NATÁLIA SIUFI - CASA DE CULTURA SANTO AMARO - (agosto a dezembro de 2014)
“O nosso teatro é
baseado na realidade do dia-a-dia. E pra vocês entenderem melhor, prestem bem
atenção!”
Maria Aparecida tem 68 anos. Cabelereira, faxineira, dona de
casa, enfermeira da mãe e do irmão alcóolatra, esposa, mãe, avó, vendedora de
danone, pano de prato, cachecol e chocolates de todos os sabores... sonhava ser
atriz ou dançarina de circo, mas seu pai logo lhe ensinou que ser mulher é
fazer corte e costura pra trabalhar para os quatro irmãos e para o futuro
marido. Maria Aparecida faz teatro pelo vocacional, aula de flauta, aula de
violão e dança do ventre pela Casa de Cultura Santo Amaro e faz parte do Coral
do bairro.
O nosso teatro é baseado na realidade do dia-a-dia. E pra
vocês entenderem melhor, prestem bem atenção! (A Cida, ou Dona Cida, foi quem
criou essa frase-abertura do nosso experimento, nos exercícios de quatro meses
de trabalho, em uma das duas turmas de teatro da qual participa)
Uma turma: 10 mulheres, todas com mais de 65 anos, todas
mães, todas donas de casa, todas mulheres, sujeitas de seu tempo histórico, tão
brutal com as mulheres. Segunda turma: 12 adultos, mulheres homens adolescentes
seres-sujeitos do seu tempo, tão brutal com os trabalhadores e trabalhadoras.
Quatro meses de processo, trinta e dois encontros. 128 horas
oficiais de trabalho. E fala mais alto a fome, fala mais alta a falta, fala
mais alto o pouco e o muito que tem no pouco, fala mais alto a distância, a
dificuldade, a carência, a doença, a necessidade, fala mais alto o carburador
dos ônibus acelerados ali ao lado, fala mais alto a grosseria do funcionário
exausto e mau pago, fala mais alto o cheiro, a febre, o galo na cabeça de ter
tropeçado no trajeto sardinha, a cirurgia remarcada cancelada não comunicada do
jogo-xadrez do hospital público, a ausência porque tem que trabalhar, a
ausência porque não tinha como pagar, (pagar a passagem mesmo, três reais),
fala mais alto o tic-tac apressado que engessa poesia na contra-mão, fala mais
alta a tarja preta do remédio controlado que controla sua atenção e crise-surto
em meio ao jogo; fala mais alto o músculo adormecido corpo intocado vergonha de si, tocar; fala
mais alto a falta da escola, a falta do olhar, a falta.
Sociedade-contexto-história gritando, fala alto demais tudo
que cala, e o exercício é seguir. Olhos fechados, poros abertos, coluna
presente, osso-fácia-tecido-fibra-cadaarticulação-, centro no seu centro, pés
não tão paralelos, ouvidos filtro pra ouvir o que não é dito, incertezas,
incertezas: UMA AULA é UM ESPETÁCULO-MOMENTO-PRESENTE-ACONTECIMENTO-ENCONTRO-CELEBRAÇÃO.
“O nosso teatro é
baseado na realidade do dia-a-dia.!”
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