quinta-feira, 27 de novembro de 2014

NATÁLIA SIUFI - CASA DE CULTURA SANTO AMARO - (agosto a dezembro de 2014)

“O nosso teatro é baseado na realidade do dia-a-dia. E pra vocês entenderem melhor, prestem bem atenção!”

Maria Aparecida tem 68 anos. Cabelereira, faxineira, dona de casa, enfermeira da mãe e do irmão alcóolatra, esposa, mãe, avó, vendedora de danone, pano de prato, cachecol e chocolates de todos os sabores... sonhava ser atriz ou dançarina de circo, mas seu pai logo lhe ensinou que ser mulher é fazer corte e costura pra trabalhar para os quatro irmãos e para o futuro marido. Maria Aparecida faz teatro pelo vocacional, aula de flauta, aula de violão e dança do ventre pela Casa de Cultura Santo Amaro e faz parte do Coral do bairro.

O nosso teatro é baseado na realidade do dia-a-dia. E pra vocês entenderem melhor, prestem bem atenção! (A Cida, ou Dona Cida, foi quem criou essa frase-abertura do nosso experimento, nos exercícios de quatro meses de trabalho, em uma das duas turmas de teatro da qual participa)

Uma turma: 10 mulheres, todas com mais de 65 anos, todas mães, todas donas de casa, todas mulheres, sujeitas de seu tempo histórico, tão brutal com as mulheres. Segunda turma: 12 adultos, mulheres homens adolescentes seres-sujeitos do seu tempo, tão brutal com os trabalhadores e trabalhadoras.

Quatro meses de processo, trinta e dois encontros. 128 horas oficiais de trabalho. E fala mais alto a fome, fala mais alta a falta, fala mais alto o pouco e o muito que tem no pouco, fala mais alto a distância, a dificuldade, a carência, a doença, a necessidade, fala mais alto o carburador dos ônibus acelerados ali ao lado, fala mais alto a grosseria do funcionário exausto e mau pago, fala mais alto o cheiro, a febre, o galo na cabeça de ter tropeçado no trajeto sardinha, a cirurgia remarcada cancelada não comunicada do jogo-xadrez do hospital público, a ausência porque tem que trabalhar, a ausência porque não tinha como pagar, (pagar a passagem mesmo, três reais), fala mais alto o tic-tac apressado que engessa poesia na contra-mão, fala mais alta a tarja preta do remédio controlado que controla sua atenção e crise-surto em meio ao jogo; fala mais alto o músculo adormecido  corpo intocado vergonha de si, tocar; fala mais alto a falta da escola, a falta do olhar, a falta.

Sociedade-contexto-história gritando, fala alto demais tudo que cala, e o exercício é seguir. Olhos fechados, poros abertos, coluna presente, osso-fácia-tecido-fibra-cadaarticulação-, centro no seu centro, pés não tão paralelos, ouvidos filtro pra ouvir o que não é dito, incertezas, incertezas: UMA AULA é UM ESPETÁCULO-MOMENTO-PRESENTE-ACONTECIMENTO-ENCONTRO-CELEBRAÇÃO.


“O nosso teatro é baseado na realidade do dia-a-dia.!”



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