Mapas psicogeográficos de um processo artístico-pedagógico
Ensaio Vocacional TEATRO
Artista Orientadora: Beatriz Cruz
Equipamento: Casa de Cultura do Itaim Paulista
Equipe: LESTE 4
Apresentam-se
aqui mapas psicogeográficos da turma de quarta-feira da Casa de Cultura do
Itaim Paulista. Possíveis cartografias para um processo artístico-pedagógico.
O
desejo de criá-los surge da necessidade de utilizar outros suportes que não
apenas o texto para fazer uma reflexão do processo vivido em 2014 no Vocacional.
Da mesma forma, surge da vontade em articular uma pergunta que não me deixou e
minha prática artística dentro e fora do Programa.
A
pergunta: “Como é possível instaurar desde o começo um processo criativo com
uma turma de vocacionados que nunca fez teatro antes?”, apareceu numa das
primeiras reuniões de equipe, após
o trabalho que fizemos em grupos e por linguagem na Galeria Olido. Não
acredito que ela possa ser simplesmente respondida, mas acho que ela é em si o
processo. Proponho então um mergulho em direção à pergunta e ao que nela está
contido, mergulho também em mim como artista orientadora. Qual o meu movimento
criativo no encontro com os vocacionados? Em que medida o que me move ou o que
me afeta artisticamente pode ser material e estímulo para a condução do
processo? Faço esse mergulho a partir das práticas e reflexões que estão me
afetando nesse momento como artista.
Nesse
sentido, a primeira relação que estabeleço entre a pergunta e minha prática é
que, em certa medida, iniciar um processo artístico-pedagógico é como lançar-se
numa deriva. Atualmente estou, junto com o Coletivo Teatro Dodecafônico,
investigando as fronteiras entre o teatro e a intervenção urbana, a partir da
prática da deriva. Parto da noção de deriva formulada pelos situacionistas e,
há muito tempo, praticada por outros tantos estudiosos e artistas.
“O
conceito de deriva está indissoluvelmente ligado ao reconhecimento de efeitos
de natureza psicogeográfica e à afirmação de um comportamento
lúdico-construtivo (…). Uma ou várias pessoas que se dediquem à deriva estão
rejeitando, por um período mais ou menos longo, os motivos de se deslocar e
agir que costumam ter com os amigos, no trabalho e no lazer, para entregar-se
às solicitações do terreno e das pessoas que nele venham a encontrar”. (Guy
Debord – Teoria da Deriva)
Na
prática da deriva, o andar não utilitário, sem um objetivo final, é o condutor.
Na deriva, chega-se a algum lugar, mas ele não está definido a priori. O que
importa é o campo que se cria no momento em que se passa por cada lugar ou
pessoa presente no espaço. Acredito que num processo artístico pedagógico
ocorra o mesmo. A prática se inicia sem o objetivo de um resultado definido, o
processo irá apresenta-lo. O processo de criação é o que importa, não é um produto
no final (ainda que ele provavelmente venha a acontecer). É o que já está
acontecendo, é o jogo, são os procedimentos e a experiência de cada
encontro. Em ambos, a ideia de
perder-se está presente. Na minha apropriação da deriva pela cidade, crio
mecanismos para me perder em locais conhecidos, esse perder-se gera novos
caminhos, novos encontros, novas relações. Para instaurar um processo criativo,
sinto que o movimento é o mesmo. E em ambos a dificuldade de perder-se é
tremenda. Como se uma pressão interna ou externa pedisse a todo momento uma
definição de objetivos ou te fizesse duvidar do que já está acontecendo no
caminho.
“Em
sua unidade, a deriva contém ao mesmo tempo esse deixar-se levar e sua
contradição necessária: o domínio das variações psicogeográficas exercido por
meio do conhecimento e do cálculo de suas possibilidades” (Guy Debord – Teoria
da Deriva)
A
psicogeografia é o estudo de como os efeitos do meio geográfico, agem sobre o
comportamento afetivo dos indivíduos.
“Uma geografia afetiva, subjetiva,
que buscava cartografar as diferentes ambiências psíquicas provocadas
basicamente pelas deambulações urbanas que eram as derivas situacionistas”.
(Paola Berestein Jacques, Apologia da Deriva p. 23)
Um
mapa psicogeográfico organiza essas ambiência psíquicas. As unidades ou marcos
estão colocadas de forma aleatória pois não correspondem à sua colocação no
mapa real da cidade. Um desenho que se forma através dos pontos, revelando uma
organização afetiva.
Os
mapas psicogeográficos do processo artístico-pedagógico mostram desenhos
possíveis de como jogos, procedimentos e interferências afetaram a turma,
transformaram o processo artístico pedagógico e definiram caminhos. São tentativas de organizar a experiência
vivida, a partir de um mergulho na pergunta inicial. Os mapas são compostos por
vestígios coletados e registros produzidos durante o processo, materiais que
surgiram nos encontros a partir de exercícios que de certa maneira representam
unidades ou marcos.
O
processo de construção dos mapas é tão importante quanto os mapas em si. É
nesse momento que vestígios e registros ganham caráter de marcos e aparecem
linhas que indicam movimento. A ordenação e desenho que se forma estão
conectadas ao olhar de quem monta o mapa, revelando possíveis organizações
afetivas.
#Mapa
1 – Linear
O
primeiro mapa foi construído de forma cronológica. Retangular. Ocupou toda a
sala. Vestígios e registros dispostos por ordem de produção e coleta. Abertos.
Lado a lado. Nesse caso o movimento dado pelas linhas revela um percurso e como
alguns procedimentos, materiais ou obras de referência acabaram tornando-se
marcos dessa trajetória.
Marco
1 – Imagens
A
primeira parte do processo com a turma aconteceu sobretudo na exploração do
corpo a partir de imagens coletadas por eles, que respondiam às seguintes
perguntas: O que te mobiliza? O que te paraliza? O que te representa? A partir
das imagens, que eram espalhadas pela sala durante os encontros, investigamos o
corpo: movimentos, gestos e ações. A partir dessas imagens iniciamos o diálogo
com o espaço da Casa de Cultura pesquisando o corpo em diferentes locais.
Marco
2 – Interferências: ação cultural
Nos
meses de julho e agosto fomos assistir duas peças (“A Cidade dos Rios
Invisíveis”, do Grupo Estopo Balaio e “Cais ou da indiferença das embarcações”,
com a Velha Companhia) e duas exposições (“Obsessão Infinita”, de Yayoi Kusama
e “O lado direito do avesso”, de Marco Maria Zanin) que dialogavam com o que
estávamos investigando e com as características e interesses da turma. Ao mesmo
tempo, nos encontros, tivemos contato com algumas obras literárias e
performáticas escolhidas para deslocar e provocar o grupo para que interesses e
desejos viessem a tona (“Cuide de Você”, de Sofie Calle; “Semiótica da
Cozinha”, de Martha Rosler; o conto “Cubículo”, de Verônica Stigger e os contos
“A Casa Tomada” e “Manual de Instruções”, de Julio Cortazar). Cada vocacionado
trouxe um objeto que fosse ou pudesse vir a ser uma “obsessão infinita” para
si. Em seguida, escreveram cartas de despedida ao objeto, como a recebida por
Sofie Calle de um ex namorado; jogaram com diferentes maneiras de manusear o
objeto até deslocar o seu significado, como Martha Rosler faz no seu vídeo
performance. Celulares e relógios foram os que mais apareceram. “Será que
conseguiríamos ficar sem os nossos celulares? E os relógios? Vocês já pensaram
que as coisas que possuímos vão acabar possuindo a gente?”. Essas foram algumas
questões que surgiram ao longo do trabalho e então uma provocação: “Como seria
uma cidade de relógios invisíveis? Uma cidade onde todos os relógios sumissem?”
A pergunta gerou uma série de desdobramentos e a turma iniciou uma investigação
sobre o tempo.
Marco
3 – Histórias sobre uma cidade sem relógios
O
terceiro marco desse mapa são duas histórias: a primeira escrita coletivamente
num dos encontros e a segunda por uma das vocacionadas. Ambas foram norte para
criação de uma pequena fábula sobre o tempo, as formas de contar o tempo num
mundo sem relógios e a relação com uma suposta “máfia”, disposta a descobrir
com quem está o último relógio. As histórias pautaram a finalização do processo
de 2014 e seguem instigando os vocacionados para o próximo ano, dai a seta no
mapa apontar para fora, para o futuro.
#Mapa
2 – Circular
O segundo mapa foi criado a partir do aglutinamento dos vestígios e
registros, que foram empilhados e ordenados de maneira circular. Essa
condensação fez surgir palavras norteadoras, numa busca por identificar como os
elementos do teatro foram trabalhados durante o processo - corpo, espaço, texto
e tempo -, bem como, alguns procedimentos utilizados - IMG (Imagens, movimento
e gesto), ações, interferências e relação com objetos. Nesse caso, as linhas
traçam intersecções e fricções.
#Mapa...
Se eu vivesse numa cidade
sem relógios pediria para cada vocacionado construir o seu mapa.
Mesmos pontos, novos afetos, novos desenhos.
Novos caminhos.
Vestígios e registros
Ligue
os pontos:
Programa de exposição
Escritas automáticas sobre você, a cidade e um relógio.
Histórias sobre a cidade onde todos os relógios desapareceram.
Texto coletivo sobre a "máfia do tempo", que quer achar o último relógio.
Três textos literários
Imagens que respondem às seguintes perguntas: O que te mobiliza? O que
te paraliza? O que te representa?
Corpos feitos de olhos fechados
Corpo-estrutura: estudoDiálogos curtos para investigar o texto.
Palavras norteadoras
Mapas de um percurso na Casa de Cultura.
Mapa de um percurso no entorno da Casa de Cultura, onde as cenas foram instaladas.Formas de marcar o tempo.
Roteiro
Carta ao seu objeto de obsessão
Folhas coletadas no segundo encontro no jardim da Casa de Cultura, durante exploração no espaço.
Linhas de força e fluxo
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