Ensaio 2015 - NATALIA GUIMARAES - CEU MENINOS
ENSAIO SOBRE A EXPERIÊNCIA COM OS VOCACIONADOS DO CEU MENINOS
(2015)
Natália Guimarães
Como
conduzir um grupo com experiências prévias, faixas etárias e desejos tão DIVERSOS? Como criar um ponto de ENCONTRO entre o que sou e aquilo que
os vocacionados esperam de mim e do teatro? Como instaurar um PROCESSO DE CRIAÇÃO em meio a tantos
contratempos (curto prazo do programa, desistência de alguns participantes e a
chegada de outros, vontades diversas etc.)? Como dar vazão às VONTADES individuais numa orientação de
teatro em grupo (com aproximadamente 15 participantes)? Como instaurar um
processo criativo em meio ao aparente CAOS?
Estas
foram algumas das questões que me INSPIRARAM
E DESPERTARAM como artista orientadora
no Programa Vocacional durante os últimos meses. REFLETIR a respeito delas passa diretamente por (RE)PENSAR a minha própria PRÁTICA ARTÍSTICA e por (RE)VISITAR constantemente a maneira como
conduzo um PROCESSO COLETIVO em
constante MUTAÇÃO.
As inquietações
acima não são perguntas para serem prontamente respondidas, ao contrário,
exigem TEMPO, MATURAÇÃO e DISTANCIAMENTO.
Foi no próprio PERCURSO com os
vocacionados que as indagações apareceram: a cada encontro, a cada roda de
conversa, a cada jogo proposto, a cada cena criada, a cada falta injustificada,
a cada novo integrante que chegava, a cada desistência inesperada, a cada
conquista estética, a cada frustração, a cada silêncio, a cada histeria, a cada...
a cada... a cada... O tempo todo.
Mas foi
também nesse VAI-E-VEM de INCERTEZAS, nesse CALDEIRÃO um tanto quanto CONFUSO
de acontecimentos que, aos poucos, NÓS,
artista orientadora e artistas vocacionados, começamos a olhar para nosso
processo artístico como se estivéssemos
TECENDO uma colcha de retalhos em que cada um era responsável por bordar
pequenos pedaços e todos eram responsáveis pela totalidade do trabalho.
Portanto, ainda que ficássemos tristes com as AUSÊNCIAS, passamos a encará-las como parte do caminho e compreendemos
que os meninos e meninas que não voltaram aos encontros também haviam costurado
parte de nossa colcha e, ainda que tivessem ido embora, deixaram para nós a tarefa
de finaliza-la. Assim, Robson, Natália, Nicolly, Vinícius, Gustavo, Juliana,
Verônica, Letícia, Rafael, Stephany, Leandro, Camilly, Érica e Ivan permaneceram
em nossas memórias e continuaram IMPULSIONANDO
nossas criações.
Para
quem ficou e RESISTIU a tarefa não
se tornou menos árdua, afinal, sempre há pedras no caminho, sejam elas de ordem
“externa” ao ato criativo (dificuldades da vida, espaço inadequado,
personalidades muito diferentes) ou de ordem inerentes à criação. Meus pupilos
se deram conta de que o fazer artístico é, algumas vezes (MUITAS VEZES!), DOLOROSO. Exige PACIÊNCIA, RESPIRO, ESCUTA e
REFLEXÃO. Outras vezes exige DEVORAÇÃO, FRENESI e AÇÃO.
É
verdade que a turma dançava sempre num ritmo acelerado, pois sempre iam às
orientações com fome de JOGAR-CRIAR-BRINCAR.
Se no início isso me causava certa ANSIEDADE,
acabei compreendendo que esse era o NOSSO
RITMO. Ritmo do teatro do CEU Meninos. Isso não impediu que brotassem
silêncios, DELICADEZAS e momentos de
SUSPENSÃO em nossos dias. Como no
dia em que fizemos view points e
passamos 2h30 sem falar uma palavra... Como no dia em que deixamos o medo de
lado e dançamos com os olhos fechados. Como no dia em que cada um dividiu uma
memória especial com o grupo. Como no dia em que o tio Ed (como é chamado
carinhosamente pelos outros vocacionados) apresentou sua cena na Festa do
Jardim II e, ao final, me abraçou muito emocionado e disse baixinho: “Obrigado
por isso! Eu nunca pensei que com essa idade eu faria alguma coisa diferente na
minha vida”! EMOCIONADA fiquei e
emocionada estou novamente ao escrever sobre esses momentos. Isso tudo me fez
relembrar de um poema bastante conhecido do qual eu gosto muito:
Uma flor
nasce na rua!
Passem de
longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor
ainda desbotada
ilude a
polícia, rompe o asfalto.
Façam
completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto
que uma flor nasceu.
A flor e a náusea –
Carlos Drummond de Andrade
Em 2015, no Heliópolis,
no CEU Meninos, na sala multiuso, no teatro, na sala pequena do 1º andar, no
gramado... Nasceu uma flor. Pode ser pequena em meio
a tantos contratempos que só quem está perto e dentro do Programa Vocacional é
que pode mensurar. Mas é uma flor. São várias flores. Flor Edmundo: flor madura,
flor tranquila, flor senhor de si. Flor
Jaqueline: flor artista, flor espontânea, flor sorridente, flor autêntica. Flor Júlia: flor
delicada, flor tímida, flor inteligente, flor perspicaz. Flor Thamires: flor serelepe, flor na flor da idade, flor
cujas pétalas descobrem o mundo a cada segundo. Flor
Marcos: flor ingênua, flor engraçada, flor silenciosa, flor vontade. Flor Rodrigo: flor corajosa, flor sensível, flor amiga,
flor super-homem. Flor Lara: flor madura, flor cantora, flor bailarina, flor
forte, flor decidida. Flor Vinício: flor
observadora, flor músico, flor dedicada, flor atenta, flor calmaria.
Ao final de cada encontro todas as flores davam as mãos e
juntas gritavam para o alto uma palavra que fosse o resumo do dia. A palavra do
dia de hoje é, para mim, SAUDADE.
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