto é um problema? Por que?
_Porque não podemos ficar de costas.
Porque?
Boa pergunta.
Porque?
Me vejo provocada a provocar,
Desconstruir,
Jogar,
Instaurar processos que dialoguem com um possível produto, de modo que este trabalho leve em conta não o aprendizado e a repetição em direção ao virtuosismo, mas a utilização de  estratégias que mobilizem os diversos tipos de relação do participante, tornando-o sensível e ampliando sua capacidade de jogo. O terreno é movediço e delicioso, porque abala as estruturas das certezas. Atrai e provoca temor. Como fazer com que os atuantes desejosos daquilo que lhes parece “novo”, acreditem que podem desenvolver um processo de encenação?
E vem mais uma vez a questão do “novo”.  Provocar, estimular a busca incessante pelo “novo”. Mas seria mesmo possível conquistar o “novo”, no mundo contemporâneo?
Providencial o reencontro por estes dias com Mirian Celeste, Docente de Pós-Graduação e palestrante em evento sobre pedagogia em instituição de ensino das artes. Por que buscamos sempre o novo? Rejeitamos o velho? O que é velho? O que é o novo?  O novo não significa o inusitado, mas a retomada de algo que se perdeu, que pode gerar novo olhar.
Novamente me vejo provocada a provocar
Desconstruir,
Jogar,
Porque o jogo dá prazer e ao mesmo tempo abala estruturas?
Recorro a Huizinga:

Jogo: atividade livre conscientemente tomada como “não-séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios , segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes.

O jogo instaura de algum modo a luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa.
Nesta perspectiva o produto também pode ser elemento de jogo, na medida em que cataliza as experiências, as sensações, signos descobertos  na intersecção entre jogo, corpo, texto, sonoridades e demais elementos de composição da cena por meio de processo criativo. Neste sentido, Márcia Pompeo Nogueira (1994, p.76) desenvolve:

Uma proposta de superação da polêmica “Processo x produto” hoje não pode ser nem a Escola Tradicional, que nega o processo, nem a Escola Nova, que nega o produto. Hoje a parceria com o teatro deve ser vista como desejável(...) Não se deve procurar a perfeição formal, mas processos ricos que incluam as apresentações como mais um elemento do jogo.

E nós artistas-orientadores, em que medida nos colocamos de fato, em estado de jogo? Tarefa desafiadora e delicada, mas necessária. Jogar com o artista vocacionado, não apenas literalmente, somente quando temos um ou dois vocacionados presentes. Improvisar, respirar, perceber quando um procedimento instaura processo criativo, provoca, desestabiliza e quando nos desestabiliza.
Parece-me necessário se colocar em estado de jogo principalmente no sentido de  permitir a escuta/ a recepção sem omitir nossa responsabilidade enquanto provocadores, assumindo o trânsito constante de referências de todos os artistas envolvidos: vocacionados e orientadores.  Parafraseando Priscila Gontijo, em seu ensaio-publicação: Ser mestre ignorante não pode ser oposição, e sim complementação enredada pelo paradoxo. E completo; trânsito constante de fluxos, discurso polifônico em direção ao ato criativo.
Procuro transpor os próprios limites. A falta de demanda, gera novas possibilidades. Ora criando processos criativos advindos do encontro, ora coletivos, ora individuais.
Como o revezamento nas turmas se faz presente, as vezes é quase um ato de heroísmo conquistar alguém para participar do encontro. Então este alguém se mescla a algum vocacionado que já veio algumas poucas vezes e construímos o processo do “encontro”.
Novas perguntas me movem:
Como fazer compreender, no mundo contemporâneo, influenciado pela cultura de massa, por valores tão invertidos, que a repetição, sob o olhar da retomada de um jogo, não propõe a busca pelo virtuosismo, e sim a conquista de novas possibilidades investigativas? É transcendência, é pulsão!
E os finais felizes? As mensagens edificantes? Seria reflexo da exposição das felicidades nas redes sociais?Reflexo dos finais felizes das novelas?Afetar e ser afetado, instaurar a porosidade dos corpos de todos envolvidos, parece-me o caminho mais sensato deste tão humano e falível ser humano e mestre ignorante.
Mas é preciso falar de conquistas também, nossa pesquisa é vivência, percepção da arte e da vida. E ouço vocacionado:
_Tenho sentido, depois que iniciei os encontros do vocacional, muitas mudanças em minha percepção diante da vida. Vejo que ela; a vida, é um manancial de experiências.
E complemento, o vocacionado é nosso maior manancial, espaço de pesquisa, fruiçao/ experimento ...
O encontro com mais um grupo que acaba de surgir, me impulsiona. A divulgação insistente que construí começa a gerar conseqüências positivas.
 O novo grupo começa a dar seus primeiros passos no equipamento. Jovens de várias localidades se uniram por um mesmo objetivo: pesquisar temáticas que foquem as várias formas de marginalidade. Iniciamos as pesquisas, leituras, jogos corporais e de escrita como propositores do processo.
E continuo esta trajetória movida pela força artístico-político-pedagógica, própria da natureza do ofício do artista-orientador.

Fazer teatro, conduzir a criação de processos artísticos emancipatórios é escolha que implica em entrega e parafraseando minha parceira de equipe, Monica Rodrigues, em urgência poética militante.

Existem muitos artistas dispostos a não fazer arte apenas para um pequeno círculo de iniciados, que querem criar para o povo. Isso soa democrático, mas, na minha opinião, não é totalmente democrático. Democrático é transformar o pequeno círculo de iniciados em um grande círculo de iniciados. Pois a arte necessita de conhecimentos. A observação da arte só poderá levar a um prazer verdadeiro, se houver uma arte da observação. Assim como é verdade que em todo homem existe um artista, que o homem é o mais artista dentre todos os animais, também é certo que essa inclinação pode ser desenvolvida ou perecer. Subjaz à arte um saber que é um saber conquistado através do trabalho (Brecht, apud Koudela, 1991, p. 110).

Bibliografia:

BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiênica e o saber da experiência. Conferencia proferida no I seminário internacional de Educação de Campinas, Revista Brasileira de Educação, 2002. Depto de Expansão Cultural, Projeto Teatro Vocacional, SMC/PMSP, 2008.  Disponível em:http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/
RBDE19_04_JORGE_LARROSA_BONDIA.pdf. Acesso em: 25 set. 2008, 11:47:20


BOTELHO, Lígia Rodrigues. O teatro como meio e fim para um processo de instrumentalização do indivíduo na leitura da realidade. Dissertação de Mestrado IA UNESP 2008.

GONTIJO, Priscila. Referencias Artistas Orientadores x Referencias Artistas Vocacionados. Revista Vocare 2013.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. 5 ed. São Paulo. Perspectiva. 2004

MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Palestra Diálogos e Práticas 17. Senac Scipiao. 2014


NOGUEIRA, Márcia Pompeo, "Teatro na Educação: uma proposta de superação da dicotomia entre processo e produto", in Alve, Jocélia Maria  (org.) Ensino da Arte em Foco. Florianópolis, SC: Editora da UFSC, 1994.

Links youtube- Processo 2014

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