Ensaio 2015 - ELENITA QUEIROZ - DESLOCAMENTOS
Programa Vocacional 2015
Ensaio de Pesquisa Ação
Elenita Queiroz
19/11/2015
“ ... O
grande perigo desse tempo raso é justamente a falta de espessura, a sensação de
atemporalidade e de que, no lugar de um processo de deslocamento, existe apenas
o agora.”
(Peter Pál Pelbart - Tempos Agonísticos).
Deslocamentos
Tempo
Equipes interdisciplinares atuando
em equipamentos públicos próximos uns dos outros com a proposta/missão de
fortalecer a Ação no território - este é o panorama estrutural do Programa
Vocacional em 2015, ou o que tenho entendido dele após alguns meses corridos desta
edição. E quando digo "corridos" não me refiro à nenhuma figura de
linguagem pois estamos de fato "correndo" com o Programa, correndo
atrás de tempo que escorre e se esvai, um tempo que nos falta em massa , em
experiência, em presença. Ausência.
Eu, você, a gente
Sabe-se, e me refiro principalmente àqueles que participam do Programa à algumas edições, que quando digo "tenho entendido"
me refiro a possibilidade de entendimentos múltiplos que o Programa pode vir a
ter dependendo daquele que tem posse do discurso, das distintas realidades que
podem ser encontradas considerando a pluralidade da cidade de São Paulo e suas
particularidades, além de outros fatores. E é na força implícita na utilização
da expressão "meu entendimento", e os discursos e atuações contrastantes
e polarizados que podem decorrer da liberdade de uma perspectiva do
"eu" que pretendo lançar o olhar.
Essa perspectiva "do eu" pode
ser lida, no contexto em que nos encontramos, como autonomia e/ou egocentrismo
e pode ainda, quando abrimos o olhar no sentido do coletivo, proporcionar um
cenário onde as possibilidades variam entre a reflexão, a escuta, o embate, a deriva,
o descaso, a apatia.
Quando nos referimos à instauração de processos artísticos emancipatórios
no território, essas mesmas possibilidades de diferentes perspectivas de atuação “do eu” podem abrir espaço para diferentes
reações, ações, abordagens, que sejam por exemplo: propiciar uma atuação movida
pela liberdade para a experimentação, o risco e a transgressão; causar uma
leitura de deriva, onde se tem a sensação (o que pode ser real ou ilusório) de
estar perdido à espera de uma bussola que mostre os rumos a serem tomados; e ainda,
contribuir para o estabelecimento de um modo de trabalho que reproduz contextos
estruturais baseados no enrijecimento das relações, na vigilância e no conservadorismo.
A reestruturação do Programa possibilitou
uma nova forma de atuação no território no sentido do fortalecimento dos
pequenos agrupamentos mas ao mesmo tempo foi tornando confusa e paradoxal a noção
de coletivo (no que tange aos sentidos individuais partilháveis pelo todo) quando
olhamos para a força e magnitude do Programa em termos de números e de ação na
cidade. Nossa imagem, enquanto coletivo
que trabalha e se reconhece como um organismo plural e coeso foi ficando cada
vez mais turva. Um campo de atrito no que se refere aos modos como as relações
entre o singular e o plural, tem se dado, onde
verificamos a tensão permanente entre as transformações e as posições
dos coletivos e a evolução dos desejos e processos individuais.
O foco no território, tem sim seus méritos, o qual, a meu ver, o
principal deles reside na aproximação dos AOs que atuam nos mesmos equipamentos
e a força mobilizadora no sentido de assegurar as mínimas condições de trabalho
nestes espaços, cavando brechas na aridez dos locais, não mais solitários (como
vivenciada anteriormente quando da divisão por linguagens artísticas) mas de certa forma unidos e cumplices na atuação diante
do equipamento, do entorno e de seus respectivos entraves e tolhimentos.
No entanto, percebo que há um grande
hiato entre o que poderia ser possível , em termos de mobilização do território,
e o que conseguimos de fato dar cabo uma vez inseridos num contexto de
desencontros e apontamentos dispares quando vistos em seu quadro geral. As
camadas a serem trabalhadas, conectadas, administradas são tantas que, por
vezes, me sinto presa num emaranhado de conexões potentes porém frágeis ao
menor ruído. Me vejo tendo que optar por essa ou aquela rede, com muito pesar
pelas outras (aquelas que precisam ser deixadas de lado).
O foco transita, se desloca a todo momento: da atenção ao que ocorre num
processo de um Artista Orientador e seus respectivos vocacionados e a escuta
apurada para com esse microcosmo (e isso multiplicado por 6 - número de AOs que
fazem parte da equipe); da proposição de possíveis correlações entre os mesmos
e a tão interessante discussão sobre a atuação num contexto aberto à pluridisciplinaridade
e ao hibridismo de linguagens; da proposição e organização de Ações Culturais
individuais, e em equipe no âmbito regional;
da atuação dos AOs em seus respectivos equipamentos e enquanto equipe no
nosso microterritório (que engloba 3 equipamentos); da organização logística de
Ações Culturais e trocas entre as demais equipes que formam nossa macrorregião
(e isso inclui, promover, contribuir, trocar, participar das Ações - não somente
propostas em caráter microrregional mas também nas propostas pelas outras equipes)
no sentido de buscar uma percepção de coletivo e de ação contundente enquanto Programa.
Enquanto artistas é importante nos atermos à força transgressora e
mobilizadora da arte e da potencia de um coletivo onde as individualidades
somam, para minimamente, trilhar este Programa que se pressupõe artístico e
emancipatório.
Fuga
e Busca
Neste cenário onde as conexões podem
ou não ocorrer, podem ou não frutificar, a palavra que tem me norteado é
"deslocamento". Deslocamento de foco, de lugar, de paisagem, de
contexto, de opinião, de atuação, de conceito, de certeza, de técnica... O exercício
do "deslocamento" diz respeito a prontidão e necessidade de mudar, de
assumir a precariedade e a impermanência das situações, e estar assim pronto e
disposto a saltar. Isso se aplica enquanto metáfora na atuação direta nas
orientação com os vocacionados e na instauração dos processos artísticos sob a
perspectiva de uma equipe pluridisciplinar. Deslocar-se do modo "padrão"
de conduzir ou promover reuniões, ações
e encontros com os vocacionados, colocar-se poroso, construir pontes entre os
colegas, deslocar seu ponto de vista sobre sua "técnica", sua
linguagem.
Me desloco pois continuamente em busca de um
processo no qual o sabor da experiência me toque e me mova no sentido oposto
à um agora esvaziado, à uma
instantaneidade rasa e alienadora.
Deslocar pressupõe buscarmos modos de ser, e de não desaparecer. Como fizeram
um dia os primeiros povos nômades; como fazem hoje as milhões de pessoas que
migram em busca de um horizonte mais alentador e/ou fogem de uma realidade árida,
humilhante e opressora.
Busca e fuga estão atreladas à sensação de insatisfação, de inquietude,
de não acomodamento e implicam num jogo entre estabilidade e instabilidade. Em
se tratando de Programa Vocacional, de fato, não sei se minha necessidade do deslocamento está mais próxima da fuga ou da busca. Talvez
os dois. Depende do dia, do equipamento, do gestor, do transito, da chuva, da
demanda, da sala, do...
Fim e/ou Começo
A liberdade, ou autonomia que nos
tem sido dada, ou conquistada, ou que nos é cabida (uma vez deixados à deriva
do sistema, dentro do próprio sistema) pode nos servir de impulso ou de
bloqueio.
Eu particularmente prefiro o
impulso. Eu opto pelo que me mantem em movimento. Eu fujo. Eu busco. Eu me
desloco.
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