domingo, 30 de novembro de 2014

Ensaio sobre a Antropofagia e Aridez


Artista-Orientador: Luis Paulo de Almeida Maeda

Vamos começar com a definição de ensaio. Um ensaio é um texto breve que deve gerar uma reflexão, uma ideia, uma crítica. Ao propor um ensaio eu devo gerar uma reflexão ao leitor - tratando-se de um ensaio sobre o projeto programa vocacional, talvez antes de ir além, de me propor alcançar o leitor, talvez seja interessante deambular sobre como os últimos oito meses, meus primeiros oito meses no programa geraram reflexões sobre o meu trabalho, sobre  minha vocação (tanto como profissão, mas mais como desejo).
Olhando agora com certo distanciamento, mas sem perder o humor, começa assim:

Vários artistas reunidos, de várias áreas, alguns com voz mais ativa, outros mais silenciosos, como eu. Muitos novos no projeto – 40% do total de orientadores. Aqui surge um primeiro questionamento: o ingresso de tantos artistas-orientadores novos, em meio a outros tantos com mais anos de pratica dentro do programa – que não entraram esse ano: qual foi o critério de avaliação? E as questões básicas: quem somos, o que pretendemos, pra onde vamos. Reúnem-se as equipes e se definem as reuniões, são passadas as regras burocráticas por ser um contratado da SMC.
A partir de todas as reuniões pedagógicas, inclusive as gerais, chego a outro ponto de reflexão (que se repetirá depois, em outro âmbito): este é um processo antropofágico, em constante alteração, provocação - se ele parar de se questionar em qualquer momento o projeto morre. E a extrema angustia em perceber que você não poderá ficar sem os nervos a flor da pele nem um segundo sequer me faz ser atravessado pela pergunta: até onde nós mudamos de fato?

A provocação que veio do “lado de lá” (o lado de lá é o CEU Parque Anhanguera situado no bairro do Morro Doce, região Noroeste): para além das questões problemáticas de se criar um diálogo com a gestão do equipamento, mais interessante é falar que um local dito “árido” está tão repleto de jovens pensadores, provocadores. A princípio era uma vocacionada, depois duas, depois de dois meses viraram seis e no final do ano, na mostra final contava com vinte e três parceiros
Como encontrar um elo entre o que eu entendia como criação colaborativa, minha experiência pessoal e o material norteador do projeto? E no decorrer do tempo, dos meses, eu percebi o quanto esses temas estavam ligados, aguçando  um posicionamento crítico.

A pergunta é: como medir o seu posicionamento como orientador e seus anos de experiência como professor? Até onde vai o seu limite de encontrar a voz dos vocacionados, até onde você está colocando a sua voz na cabeça deles - sem esquecer também que você é um ARTISTA-orientador, um artista também coloca a sua voz no trabalho. É um exercício de escuta constante. De deixar a fala do outro invadir o espaço e apontar como essa fala alcança todo entorno, como ela chega aos ouvidos alheios.
Nosso trabalho, nossa pesquisa durante o ano veio desse entendimento da voz, da palavra do outro. Os artistas vocacionados recolheram depoimentos de moradores do Morro Doce e apresentaram esses depoimentos como se fossem seus. Quais depoimentos mais nos interessavam? Por quê? Eles eram mais dramáticos? Mais emotivos? Por que nos faziam rir? Por que nos faziam chorar? Estava na forma ou no conteúdo da cena a resposta a essas perguntas?

Eu deixei a escolha na mão deles, eles escolheram os depoimentos que seriam apresentados na mostra final e começaram a criar metáforas a partir desses depoimentos, utilizando jogos e exercícios que foram utilizados durante os oito meses de programa. E a cada vez que repetiam as cenas, novas ideia surgiam, improvisos surgiam e tudo era pensado e incorporado a cena – antropofágico, assim como falei do programa no início do ensaio, no “lado de lá”.
No fim, penso que o produto foi um amálgama de grupo, eu incluso dentro dele. Posso dizer com calma e um pouco de distância nesse momento, que a transformação se deu tanto nos vocacionados quanto no orientador, ambos tornaram-se artistas. Cônscios do trabalho que estavam fazendo e de suas falhas, e que nunca estará pronto. A distância agora está separada do paternalismo que poderia ter sido criado. Nos próximos meses sem o projeto dentro do CEU Parque Anhanguera, os vocacionados tem um espaço, um tempo, para deixar o teatro “morrer” internamente, para perceber o quão importante ele deve ser para que voltem no próximo ano.

 

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