LÁ NO ALTO
ALEGRE, FUNDÃO DA ZONA LESTE, NA DIVISA, NA TERCEIRA DIVISÃO.
2014 foi meu
quinto ano como Artista Orientador no Programa Vocacional. Nos três últimos
anos, 2012, 13 e 14 estive no mesmo equipamento: CEU Alto Alegre, região do
extremo leste que faz divisa com o ABC e é próxima à Suzano.
Os bairros
que circundam o CEU Alto Alegre São bairros dormitórios, oriundos de ocupações onde existem apenas
subempregos. Quem tem que pagar sua conta de água, luz, ou qualquer
outra tem que subir em um ônibus, ou uma lotação, pagar a passagem e se
deslocar até a avenida Ragueb Choffi, pois não existe nenhum lugar neste
bairros onde possa efetuar o pagamento. Estudar em uma faculdade é no mínimo
duas conduções, fora o perigo de retornar para o bairro tarde da noite.
Nestes três
anos vejo uma situação que se repete: vocacionados com mais de dezesseis anos
iniciam o ano, no segundo semestre quase todos saem para se subempregarem em
telemarketings ou como atendentes em lanchonetes fast-foods de shoppings da
Zona Leste. No início ano seguinte retornam, pois são utilizados
temporariamente nestes empregos no período de festas de final de ano e
dispensados no início do ano seguinte, então repetem o roteiro, iniciam e saem
no próximo segundo semestre. Permanecem os vocacionados mais jovens (e são cada
vez mais jovens), que não interessam (porque, por força de lei, não podem
trabalhar) para este mercado. Alguns não voltam, não foram para os fast-foods,
ficaram no bairro como assentadores de piso, serventes de pedreiro, ou trabalhando
no mercadinho. Estes apareçem de vez em quando com saudades nos olhos e o corpo
estourando de vontade de entrar na roda, e nossa roda está sempre aberta para
eles.
Este ano,
fomos assistir a uma peça feita por um grupo de jovens ligados ao Colégio
Singular, de Santo André, peça feita por jovens, apresentada para jovens e
falando sobre jovens e suas escolhas. No bate-papo o elenco, composto por
jovens que se preparam para prestar o vestibular, falou sobre a dificuldade
deste momento, sobre o que escolher, de como fazer a disputa entre suas escolhas e as
escolhas dos pais. Tairone, vocacionado
do ano passado, de 18 anos, do CEU Alto Alegre, que havia conseguido que seu
tio e patrão o liberasse do trabalho de assentador de azulejos naquele dia, e
estava lá, brilhando de felicidade, comentou quando falaram sobre escolha: “ Só
tem uma diferença. Vocês tem escolha, eu não tenho”..
É neste
lugar que chego, com uma proposta de pesquisa formal, estética. Eu tenho
escolha. E escolho. Escolho abrir mão desta pesquisa. Minha pesquisa, desde
2012 passa a ser como me abro como artista para ouvir de fato o que este lugar
fala. Minha pesquisa se volta para rever todos meus procedimentos. Rever
procedimentos para poder conversar artisticamente com estes garotos que vêem
televisão, que ouvem funk, sertanejo, rap e pagode, que lêem livros de
auto-ajuda, que ficam no facebook o dia inteiro, que vivem em um lugar quase
esquecido pela cidade, que chegam com poeira nos pés quando não chove, e lama
nos sapatos quando chove, que são dispersos, que falam português errado, e são
criativos, que se entregam, que estão dispostos a se reinventarem, que aceitam
fazer este tal de teatro que não conhecem, que topam confiar neste A. O. (O que
é isso? Não é professor?) que não conecem e é um estrangeiro ali, que adoram estar ali, que criam vínculos de amizade
que os fazem voltar de seus subempregos no ano seguinte, que modificam meu
fazer artístico em meu grupo, que ampliam meu olhar, que resignificam meus
conceitos.
Antonio
Cássio Castelan
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