quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A prática da reflexão produzida pelas relações por meio das espacialidades do corpo



Tatiana Melitello Washiya

Reflexão como ação 

      A prática de orientação no Ceu Sapopemba vem se processando por tentativas, testes e ações tanto de modo planejado quanto de maneira organizada pelo fluxo dos acontecimentos no momento das relações. Percebo que as orientações, aulas e eventos  compartilhados com os alunos, quanto as conversas com as pessoas que trabalham no equipamento cultural e também todas as ações agenciadas pela equipe, formada por mim, Peticia Carvalho, Raoni Garcia e Alexandre Tripiciano, foram elementos que fomentaram toda uma rede composta por práticas de reflexões e atuações artístico-pedagógicas.
Compreendo a reflexão como prática na medida em que a elaboração do pensamento, a percepção, a preparação de ideias, a avaliação e a busca por soluções são ações realizadas por um corpo nas relações por meio das situações que vão sendo processadas. Esse trânsito entre a prática da reflexão e a prática da ação pôde ser observada, por exemplo, com as conversas e planejamentos realizados nas reuniões artístico-pedagógicas que modificavam os encontros de orientação e vice-versa; as ações, denominadas “Espaço-Dança”, realizadas pela equipe também permeavam as aulas e as conversas com os alunos. 
      Todas essas ações foram feitas pelas ações do pensar e fazer, aliás não existe um corpo sem mente ou uma mente sem corpo, esse pensamento se difere daquele no qual a ação do fazer é seguida de outra do pensar, ou vice-versa, como duas coisas separadas. Creio que seria mais amplo percebermos que fazemos as coisas pensando e pensamos as coisas fazendo, tudo isso por um fluxo simultâneo entre mente e corpo no momento das relações.
      Essa prática da reflexão e das atuações artístico-pedagógicas se processaram pelos alunos, gestor de cultura do equipamento, artistas orientadores e coordenador, em ações tais como: leituras de textos, mostras de vídeos, conversas, apresentação de dança e performance e dinâmicas com o público do entorno do Ceu Sapopemba e de outros equipamentos culturais como Ceu São Mateus e Ceu São Rafael.  
    A questão da espacialidade do corpo trabalhada nas ações artísticas e nas orientações artístico pedagógicas permeou todos os envolvidos seja para aqueles que tiveram poucas experiências neste jogo do juntos, com as práticas de orientações e ações, seja para aqueles que tiveram mais tempo de compartilhamentos. De todo modo, penso que cada vivência possibilitou a cada participante conhecimentos acerca do mundo em que vivem e elaboração de saberes que com certeza modificarão as experiências futuras de cada um. 
    Dessa forma, o processo de construção da prática em pé de igualdade com o trabalho mental foi realizada por todos os envolvidos por meio da rotina de orientações no equipamento cultural, das aulas, das ações artístico-pedagógicas, reuniões e conversas.



A prática com os alunos e as relações

    As orientações no equipamento seguiram de certo modo um padrão e ao mesmo tempo um câmbio de dinâmicas, talvez isso tenha se dado por conta do trânsito de pessoas que fizeram parte dos encontros. Durante o ano, vieram aos encontros crianças, jovens, adultos e pessoas da terceira idade. Com essas pessoas da comunidade, os encontros seguiram um padrão: no começo de cada encontro tínhamos uma rotina que era a da conversa sobre como cada um estava naquele dia e o que esperava e desejava da orientação, além disso essa ação coletiva era seguida de uma prática de alongamento em círculo no qual cada pessoa poderia ter a possibilidade de perceber e reconhecer o próprio corpo e o grupo. 
    Além do padrão promovido pela rotina na prática, outro elemento como o da imprevisibilidade de trabalhar com desejos tão diversos que cada um trazia possibilitava às orientações uma prática de dinâmicas e jogos corporais que eram agenciados no decorrer das orientações, não eram trazidos a priori, as situações organizadas pelo grupo de alguma forma indicavam os caminhos de cada encontro.
   Percebo que todos esses agenciamentos realizados nas situações compartilhadas com todos os alunos por diferentes formas contribuíram para a reflexão acerca dos espaços percebidos por cada um, e também para a expansão da consciência do próprio corpo e dos direcionamentos que cada um pretende fazer em suas vidas. 
   Acredito que, talvez mais que desenvolver uma linguagem artística específica, os encontros de orientação no Ceu Sapopemba contribuíram na ampliação da percepção de cada um dos alunos no ambiente em que vivem. E penso que isso possa ser um grande disparo para criações artísticas elaboradas por cada um. Aliás, penso que o campo da dança é uma produção de conhecimentos que envolve cruzamento de saberes diferentes, talvez isso seja uma característica do fazer em dança.
Utilizo no presente texto a palavra aluno e não vocacionado, a escolha do termo aluno não se deve ao entendimento de perceber cada encontro como aula embora essa prática também tenha permeado as orientações, a palavra vocacionado me soa como uma espécie de sinalização de um tipo de ‘formação’ ou de aprendizado artístico-pedagógico, isso também, mas para além disso, penso que diante a diversidade de artistas orientadores, coordenadores e pessoas que procuram os encontros e os distintos equipamentos e comunidades agenciam elementos próprios e diferenciados de práticas artísticas e educacionais. E talvez isso dificulte uma única abordagem de saber que produziria um modo único de conhecimento na pessoa que é ‘o vocacionado’. 
   Penso que o campo de natureza artística desenvolvido por cada pessoa vai além dos saberes produzidos com e no Programa Vocacional, que isso sim, e que além disso, também outras experiências na vida de cada um dos alunos promovam também saberes e conhecimentos. Dessa forma, utilizo a palavra aluno e durante esse ano tive surpresas, emoções, aprendizados, desafios e afetos com cada uma dessas pessoas que conheci que fazem parte do bairro de Sapopemba. Nesse ambiente e com essa comunidade, foram incorporadas informações por meio da prática da reflexão e das ações, na continuidade de um fazendo pensando e pensando fazendo...



As ações que contribuíram à construção de “Espaços-Danças” 

    A ação “Espaço-Dança”, foi desenvolvida pelos artistas que compõem a equipe, alunos, passantes e funcionários dos Ceus durante todo ano. A prática artística trabalhada principalmente pela equipe tinha como base a improvisação em dança. 
    Essas ações contribuíram na divulgação, na união harmônica da equipe, nos encontro com alunos, gestores e pessoas da comunidade. Além de fomentar vivências artísticas, essas ações possibilitaram o reconhecimento tanto dos equipamentos quanto das regiões visitadas tais como Sapopemba, São Mateus e São Rafael. Além disso, as ações promoveram integrações nos encaminhamentos artísticos dos encontros de orientação de cada artista orientador dessas regiões. A rede do ‘juntos’ pôde ser realmente percebida, quando a cada encontro de orientação seguida da ação, apareciam novas pessoas interessadas em conhecer e se aproximar da linguagem de dança nos equipamentos. As ações compreendiam  mostra do vídeo (contextualizado pela equipe por meio da questão espacial trabalhada em dança), a mostra da produção feita pelos alunos em cada equipamento cultural, além de vivências e conversas com os participantes de cada ação. Além disso, outros eventos juntos possibilitaram um grande diálogo entre a equipe, que se ‘afinava’ nas reuniões artístico pedagógicas, encontros de orientação, ida à exposições, conversas com o educativo da Bienal de Artes, passeios em parques e outros acontecimentos compartilhados entre os artistas orientadores, coordenadora e alunos, propiciando os muitos espaços e relações e permitindo os “Espaços-Danças” de acontecerem e se entrecruzarem. 


São Paulo, 27 de novembro de 2014.
Tatiana Melitello

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