domingo, 6 de dezembro de 2015

Ensaio 2015 - NATALIA GUIMARAES - CEU MENINOS

ENSAIO SOBRE A EXPERIÊNCIA COM OS VOCACIONADOS DO CEU MENINOS (2015)
Natália Guimarães

Como conduzir um grupo com experiências prévias, faixas etárias e desejos tão DIVERSOS? Como criar um ponto de ENCONTRO entre o que sou e aquilo que os vocacionados esperam de mim e do teatro? Como instaurar um PROCESSO DE CRIAÇÃO em meio a tantos contratempos (curto prazo do programa, desistência de alguns participantes e a chegada de outros, vontades diversas etc.)? Como dar vazão às VONTADES individuais numa orientação de teatro em grupo (com aproximadamente 15 participantes)? Como instaurar um processo criativo em meio ao aparente CAOS?
Estas foram algumas das questões que me INSPIRARAM E DESPERTARAM como artista orientadora no Programa Vocacional durante os últimos meses. REFLETIR a respeito delas passa diretamente por (RE)PENSAR a minha própria PRÁTICA ARTÍSTICA e por (RE)VISITAR constantemente a maneira como conduzo um PROCESSO COLETIVO em constante MUTAÇÃO.
As inquietações acima não são perguntas para serem prontamente respondidas, ao contrário, exigem TEMPO, MATURAÇÃO e DISTANCIAMENTO. Foi no próprio PERCURSO com os vocacionados que as indagações apareceram: a cada encontro, a cada roda de conversa, a cada jogo proposto, a cada cena criada, a cada falta injustificada, a cada novo integrante que chegava, a cada desistência inesperada, a cada conquista estética, a cada frustração, a cada silêncio, a cada histeria, a cada... a cada... a cada... O tempo todo.
Mas foi também nesse VAI-E-VEM de INCERTEZAS, nesse CALDEIRÃO um tanto quanto CONFUSO de acontecimentos que, aos poucos, NÓS, artista orientadora e artistas vocacionados, começamos a olhar para nosso processo artístico como se estivéssemos TECENDO uma colcha de retalhos em que cada um era responsável por bordar pequenos pedaços e todos eram responsáveis pela totalidade do trabalho. Portanto, ainda que ficássemos tristes com as AUSÊNCIAS, passamos a encará-las como parte do caminho e compreendemos que os meninos e meninas que não voltaram aos encontros também haviam costurado parte de nossa colcha e, ainda que tivessem ido embora, deixaram para nós a tarefa de finaliza-la. Assim, Robson, Natália, Nicolly, Vinícius, Gustavo, Juliana, Verônica, Letícia, Rafael, Stephany, Leandro, Camilly, Érica e Ivan permaneceram em nossas memórias e continuaram IMPULSIONANDO nossas criações.  
Para quem ficou e RESISTIU a tarefa não se tornou menos árdua, afinal, sempre há pedras no caminho, sejam elas de ordem “externa” ao ato criativo (dificuldades da vida, espaço inadequado, personalidades muito diferentes) ou de ordem inerentes à criação. Meus pupilos se deram conta de que o fazer artístico é, algumas vezes (MUITAS VEZES!), DOLOROSO. Exige PACIÊNCIA, RESPIRO, ESCUTA e REFLEXÃO. Outras vezes exige DEVORAÇÃO, FRENESI e AÇÃO.  
É verdade que a turma dançava sempre num ritmo acelerado, pois sempre iam às orientações com fome de JOGAR-CRIAR-BRINCAR. Se no início isso me causava certa ANSIEDADE, acabei compreendendo que esse era o NOSSO RITMO. Ritmo do teatro do CEU Meninos. Isso não impediu que brotassem silêncios, DELICADEZAS e momentos de SUSPENSÃO em nossos dias. Como no dia em que fizemos view points e passamos 2h30 sem falar uma palavra... Como no dia em que deixamos o medo de lado e dançamos com os olhos fechados. Como no dia em que cada um dividiu uma memória especial com o grupo. Como no dia em que o tio Ed (como é chamado carinhosamente pelos outros vocacionados) apresentou sua cena na Festa do Jardim II e, ao final, me abraçou muito emocionado e disse baixinho: “Obrigado por isso! Eu nunca pensei que com essa idade eu faria alguma coisa diferente na minha vida”! EMOCIONADA fiquei e emocionada estou novamente ao escrever sobre esses momentos. Isso tudo me fez relembrar de um poema bastante conhecido do qual eu gosto muito:
Uma flor nasce na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
A flor e a náusea – Carlos Drummond de Andrade
Em 2015, no Heliópolis, no CEU Meninos, na sala multiuso, no teatro, na sala pequena do 1º andar, no gramado... Nasceu uma flor. Pode ser pequena em meio a tantos contratempos que só quem está perto e dentro do Programa Vocacional é que pode mensurar. Mas é uma flor. São várias flores. Flor Edmundo: flor madura, flor tranquila, flor senhor de si. Flor Jaqueline: flor artista, flor espontânea, flor sorridente, flor autêntica. Flor Júlia: flor delicada, flor tímida, flor inteligente, flor perspicaz. Flor Thamires: flor serelepe, flor na flor da idade, flor cujas pétalas descobrem o mundo a cada segundo. Flor Marcos: flor ingênua, flor engraçada, flor silenciosa, flor vontade. Flor Rodrigo: flor corajosa, flor sensível, flor amiga, flor super-homem. Flor Lara: flor madura, flor cantora, flor bailarina, flor forte, flor decidida. Flor Vinício: flor observadora, flor músico, flor dedicada, flor atenta, flor calmaria.
Ao final de cada encontro todas as flores davam as mãos e juntas gritavam para o alto uma palavra que fosse o resumo do dia. A palavra do dia de hoje é, para mim, SAUDADE.


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