quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

                             ENSAIO
7 meses em 7 minutos...
PROGRAMA VOCACIONAL ARTES INTEGRADAS
CCJ – CENTRO CULTURAL DA JUVENTUDE


RUBIA BRAGA


        



Breve reflexão
Escolhi fazer este ensaio na forma de uma reflexão/avaliação sobre como foi este ano o Programa Vocacional no equipamento no qual atuei, o CCJ – Centro Cultural da Juventude.
Relato-reflexão sobre a presença no equipamento e sobre as práticas e experimentos nos encontros na forma de breves apontamentos daquilo que na minha avaliação foi mais relevante este ano.
No ano anterior, 2013, eu já havia atuado neste mesmo equipamento em projeto piloto do “Interlinguagens” e que, este ano, foi denominado “Artes integradas”.
Logo de início, uma certa dificuldade: a denominação “artes integradas”, parece ser pouco atrativa e bastante vaga.  Nem os monitores do espaço sabiam explicar esse campo híbrido que estava sendo proposto... As pessoas iam em busca da linguagem artística: dança, teatro, artes visuais etc., e eram direcionadas ao Artes Integradas.
Nisso, muitas frustrações e, sim, algumas adesões e a compreensão do que estava sendo proposto: experimentações onde o fazer artístico não está preocupado em vincular-se a nenhuma linguagem colocada à priori, mas que lança mão do que for necessário ao que se está criando, ao ato criativo em si que estabelece relação de coerência com o que a ele se vincula.
Arte e vida.
O Centro Cultural da Juventude, localizado na Vila Nova Cachoeirinha, é um espaço por onde circula uma grande quantidade de adolescentes e jovens que frequentam a farta programação oferecida pelo espaço, dos cursos aos eventos culturais. O Programa Vocacional é mais uma dentre as várias atividades que são oferecidas.
No geral, parece haver uma quantidade bastante razoável de pessoas para as atividades oferecidas, mas, a velha questão da demanda para o que o Programa Vocacional propõe, ali também se coloca.
Arrisco dizer que, de fato, lidar com o lugar da criação, da experimentação, onde as coisas não estão “dadas”, e querer reinventar outras possibilidades estéticas e de fazer artístico, para muitos não é algo confortável. Assim, é também neste contexto de uma grande flutuação na frequência e quantidade de vocacionados, que as atividades aconteceram e à minha maneira, segui tentando inventar territórios férteis de criação para as pessoas que se interessaram em participar dos encontros.
Em relação ao ano anterior, digo que achava bastante potente a orientação das turmas ocorrer em duplas de artistas-orientadores, o que não aconteceu este ano. São diferentes modos de ver, diferentes experiências e vivências artísticas, abordagens e provocações que, nos encontros, podem combinar-se e gerar proposições potentes e em consonância com o que pretende o Artes Integradas.
Bem, pelo menos esta foi a minha experiência no ano passado...


Corpo
Práticas de experimentação e criação   
                                                                            
O corpo. Testemunho da existência, atravessado, instável.
Ainda que bastante contaminada por outras práticas e experimentações, o corpo sempre esteve no foco dos meus interesses e criações.
Assim, boa parte das proposições que fazia nos encontros tinha como foco ações físicas.
Ações físicas, relação corpo-espaço, uso de materiais, relação corpo-texto, imagens e representações do corpo, sonoridades, experiências na rua e exploração dos diversos espaços do CCJ: estes foram os lugares que foram mais visitados e, a partir deles, muitos desdobramentos surgiram.
Desdobramentos que eram propostos pelos próprios vocacionados.
Alguns vocacionados que já participaram dos encontros do ano passado (e, também, em anos anteriores) retornaram.
Boa parte deles retornou desejando dar continuidade às investigações e experimentações feitas no ano anterior. São vocacionados bastante propositivos e engajados nos encontros.
Além dos vocacionados que tiveram uma presença esporádica e pontual, outros chegaram e também tornaram-se presença constante e interessada nos materiais que surgiam a cada encontro. Foi com esse grupo de vocacionados mais engajados que foi possível estabelecer territórios de criação.








Corpo... No limite...

                                                                                                           

Foram várias as experimentações.
Relato aqui aquelas que, a meu ver, tiveram maior fôlego e reverberaram durante vários encontros.
Em um de nossos exercícios de improvisação, foi proposto por mim aos vocacionados que procurassem estabelecer em seus corpos estados-limite. 
A provocação era: “como criar situações e estados-limite no corpo?”.
Esta proposta gerou uma série de desdobramentos e, de alguma maneira, fez com que os vocacionados tornassem um pouco mais radical a relação com o “material corpo”.  Os encontros que se seguiram a esta proposta e os experimentos que vieram depois, tinham na construção de fisicalidades e depoimentos corporais um lugar de grande interesse por parte dos vocacionados.
Em um destes experimentos, os vocacionados fizeram um mapeamento dos espaços do CCJ e cada um deles ocupava um espaço determinado (incluindo banheiro e ponto de ônibus) e neste local executava a ação física que estivesse pesquisando, ligada à proposta de testar limites no corpo.
Esta experiência foi muito importante para o grupo e reverberou de forma positiva na continuidade dos trabalhos e em discussões e proposições focadas na relação corpo-ambiente.
Assim, estabeleceu-se nos encontros uma dinâmica de continuidade e retomada dos trabalhos e, de fato, cada vocacionado se debruçava sobre suas descobertas e inquietações, agregando outros elementos numa relação de coerência com o que estava sendo gestado e compartilhando seus percursos e trajetos com os demais vocacionados.      
                     



















Compartilhamentos                                            
Lendo no banheiro
A ideia e prática do compartilhamento acompanhou todo o período de duração do Programa.
A cada encontro, dedicávamos um tempo para o vocacionado trazer algum material que quisesse compartilhar com os demais. Eram materiais surgidos a partir das experimentações, ou não. Alguns escreviam, traziam trechos de livros, imagens, desenhos, músicas etc.
O material compartilhado, era discutido e, muitas vezes, virava parte dos procedimentos que eram propostos ao grupo todo.
Digo aqui, que foram inúmeros os compartilhamentos e desdobramentos que se seguiram a eles.                                                                                                                  
Juliana, uma das vocacionadas, escreveu um texto a cada encontro e os compartilhava com o grupo. Ela chegou ao fim do Programa com uma quantidade grande de escritos e decidiu lê-los nos banheiros do CCJ.
Faz assim: coloca uma cadeira no banheiro, senta, abre seu caderno e começa a ler os textos em voz alta por pelo menos uma hora. As pessoas entram, se assustam com o inusitado da situação, alguns usam o banheiro enquanto a leitura está acontecendo, outros vão embora por acharem inadequado...
Juliana vem sistematicamente executando este procedimento neste último mês do Programa e a repetição dele começou a suscitar e a desdobrar-se em algumas ações físicas às quais ela vem investigando.



Procedimentos
Poéticas e modos de reinventar o espaço
Aos poucos, foi-se firmando no encontro um grupo de jovens com discussões e práticas criativas bastante potente.
Parte destas discussões propunha uma reapropriação estética e política do espaço.
Tratava-se de reinventar o espaço do CCJ como um local de práticas artísticas mais democrático e diversificado.
Assim, aos poucos, foi-se instaurando naquele lugar outras poéticas e modos de estar naquele espaço.
Passados alguns meses de início do Programa, a dinâmica dos encontros começou a mudar: os vocacionados começaram eles mesmos a serem os propositores dos encontros.
Funcionava assim: a cada encontro uma pessoa era responsável em propor uma experiência ao grupo. O procedimento era discutido e executado por todos. E, sim, todos participavam!
Muitas coisas surgiram: programas performáticos muito bem elaborados, experiências com sonoridades, experiências com textos, materiais, instalações.
Essas proposições começaram a gerar, cada vez mais, materiais que eram constantemente revisitados, retrabalhados, colocados em outros contextos, outras perspectivas.
Digo que, de fato, passei a ser orientadora e não mais a propositora dos encontros.
Eu levava referências, discutia e problematizava o que ia surgindo e tentava alimentar este território fértil de criação que ali se instaurou.
                                                  
Nem fim... Nem começo
Beijos que criam acontecimento

                           

Conto aqui, que passado esse longo período de muitas experimentações, não sabíamos muito bem o que fazer com tantos materiais.
Tudo interessava. Foi bem difícil fazer algum recorte nesta matéria bruta.
Bem, cada vocacionado escolheu coisa (ou coisas) que mais fez sentido e buscou-se verticalizar um pouco mais estas experiências individuais-coletivas.
Em nosso penúltimo encontro, cada um instalou-se em um local do CCJ e, durante uma hora, ficou a executar a sua “coisa”: leituras no banheiro, sons no espaço, danças, instalação na biblioteca.
Um estado de tensão começou a se estabelecer naquele lugar, pelas coisas que, simultaneamente estavam a acontecer.
Conto também, que tudo desembocou em beijos que silenciaram e pararam o CCJ naquele sábado à tarde...
A proposta do beijo foi trazida pelo vocacionado Pedro.
Eram simples assim: os vocacionados ocupariam uma parte “central” do CCJ, colocariam-se em um círculo, em silêncio total. A partir de um dado instante, começariam a se beijar, trocando de parceiros repetidamente.... homens ou mulheres.
Não, não era beijo afetivo.... Era beijo como ação física, como qualquer outra ação, como tantas ações que experimentamos durante nossos encontros.
Esta ação durou exatos 7 minutos. O círculo se desfez e os vocacionados saíram do espaço separados e em silêncio.
...


Não tenho como descrever aqui, em palavras, o impacto que isto causou.
O CCJ, que naquele sábado à tarde estava imerso em um imenso burburinho, silenciou e parou para olhar...
Em 7 minutos uma fenda se abriu naquele lugar e o vocacional deixou de ser apenas mais uma atividade lúdica.
Entre olhares chocados ou constrangidos ou que nada entendiam, mas que reconheciam que ali algo singular estava acontecendo, aqueles jovens se reafirmaram como criadores e questionadores do que ali está instaurado.
Reapropriação estética e política.
Beijo como acontecimento. Beijos que causaram e moveram.
Naquele sábado, nosso penúltimo encontro, voltei para casa emudecida pelo impacto que aquilo tudo me causou.

...foram 7 meses em 7 minutos...



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