ENSAIO
7 meses em 7
minutos...
PROGRAMA VOCACIONAL
ARTES INTEGRADAS
CCJ – CENTRO CULTURAL
DA JUVENTUDE
RUBIA BRAGA
Breve reflexão
Escolhi fazer este ensaio na
forma de uma reflexão/avaliação sobre como foi este ano o Programa Vocacional
no equipamento no qual atuei, o CCJ – Centro Cultural da Juventude.
Relato-reflexão sobre a presença
no equipamento e sobre as práticas e experimentos nos encontros na forma de breves
apontamentos daquilo que na minha avaliação foi mais relevante este ano.
No ano anterior, 2013, eu já
havia atuado neste mesmo equipamento em projeto piloto do “Interlinguagens” e
que, este ano, foi denominado “Artes integradas”.
Logo de início, uma certa
dificuldade: a denominação “artes integradas”, parece ser pouco atrativa e
bastante vaga. Nem os monitores do
espaço sabiam explicar esse campo híbrido que estava sendo proposto... As
pessoas iam em busca da linguagem artística: dança, teatro, artes visuais etc.,
e eram direcionadas ao Artes Integradas.
Nisso, muitas frustrações e, sim,
algumas adesões e a compreensão do que estava sendo proposto: experimentações
onde o fazer artístico não está preocupado em vincular-se a nenhuma linguagem
colocada à priori, mas que lança mão do que for necessário ao que se está
criando, ao ato criativo em si que estabelece relação de coerência com o que a
ele se vincula.
Arte e vida.
O Centro
Cultural da Juventude, localizado na Vila Nova Cachoeirinha, é um espaço por
onde circula uma grande quantidade de adolescentes e jovens que frequentam a
farta programação oferecida pelo espaço, dos cursos aos eventos culturais. O
Programa Vocacional é mais uma dentre as várias atividades que são oferecidas.
No geral, parece
haver uma quantidade bastante razoável de pessoas para as atividades
oferecidas, mas, a velha questão da demanda para o que o Programa Vocacional
propõe, ali também se coloca.
Arrisco dizer
que, de fato, lidar com o lugar da criação, da experimentação, onde as coisas
não estão “dadas”, e querer reinventar outras possibilidades estéticas e de
fazer artístico, para muitos não é algo confortável. Assim, é também neste
contexto de uma grande flutuação na frequência e quantidade de vocacionados, que
as atividades aconteceram e à minha maneira, segui tentando inventar
territórios férteis de criação para as pessoas que se interessaram em
participar dos encontros.
Em relação ao ano
anterior, digo que achava bastante potente a orientação das turmas ocorrer em
duplas de artistas-orientadores, o que não aconteceu este ano. São diferentes
modos de ver, diferentes experiências e vivências artísticas, abordagens e
provocações que, nos encontros, podem combinar-se e gerar proposições potentes
e em consonância com o que pretende o Artes Integradas.
Bem, pelo menos
esta foi a minha experiência no ano passado...
Corpo
Práticas de experimentação e criação
O corpo.
Testemunho da existência, atravessado, instável.
Ainda que
bastante contaminada por outras práticas e experimentações, o corpo sempre
esteve no foco dos meus interesses e criações.
Assim, boa parte
das proposições que fazia nos encontros tinha como foco ações físicas.
Ações físicas,
relação corpo-espaço, uso de materiais, relação corpo-texto, imagens e
representações do corpo, sonoridades, experiências na rua e exploração dos
diversos espaços do CCJ: estes foram os lugares que foram mais visitados e, a
partir deles, muitos desdobramentos surgiram.
Desdobramentos
que eram propostos pelos próprios vocacionados.
Alguns
vocacionados que já participaram dos encontros do ano passado (e, também, em
anos anteriores) retornaram.
Boa parte deles
retornou desejando dar continuidade às investigações e experimentações feitas
no ano anterior. São vocacionados bastante propositivos e engajados nos
encontros.
Além dos
vocacionados que tiveram uma presença esporádica e pontual, outros chegaram e
também tornaram-se presença constante e interessada nos materiais que surgiam a
cada encontro. Foi com esse grupo de vocacionados mais engajados que foi
possível estabelecer territórios de criação.
Corpo...
No limite...
Relato aqui
aquelas que, a meu ver, tiveram maior fôlego e reverberaram durante vários
encontros.
Em um de nossos
exercícios de improvisação, foi proposto por mim aos vocacionados que procurassem
estabelecer em seus corpos estados-limite.
A provocação
era: “como criar situações e estados-limite no corpo?”.
Esta proposta
gerou uma série de desdobramentos e, de alguma maneira, fez com que os
vocacionados tornassem um pouco mais radical a relação com o “material corpo”. Os encontros que se seguiram a esta proposta e
os experimentos que vieram depois, tinham na construção de fisicalidades e
depoimentos corporais um lugar de grande interesse por parte dos vocacionados.
Em um destes
experimentos, os vocacionados fizeram um mapeamento dos espaços do CCJ e cada
um deles ocupava um espaço determinado (incluindo banheiro e ponto de ônibus) e
neste local executava a ação física que estivesse pesquisando, ligada à
proposta de testar limites no corpo.
Esta experiência
foi muito importante para o grupo e reverberou de forma positiva na
continuidade dos trabalhos e em discussões e proposições focadas na relação corpo-ambiente.
Assim, estabeleceu-se
nos encontros uma dinâmica de continuidade e retomada dos trabalhos e, de fato,
cada vocacionado se debruçava sobre suas descobertas e inquietações, agregando
outros elementos numa relação de coerência com o que estava sendo gestado e
compartilhando seus percursos e trajetos com os demais vocacionados.
Lendo
no banheiro
A ideia e prática
do compartilhamento acompanhou todo o período de duração do Programa.
A cada encontro,
dedicávamos um tempo para o vocacionado trazer algum material que quisesse compartilhar
com os demais. Eram materiais surgidos a partir das experimentações, ou não.
Alguns escreviam, traziam trechos de livros, imagens, desenhos, músicas etc.
Digo aqui, que
foram inúmeros os compartilhamentos e desdobramentos que se seguiram a eles.
Juliana, uma das
vocacionadas, escreveu um texto a cada encontro e os compartilhava com o grupo.
Ela chegou ao fim do Programa com uma quantidade grande de escritos e decidiu
lê-los nos banheiros do CCJ.
Faz assim:
coloca uma cadeira no banheiro, senta, abre seu caderno e começa a ler os
textos em voz alta por pelo menos uma hora. As pessoas entram, se assustam com
o inusitado da situação, alguns usam o banheiro enquanto a leitura está
acontecendo, outros vão embora por acharem inadequado...
Juliana vem
sistematicamente executando este procedimento neste último mês do Programa e a
repetição dele começou a suscitar e a desdobrar-se em algumas ações físicas às
quais ela vem investigando.
Procedimentos
Poéticas
e modos de reinventar o espaço
Aos poucos,
foi-se firmando no encontro um grupo de jovens com discussões e práticas criativas
bastante potente.
Parte destas
discussões propunha uma reapropriação estética e política do espaço.
Tratava-se de
reinventar o espaço do CCJ como um local de práticas artísticas mais
democrático e diversificado.
Assim, aos
poucos, foi-se instaurando naquele lugar outras poéticas e modos de estar
naquele espaço.
Passados alguns
meses de início do Programa, a dinâmica dos encontros começou a mudar: os
vocacionados começaram eles mesmos a serem os propositores dos encontros.
Funcionava
assim: a cada encontro uma pessoa era responsável em propor uma experiência ao
grupo. O procedimento era discutido e executado por todos. E, sim, todos
participavam!
Muitas coisas
surgiram: programas performáticos muito bem elaborados, experiências com
sonoridades, experiências com textos, materiais, instalações.
Essas proposições
começaram a gerar, cada vez mais, materiais que eram constantemente
revisitados, retrabalhados, colocados em outros contextos, outras perspectivas.
Digo que, de
fato, passei a ser orientadora e não mais a propositora dos encontros.
Eu levava referências,
discutia e problematizava o que ia surgindo e tentava alimentar este território
fértil de criação que ali se instaurou.
Nem fim... Nem começo
Beijos que criam acontecimento
Conto aqui, que
passado esse longo período de muitas experimentações, não sabíamos muito bem o
que fazer com tantos materiais.
Tudo
interessava. Foi bem difícil fazer algum recorte nesta matéria bruta.
Bem, cada
vocacionado escolheu coisa (ou coisas) que mais fez sentido e buscou-se
verticalizar um pouco mais estas experiências individuais-coletivas.
Em nosso
penúltimo encontro, cada um instalou-se em um local do CCJ e, durante uma hora,
ficou a executar a sua “coisa”: leituras no banheiro, sons no espaço, danças,
instalação na biblioteca.
Um estado de
tensão começou a se estabelecer naquele lugar, pelas coisas que,
simultaneamente estavam a acontecer.
Conto também,
que tudo desembocou em beijos que silenciaram e pararam o CCJ naquele sábado à
tarde...
A proposta do
beijo foi trazida pelo vocacionado Pedro.
Eram simples
assim: os vocacionados ocupariam uma parte “central” do CCJ, colocariam-se em
um círculo, em silêncio total. A partir de um dado instante, começariam a se
beijar, trocando de parceiros repetidamente.... homens ou mulheres.
Não, não era
beijo afetivo.... Era beijo como ação física, como qualquer outra ação, como
tantas ações que experimentamos durante nossos encontros.
Esta ação durou
exatos 7 minutos. O círculo se desfez e os vocacionados saíram do espaço
separados e em silêncio.
...
Não
tenho como descrever aqui, em palavras, o impacto que isto causou.
O
CCJ, que naquele sábado à tarde estava imerso em um imenso burburinho, silenciou e parou para olhar...
Em 7 minutos uma fenda se abriu
naquele lugar e o vocacional deixou de ser apenas mais uma atividade
lúdica.
Entre
olhares chocados ou constrangidos ou que nada entendiam, mas que reconheciam
que ali algo singular estava acontecendo, aqueles jovens se reafirmaram como
criadores e questionadores do que ali está instaurado.
Reapropriação estética e política.
Beijo
como acontecimento. Beijos que
causaram e moveram.
Naquele
sábado, nosso penúltimo encontro, voltei para casa emudecida pelo impacto que
aquilo tudo me causou.
...foram 7 meses em 7 minutos...
Marcadores: Artes Integradas, CCJ, Rubia Braga
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