sexta-feira, 21 de novembro de 2014

formação. S. f. 1. Ato, efeito ou modo de formar. Ensaio I Roberta da Silva Santos (Roberta Viana)

Vocacional Artes Integradas  
Roberta da Silva Santos (Roberta Viana) 
Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes



Inicio este ensaio com o relato de uma apresentação do Coral Paulistano Mário de Andrade, com participação de Fabiana Cozza, no dia 26 de julho de 2014, no Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes:

            Assim como em outros eventos realizados no espaço, a fila para entrar no teatro é longa. Desta vez, uma mostra inaugurando um novo curso, o de canto coral, estilo musical diferente do que a grande parte da população do entorno está habituada. O alvoroço, a falação, o burburinho é constante. Apesar da organização da fila, quando se abrem as portas, ela não tão respeitada assim. Lá dentro, todas as cadeiras são ocupadas e aos que já estão ao redor, lhes resta ficarem em pé. O volume das vozes e cadeiras sendo arrastadas só aumenta; quase todos falam muito alto e gritam. Apesar da grande quantidade de público, não para de chegar gente, todos que aparecem conseguem entrar. São visíveis pessoas em silêncio se sentindo incomodadas com o barulho. Umas, aparentemente, moradoras do bairro e outras de fora. Por vezes, algumas pedem silêncio, tentando organizar o ambiente, mas é em vão. Mulheres com crianças de colo continuam de pé até que um funcionário do Centro Cultural solicita a gentileza de cessão do lugar a elas, ele é atendido prontamente. Ao contrário, quando pede silêncio para a apresentação da regente o do pianista, as pessoas não se calam. Os responsáveis pelo coral aparentam estar assustados com tal comportamento do público, mesmo assim, falam algo que poucos escutam e enfim, a música começa. Primeiro, é realizada uma sensibilização musical com “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, letra impressa e distribuída para todos juntamente com o programa do trabalho. A proposta é que o público, acompanhando a letra, se integre ao piano e cante, apesar da luz da plateia baixa, dificultando a leitura. Começa a apresentação do coral. O barulho, vozes, xingamentos, assovios continuam em paralelo à música cantada lindamente.
Alguns, talvez por falta de interesse, saem da sala logo no início, porém quando se ouve a palavra “macumba” em uma das músicas, há uma debandada de quase metade do público. Impressiona como a presença de tambores e as palavras do repertório afro-brasileiro os atingem. Muitos abandonam a apresentação influenciados pela opinião de outros. Por outro lado, o silêncio começa a surgir e os que ficam aparentam interesse, o que contribui para a absorção e desenvolvimento do que estava sendo mostrado. A comunicação artística começa finalmente a se estabelecer. Foi uma ótima apresentação.
No mesmo dia, em que estava acontecendo o “Arraial Cultural” [sic], no espaço externo, após o espetáculo, o chão estava repleto dos folhetos com a música de Ary Barroso.


Pensando em outros exemplos, longe de tender qualquer opinião, reflito sobre qual caminho tomar nas mesmas situações:

      Cia Os Crespos com “Engravidei, Pari cavalos e Aprendi a voar sem asas”, em 31.05.
Devido ao mesmo comportamento citado acima o produtor decidiu interromper a peça, exigir silêncio e atenção, de maneira opressora, conquistada por aproximadamente cinco minutos. Ao final, a diretora do grupo se retratou e pediu desculpas pelo ato.

 Já Diogo Granato com Sketchbook, em 08 de agosto, realiza uma formação de público implícita e não intencional. Conseguiu trazer o público para perto de si, fazendo-o embarcar em sua viagem.

  O que fica evidente é a necessidade de um trabalho de formação de público no CFCCT, para que efetivamente seja um espaço de constituição e desenvolvimento de arte e cultura. Além do processo artístico desenvolvido com os vocacionados, também surgiram questionamentos como a ocupação do espaço pelas pessoas do entorno, como envolver a comunidade, a necessidade de uma maciça divulgação das atividades promovidas e, o principal, como promover uma formação de público eficaz.

Há também uma contradição, pensando em quantidade: apesar do grande número de pessoas nas apresentações realizadas no teatro é baixo o de participantes em oficinas e, principalmente, nas linguagens do Vocacional.


E as perguntas não cessam:

- Como promover a formação de público?
- Será que, assim como já sugeriram alguns funcionários, criar e exibir um vídeo institucional (como os que vimos nos cinemas) antes dos espetáculos auxiliaria neste processo, visto que a grande referência do público é a mídia televisiva?
- Será que existe, de fato, o interesse em receber grande público para as atividades, considerando que isso acarreta em trabalho e dedicação por parte dos funcionários e gestores que, trabalham com cargas excessivas, dando conta do trabalho que seria para um número muito maior de funcionários?
- Será que basta o equipamento ser implantado num bairro carente, mesmo sem a inclusão da comunidade, sem o suporte necessário para o entendimento e uma verdadeira formação?
- Como lidar, por meio da formação cultural, com questões de discriminação racial e intolerância religiosa, no entorno onde a maioria da população é negra e igrejas evangélicas se proliferam rapidamente?
- É notável, mesmo que pouco, o interesse de muitos usuários do espaço em se alimentar culturalmente. E o respeito para com estes, dando bom acolhimento e suporte? E aos artistas que dispõem de suas criações para comunicar com este público?
- Como promover a valorização do espaço e das atividades pela comunidade, fazendo-a se apropriar e cuidar dele? Como criar esta parceria?

São muitas as questões que envolvem esferas maiores e menores. Questões que perpassam pelo local em si, pela gestão, pelo social, pela política pública, etc. São problemas pontuais. São problemas de contexto mais globalizado.





O Programa Vocacional contribui de maneira em que os vocacionados envolvidos possuam acesso ao conhecimento e desenvolvimento de práticas e criações artísticas que, permitam a construção de um ser agente e, por que não, político, propiciando como consequência, a transformação de si e de seu meio. Porém a baixa divulgação das atividades no espaço limita bastante este acesso, tornando-o não menos importante.

Logo no início, observei nas orientações a presença de muitos jovens na área externa do Centro Cultural e, mesmo que convidássemos a participar das atividades, eram quase nulas as respostas positivas. Uma vez ou outra, alguém vinha, curioso com o que via através das grandes janelas de vidro, mas tinha sempre muito mais gente do lado de fora que do lado de dentro (!). Isso serviu de dispositivo para buscar entender o porquê do fato de a maioria daqueles e as pessoas da comunidade não entram no espaço e não participam da programação. Então, desenvolvemos a proposta de entrevistas direcionadas às famílias e amigos dos vocacionados. Primeiro, entrevistamos a nós mesmos, ou seja, ao grupo de participantes naquele período. Era uma maneira de buscar quais perguntas seriam necessárias para chegarmos a algum entendimento. As respostas foram muitas: o não conhecimento do equipamento no bairro; a falta de tempo para frequentar o espaço; a ideia de que arte é perda de tempo; a postura opressora dos seguranças, dentre outras. O material foi coletado em áudio, vídeo e escrita. Repassamos informalmente o conteúdo para os funcionários da gestão, eu levei para as reuniões de equipe, mas o mais significativo foi gerado com os vocacionados, ou seja, o reconhecimento dos problemas que envolvem a estrutura de organização do CFCCT e importância de agir em detrimento da gestão, quer dizer, dar sua contribuição em favor da divulgação, por exemplo.


A intenção do processo neste período de abril a novembro de 2014 com os jovens e adultos (e até crianças quiseram se juntar!) foi provocar e possibilitar a abertura de horizontes e experimentação de procedimentos na esfera da arte, para gerar autoconhecimento e pensamento crítico em relação a si, ao outro, a sua comunidade, à sociedade em geral, e, principalmente, reconhecer a importância e potência de sua expressão artística.



Muitos chegaram sem saber ao certo o que vinha a ser a linguagem Artes Integradas (até mesmo os funcionários não entendiam o que vinha a ser), outros tantos buscando um aprendizado convencional de expressões artísticas. Muitos passaram, experimentaram e abandonaram.



 Apenas uma vocacionada chegou ao final do processo e é nítido o seu crescimento artístico. Então, pergunto se os encontros deram alguma contribuição para estes que, por algum motivo deixaram de comparecer. Talvez não tenhamos resposta para tal pergunta, pelo menos não a curto prazo, porém, acompanhar o desenvolvimento e interesse de uma artista vocacionada que seja, já é possível ter a certeza de que vale a pena o investir e promover esta possibilidade. Quero dizer que, quantidade nem sempre está atrelada a qualidade. É uma semente plantada que poderá gerar frutos no futuro e multiplicar o conhecimento.


















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