domingo, 6 de dezembro de 2015

Ensaio 2015 - ELENITA QUEIROZ - DESLOCAMENTOS

Programa Vocacional 2015

Ensaio de Pesquisa Ação

Elenita Queiroz

19/11/2015




“ ... O grande perigo desse tempo raso é justamente a falta de espessura, a sensação de atemporalidade e de que, no lugar de um processo de deslocamento, existe apenas o agora.”

(Peter Pál Pelbart -  Tempos Agonísticos).



Deslocamentos


Tempo
            Equipes interdisciplinares atuando em equipamentos públicos próximos uns dos outros com a proposta/missão de fortalecer a Ação no território - este é o panorama estrutural do Programa Vocacional em 2015, ou o que tenho entendido dele após alguns meses corridos desta edição. E quando digo "corridos" não me refiro à nenhuma figura de linguagem pois estamos de fato "correndo" com o Programa, correndo atrás de tempo que escorre e se esvai, um tempo que nos falta em massa , em experiência, em presença. Ausência.

Eu, você, a gente
            Sabe-se, e me refiro principalmente  àqueles que participam do Programa à algumas edições,  que quando digo "tenho entendido" me refiro a possibilidade de entendimentos múltiplos que o Programa pode vir a ter dependendo daquele que tem posse do discurso, das distintas realidades que podem ser encontradas considerando a pluralidade da cidade de São Paulo e suas particularidades, além de outros fatores. E é na força implícita na utilização da expressão "meu entendimento", e os discursos e atuações contrastantes e polarizados que podem decorrer da liberdade de uma perspectiva do "eu" que pretendo lançar o olhar.
            Essa perspectiva "do eu" pode ser lida, no contexto em que nos encontramos, como autonomia e/ou egocentrismo e pode ainda, quando abrimos o olhar no sentido do coletivo, proporcionar um cenário onde as possibilidades variam entre a reflexão, a escuta, o embate, a deriva, o descaso, a apatia.
Quando nos referimos à instauração de processos artísticos emancipatórios no território, essas mesmas possibilidades de diferentes perspectivas  de atuação “do eu” podem abrir espaço para diferentes reações, ações, abordagens, que sejam por exemplo: propiciar uma atuação movida pela liberdade para a experimentação, o risco e a transgressão; causar uma leitura de deriva, onde se tem a sensação (o que pode ser real ou ilusório) de estar perdido à espera de uma bussola que mostre os rumos a serem tomados; e ainda, contribuir para o estabelecimento de um modo de trabalho que reproduz contextos estruturais baseados no enrijecimento das relações, na vigilância e no conservadorismo.
            A reestruturação do Programa possibilitou uma nova forma de atuação no território no sentido do fortalecimento dos pequenos agrupamentos mas ao mesmo tempo foi tornando confusa e paradoxal a noção de coletivo (no que tange aos sentidos individuais partilháveis pelo todo) quando olhamos para a força e magnitude do Programa em termos de números e de ação na cidade.  Nossa imagem, enquanto coletivo que trabalha e se reconhece como um organismo plural e coeso foi ficando cada vez mais turva. Um campo de atrito no que se refere aos modos como as relações entre o singular e o plural, tem se dado, onde  verificamos a tensão permanente entre as transformações e as posições dos coletivos e a evolução dos desejos e processos individuais.
O foco no território, tem sim seus méritos, o qual, a meu ver, o principal deles reside na aproximação dos AOs que atuam nos mesmos equipamentos e a força mobilizadora no sentido de assegurar as mínimas condições de trabalho nestes espaços, cavando brechas na aridez dos locais, não mais solitários (como vivenciada anteriormente quando da divisão por linguagens artísticas) mas  de certa forma unidos e cumplices na atuação diante do equipamento, do entorno e de seus respectivos entraves e tolhimentos.
            No entanto, percebo que há um grande hiato entre o que poderia ser possível , em termos de mobilização do território, e o que conseguimos de fato dar cabo uma vez inseridos num contexto de desencontros e apontamentos dispares quando vistos em seu quadro geral. As camadas a serem trabalhadas, conectadas, administradas são tantas que, por vezes, me sinto presa num emaranhado de conexões potentes porém frágeis ao menor ruído. Me vejo tendo que optar por essa ou aquela rede, com muito pesar pelas outras (aquelas que precisam ser deixadas de lado).
O foco transita, se desloca a todo momento: da atenção ao que ocorre num processo de um Artista Orientador e seus respectivos vocacionados e a escuta apurada para com esse microcosmo (e isso multiplicado por 6 - número de AOs que fazem parte da equipe); da proposição de possíveis correlações entre os mesmos e a tão interessante discussão sobre a atuação num contexto aberto à pluridisciplinaridade e ao hibridismo de linguagens; da proposição e organização de Ações Culturais individuais, e em equipe no âmbito regional;  da atuação dos AOs em seus respectivos equipamentos e enquanto equipe no nosso microterritório (que engloba 3 equipamentos); da organização logística de Ações Culturais e trocas entre as demais equipes que formam nossa macrorregião (e isso inclui, promover, contribuir, trocar, participar das Ações - não somente propostas em caráter microrregional mas também nas propostas pelas outras equipes) no sentido de buscar uma percepção de coletivo e de ação contundente enquanto Programa.
Enquanto artistas é importante nos atermos à força transgressora e mobilizadora da arte e da potencia de um coletivo onde as individualidades somam, para minimamente, trilhar este Programa que se pressupõe artístico e emancipatório.

            Fuga e Busca
            Neste cenário onde as conexões podem ou não ocorrer, podem ou não frutificar, a palavra que tem me norteado é "deslocamento". Deslocamento de foco, de lugar, de paisagem, de contexto, de opinião, de atuação, de conceito, de certeza, de técnica... O exercício do "deslocamento" diz respeito a prontidão e necessidade de mudar, de assumir a precariedade e a impermanência das situações, e estar assim pronto e disposto a saltar. Isso se aplica enquanto metáfora na atuação direta nas orientação com os vocacionados e na instauração dos processos artísticos sob a perspectiva de uma equipe pluridisciplinar. Deslocar-se do modo "padrão" de conduzir ou promover  reuniões, ações e encontros com os vocacionados, colocar-se poroso, construir pontes entre os colegas, deslocar seu ponto de vista sobre sua "técnica", sua linguagem.
             Me desloco pois continuamente em busca de um processo no qual o sabor da experiência me toque e me mova no sentido oposto à  um agora esvaziado, à uma instantaneidade rasa e alienadora.
Deslocar pressupõe buscarmos modos de ser, e de não desaparecer. Como fizeram um dia os primeiros povos nômades; como fazem hoje as milhões de pessoas que migram em busca de um horizonte mais alentador e/ou fogem de uma realidade árida, humilhante e opressora.
Busca e fuga estão atreladas à sensação de insatisfação, de inquietude, de não acomodamento e implicam num jogo entre estabilidade e instabilidade. Em se tratando de Programa Vocacional, de fato, não sei se minha  necessidade do deslocamento  está mais próxima da fuga ou da busca. Talvez os dois. Depende do dia, do equipamento, do gestor, do transito, da chuva, da demanda, da sala, do...

Fim e/ou Começo
            A liberdade, ou autonomia que nos tem sido dada, ou conquistada, ou que nos é cabida (uma vez deixados à deriva do sistema, dentro do próprio sistema) pode nos servir de impulso ou de bloqueio.
            Eu particularmente prefiro o impulso. Eu opto pelo que me mantem em movimento. Eu fujo. Eu busco. Eu me desloco.



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