sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Mapas psicogeográficos de um processo artístico-pedagógico


Ensaio Vocacional TEATRO
Artista Orientadora: Beatriz Cruz
Equipamento: Casa de Cultura do Itaim Paulista
Equipe: LESTE 4



Apresentam-se aqui mapas psicogeográficos da turma de quarta-feira da Casa de Cultura do Itaim Paulista. Possíveis cartografias para um processo artístico-pedagógico.

O desejo de criá-los surge da necessidade de utilizar outros suportes que não apenas o texto para fazer uma reflexão do processo vivido em 2014 no Vocacional. Da mesma forma, surge da vontade em articular uma pergunta que não me deixou e minha prática artística dentro e fora do Programa.

A pergunta: “Como é possível instaurar desde o começo um processo criativo com uma turma de vocacionados que nunca fez teatro antes?”, apareceu numa das primeiras reuniões de equipe, após  o trabalho que fizemos em grupos e por linguagem na Galeria Olido. Não acredito que ela possa ser simplesmente respondida, mas acho que ela é em si o processo. Proponho então um mergulho em direção à pergunta e ao que nela está contido, mergulho também em mim como artista orientadora. Qual o meu movimento criativo no encontro com os vocacionados? Em que medida o que me move ou o que me afeta artisticamente pode ser material e estímulo para a condução do processo? Faço esse mergulho a partir das práticas e reflexões que estão me afetando nesse momento como artista.

Nesse sentido, a primeira relação que estabeleço entre a pergunta e minha prática é que, em certa medida, iniciar um processo artístico-pedagógico é como lançar-se numa deriva. Atualmente estou, junto com o Coletivo Teatro Dodecafônico, investigando as fronteiras entre o teatro e a intervenção urbana, a partir da prática da deriva. Parto da noção de deriva formulada pelos situacionistas e, há muito tempo, praticada por outros tantos estudiosos e artistas.

“O conceito de deriva está indissoluvelmente ligado ao reconhecimento de efeitos de natureza psicogeográfica e à afirmação de um comportamento lúdico-construtivo (…). Uma ou várias pessoas que se dediquem à deriva estão rejeitando, por um período mais ou menos longo, os motivos de se deslocar e agir que costumam ter com os amigos, no trabalho e no lazer, para entregar-se às solicitações do terreno e das pessoas que nele venham a encontrar”. (Guy Debord – Teoria da Deriva)

Na prática da deriva, o andar não utilitário, sem um objetivo final, é o condutor. Na deriva, chega-se a algum lugar, mas ele não está definido a priori. O que importa é o campo que se cria no momento em que se passa por cada lugar ou pessoa presente no espaço. Acredito que num processo artístico pedagógico ocorra o mesmo. A prática se inicia sem o objetivo de um resultado definido, o processo irá apresenta-lo. O processo de criação é o que importa, não é um produto no final (ainda que ele provavelmente venha a acontecer). É o que já está acontecendo, é o jogo, são os procedimentos e a experiência de cada encontro.  Em ambos, a ideia de perder-se está presente. Na minha apropriação da deriva pela cidade, crio mecanismos para me perder em locais conhecidos, esse perder-se gera novos caminhos, novos encontros, novas relações. Para instaurar um processo criativo, sinto que o movimento é o mesmo. E em ambos a dificuldade de perder-se é tremenda. Como se uma pressão interna ou externa pedisse a todo momento uma definição de objetivos ou te fizesse duvidar do que já está acontecendo no caminho.

“Em sua unidade, a deriva contém ao mesmo tempo esse deixar-se levar e sua contradição necessária: o domínio das variações psicogeográficas exercido por meio do conhecimento e do cálculo de suas possibilidades” (Guy Debord – Teoria da Deriva)

A psicogeografia é o estudo de como os efeitos do meio geográfico, agem sobre o comportamento afetivo dos indivíduos.

“Uma geografia afetiva, subjetiva, que buscava cartografar as diferentes ambiências psíquicas provocadas basicamente pelas deambulações urbanas que eram as derivas situacionistas”. (Paola Berestein Jacques, Apologia da Deriva p. 23)

Um mapa psicogeográfico organiza essas ambiência psíquicas. As unidades ou marcos estão colocadas de forma aleatória pois não correspondem à sua colocação no mapa real da cidade. Um desenho que se forma através dos pontos, revelando uma organização afetiva.

Os mapas psicogeográficos do processo artístico-pedagógico mostram desenhos possíveis de como jogos, procedimentos e interferências afetaram a turma, transformaram o processo artístico pedagógico e definiram caminhos.  São tentativas de organizar a experiência vivida, a partir de um mergulho na pergunta inicial. Os mapas são compostos por vestígios coletados e registros produzidos durante o processo, materiais que surgiram nos encontros a partir de exercícios que de certa maneira representam unidades ou marcos.

O processo de construção dos mapas é tão importante quanto os mapas em si. É nesse momento que vestígios e registros ganham caráter de marcos e aparecem linhas que indicam movimento. A ordenação e desenho que se forma estão conectadas ao olhar de quem monta o mapa, revelando possíveis organizações afetivas. 

#Mapa 1 – Linear


O primeiro mapa foi construído de forma cronológica. Retangular. Ocupou toda a sala. Vestígios e registros dispostos por ordem de produção e coleta. Abertos. Lado a lado. Nesse caso o movimento dado pelas linhas revela um percurso e como alguns procedimentos, materiais ou obras de referência acabaram tornando-se marcos dessa trajetória. 

Marco 1 – Imagens
A primeira parte do processo com a turma aconteceu sobretudo na exploração do corpo a partir de imagens coletadas por eles, que respondiam às seguintes perguntas: O que te mobiliza? O que te paraliza? O que te representa? A partir das imagens, que eram espalhadas pela sala durante os encontros, investigamos o corpo: movimentos, gestos e ações. A partir dessas imagens iniciamos o diálogo com o espaço da Casa de Cultura pesquisando o corpo em diferentes locais.

Marco 2 – Interferências: ação cultural
Nos meses de julho e agosto fomos assistir duas peças (“A Cidade dos Rios Invisíveis”, do Grupo Estopo Balaio e “Cais ou da indiferença das embarcações”, com a Velha Companhia) e duas exposições (“Obsessão Infinita”, de Yayoi Kusama e “O lado direito do avesso”, de Marco Maria Zanin) que dialogavam com o que estávamos investigando e com as características e interesses da turma. Ao mesmo tempo, nos encontros, tivemos contato com algumas obras literárias e performáticas escolhidas para deslocar e provocar o grupo para que interesses e desejos viessem a tona (“Cuide de Você”, de Sofie Calle; “Semiótica da Cozinha”, de Martha Rosler; o conto “Cubículo”, de Verônica Stigger e os contos “A Casa Tomada” e “Manual de Instruções”, de Julio Cortazar). Cada vocacionado trouxe um objeto que fosse ou pudesse vir a ser uma “obsessão infinita” para si. Em seguida, escreveram cartas de despedida ao objeto, como a recebida por Sofie Calle de um ex namorado; jogaram com diferentes maneiras de manusear o objeto até deslocar o seu significado, como Martha Rosler faz no seu vídeo performance. Celulares e relógios foram os que mais apareceram. “Será que conseguiríamos ficar sem os nossos celulares? E os relógios? Vocês já pensaram que as coisas que possuímos vão acabar possuindo a gente?”. Essas foram algumas questões que surgiram ao longo do trabalho e então uma provocação: “Como seria uma cidade de relógios invisíveis? Uma cidade onde todos os relógios sumissem?” A pergunta gerou uma série de desdobramentos e a turma iniciou uma investigação sobre o tempo.

Marco 3 – Histórias sobre uma cidade sem relógios
O terceiro marco desse mapa são duas histórias: a primeira escrita coletivamente num dos encontros e a segunda por uma das vocacionadas. Ambas foram norte para criação de uma pequena fábula sobre o tempo, as formas de contar o tempo num mundo sem relógios e a relação com uma suposta “máfia”, disposta a descobrir com quem está o último relógio. As histórias pautaram a finalização do processo de 2014 e seguem instigando os vocacionados para o próximo ano, dai a seta no mapa apontar para fora, para o futuro.

#Mapa 2 – Circular

O segundo mapa foi criado a partir do aglutinamento dos vestígios e registros, que foram empilhados e ordenados de maneira circular. Essa condensação fez surgir palavras norteadoras, numa busca por identificar como os elementos do teatro foram trabalhados durante o processo - corpo, espaço, texto e tempo -, bem como, alguns procedimentos utilizados - IMG (Imagens, movimento e gesto), ações, interferências e relação com objetos. Nesse caso, as linhas traçam intersecções e fricções. 

#Mapa...

Se eu vivesse numa cidade sem relógios pediria para cada vocacionado construir o seu mapa.
Mesmos pontos, novos afetos, novos desenhos.
Novos caminhos. 

Vestígios e registros

Ligue os pontos:

 Programa de peça
 Programa de exposição
 Escritas automáticas sobre você, a cidade e um relógio.
 Histórias sobre a cidade onde todos os relógios desapareceram.
 Texto coletivo sobre a "máfia do tempo", que quer achar o último relógio.







Três textos literários




Imagens que respondem às seguintes perguntas: O que te mobiliza? O que te paraliza? O que te representa?
 





 Corpos feitos de olhos fechados
 Corpo-estrutura: estudo


 Diálogos curtos para investigar o texto.
 Palavras norteadoras

Mapas de um percurso na Casa de Cultura.
 Mapa de um percurso no entorno da Casa de Cultura, onde as cenas foram instaladas.
 Formas de marcar o tempo.













Roteiro



 Carta ao seu objeto de obsessão
 Folhas coletadas no segundo encontro no jardim da Casa de Cultura, durante exploração no espaço.
Linhas de força e fluxo


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