sexta-feira, 28 de novembro de 2014

LÁ NO ALTO ALEGRE, FUNDÃO DA ZONA LESTE, NA DIVISA, NA TERCEIRA DIVISÃO.


2014 foi meu quinto ano como Artista Orientador no Programa Vocacional. Nos três últimos anos, 2012, 13 e 14 estive no mesmo equipamento: CEU Alto Alegre, região do extremo leste que faz divisa com o ABC e é próxima à Suzano.
Os bairros que circundam o CEU Alto Alegre São bairros dormitórios,  oriundos de ocupações onde existem apenas subempregos.  Quem tem  que pagar sua conta de água, luz, ou qualquer outra tem que subir em um ônibus, ou uma lotação, pagar a passagem e se deslocar até a avenida Ragueb Choffi, pois não existe nenhum lugar neste bairros onde possa efetuar o pagamento. Estudar em uma faculdade é no mínimo duas conduções, fora o perigo de retornar para o bairro tarde da noite.
Nestes três anos vejo uma situação que se repete: vocacionados com mais de dezesseis anos iniciam o ano, no segundo semestre quase todos saem para se subempregarem em telemarketings ou como atendentes em lanchonetes fast-foods de shoppings da Zona Leste. No início ano seguinte retornam, pois são utilizados temporariamente nestes empregos no período de festas de final de ano e dispensados no início do ano seguinte, então repetem o roteiro, iniciam e saem no próximo segundo semestre. Permanecem os vocacionados mais jovens (e são cada vez mais jovens), que não interessam (porque, por força de lei, não podem trabalhar) para este mercado. Alguns não voltam, não foram para os fast-foods, ficaram no bairro como assentadores de piso, serventes de pedreiro, ou trabalhando no mercadinho. Estes apareçem de vez em quando com saudades nos olhos e o corpo estourando de vontade de entrar na roda, e nossa roda está sempre aberta para eles.
Este ano, fomos assistir a uma peça feita por um grupo de jovens ligados ao Colégio Singular, de Santo André, peça feita por jovens, apresentada para jovens e falando sobre jovens e suas escolhas. No bate-papo o elenco, composto por jovens que se preparam para prestar o vestibular, falou sobre a dificuldade deste momento, sobre o que escolher, de  como fazer a disputa entre suas escolhas e as escolhas dos pais. Tairone,  vocacionado do ano passado, de 18 anos, do CEU Alto Alegre, que havia conseguido que seu tio e patrão o liberasse do trabalho de assentador de azulejos naquele dia, e estava lá, brilhando de felicidade, comentou quando falaram sobre escolha: “ Só tem uma diferença. Vocês tem escolha, eu não tenho”..
É neste lugar que chego, com uma proposta de pesquisa formal, estética. Eu tenho escolha. E escolho. Escolho abrir mão desta pesquisa. Minha pesquisa, desde 2012 passa a ser como me abro como artista para ouvir de fato o que este lugar fala. Minha pesquisa se volta para rever todos meus procedimentos. Rever procedimentos para poder conversar artisticamente com estes garotos que vêem televisão, que ouvem funk, sertanejo, rap e pagode, que lêem livros de auto-ajuda, que ficam no facebook o dia inteiro, que vivem em um lugar quase esquecido pela cidade, que chegam com poeira nos pés quando não chove, e lama nos sapatos quando chove, que são dispersos, que falam português errado, e são criativos, que se entregam, que estão dispostos a se reinventarem, que aceitam fazer este tal de teatro que não conhecem, que topam confiar neste A. O. (O que é isso? Não é professor?) que não conecem e é um estrangeiro ali,  que adoram estar ali, que criam vínculos de amizade que os fazem voltar de seus subempregos no ano seguinte, que modificam meu fazer artístico em meu grupo, que ampliam meu olhar, que resignificam meus conceitos.


Antonio Cássio Castelan

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