Sobre ser árvore ou da radicalidade do elástico. Marina Corazza, Teatro Flávio Império
Essa é a última versão de um texto que vem se construindo desde julho/2015, ele serve à prática e não o contrário, responde à inquietações da experiência. Não sei quem vai ler, não sei a quem vai interessar, mas posso dizer que diferente de 2014, em que questionei o ensaio e sua obrigatoriedade porque ele estava totalmente desconectado do processo, em 2015, a escrita serviu à prática dos encontros e à reflexão em equipe
- Qual a pergunta do
ensaio?
- ou
- O que o ensaio
pergunta?
Ensaio
tecido por rupturas, rasgos, inacabamentos, falas sem personagens definidos.
- Por quê? Assim é mais
fácil, né? Deixa-se a estrutura de lado e fica-se “livre”.
- Livre do quê? Qual o
critério?
- O que você quer
comunicar?
Momento 1
– julho ou agosto de 2015
Crises sobre o que me
faz sentido no teatro, conduzem-me a uma postura de
“artista-orientadora-vocacionada”. Deslizar, me perder na orientação é o
extremo oposto da irresponsabilidade. Num susto, durante uma das orientações,
num jogo de conexão entre coro e corifeu, percebo que o que conectou os
participantes no teatro foi exatamente aquilo que busco hoje com 35 36 anos, acumulados ao longo desses 20
21 anos fazendo teatro: a conexão essencial, a escuta silenciosa, a
organicidade das microações e reações, o invisível que de tão palpável,
torna-se concreto. A pergunta que nos fizemos nesse encontro: Porque meus olhos de plateia olham o que
olham? O que está acesso lá?
Esse é um problema. Um
problema sem solução e esta é a aventura.
Não sei mais ser “artista-orientadora”
como antes. E isso é libertador.
Buscar a radicalidade
que mora em puxar o elástico do estilingue até o fim antes que a pedra voe.
Momento 2
– setembro de 2015
- Por que o lance da
conexão essencial entre eles perdeu a força?
- Talvez, se
continuássemos aprofundando por ai, o caminho seria mais longo para se chegar a
uma materialidade na qual o grupo se reconhecesse. Cada pergunta é uma porta,
cada porta um caminho. Tive medo de embarcar totalmente no lance da presença e
da conexão? Talvez. Talvez ache que se a
coisa continuasse por ai, o trabalho ficaria muito mais da minha mão. Talvez pelo
medo de que, ao final do processo, as pessoas não sentissem que seus desejos
mais íntimos, suas fantasias de palco fossem tocadas e trabalhadas. Sim, é
importante tocar as fantasias, não para morrer nelas, mas para investigá-las
como trampolins.
- Por hora, essa é a
resposta, mas não estou satisfeita com ela.
Momento 3
– início de outubro de 2015
- Onde você queima?
Foi
essa a pergunta que o artista-orientador de música, Gustavo Bali fez no
encontro das equipes da Leste 2 num desses domingos de céu azul que pudemos
contemplar pelas venezianas do Palácio dos Artistas.
- Onde você queima?
Onde você queima?
- Seus passos. Meus
passos. Nossos passos contam o que de nós?
- Quando o passo avança,
está fugindo? Querendo passar rápido por ali? Ou está se dispondo a escutar o
som das folhas secas na planta dos pés?
- Todos no grupo devem
ter consciência do processo e de suas escolhas.
- Consciência. A
consciência pode ser um fardo pesado?
- Não sei, não sei...
mas a obsessão pela consciência pode achatar a experiência.
- Experiência é uma
palavra ampla demais, e por isso, vazia.
- Experiência
artística, não?
- Quando se tem uma
experiência artística, no público ou na plateia, sabemos do que se trata. Ou
não?
- Você não está falando
sobre o “Programa Vocacional”.
- É isso que você acha?
- Acho que nunca falei
tanto sobre o “Programa Vocacional” porque não estou diferenciando o “Programa
Vocacional” das tantas inquietações artísticas que carrego, da vida.
- Você está passando a
mão na sua própria cabeça!
Momento 4
– Encontro com Mario Biagini na Universidade de Roma, algum dia de 2.000.
“Um de vocês perguntou que sentido pode ter para um ator
trabalhar sem público. É uma questão legítima e, afinal, o evento teatral pode
ser definido como um lugar no qual, em última instância, atores e espectadores
encontram-se uns aos outros. O fato é que, no Workcenter, trabalhamos durante
muito tempo e ainda, muitas vezes, trabalhamos sem observadores externos. Não
estou falando de ensaios, que geralmente são considerados momentos nos quais o
público é legitimamente excluído, mas das próprias obras. Você me pergunta,
então, qual pode ser o significado disso, o objetivo, ainda mais porque é visto
por poucos e não é direcionado para uma apresentação pública. Para que serve
isso, afinal?
Quem sou eu para dizer qual o significado disso? Eu poderia
lhe dizer que ‘queremos criar uma nova forma de arte que se rebela contra os
atuais modos de produção artística, que possa sobreviver e infiltrar-se nesta
civilização na qual as relações humanas são subordinadas à valorização do
capital e correm, como consequência disso, o risco da esterilidade, uma forma
de arte que luta contra essa tendência, criando, dentro dos artistas
envolvidos, uma percepção do real, presente por trás dos dogmas, crenças e
ideologias’. Mas não apenas isso não seria verdade, como eu também teria dado a
impressão de ter realmente articulado uma resposta em vez de ter dito uma
belíssima coisa nenhuma. Além do mais, seria perigoso formular um tal programa,
porque gradualmente eu poderia me convencer de que é realmente assim, que essa
é, verdadeiramente, a nossa direção,
a nossa intenção, a direção certa, a única direção certa, portanto a qual todos deveriam seguir. E se você me dissesse, corretamente ou não, que nossa orientação está errada, você se tornaria o inimigo, o outro do qual deveria me defender, porque nós humanos somos feitos desse modo, porque podemos cair muito facilmente na estupidez e, consequentemente, na miséria da ignorância e do fanatismo.
a nossa intenção, a direção certa, a única direção certa, portanto a qual todos deveriam seguir. E se você me dissesse, corretamente ou não, que nossa orientação está errada, você se tornaria o inimigo, o outro do qual deveria me defender, porque nós humanos somos feitos desse modo, porque podemos cair muito facilmente na estupidez e, consequentemente, na miséria da ignorância e do fanatismo.
Quando você aborda o que faz com uma plataforma programática, corre o risco de esquecer o que estava fazendo e, também, das reais motivações para fazê-lo – as raízes ocultas, ligadas às suas necessidades – e você confunde a motivação com o projeto. O projeto, então, vem em primeiro lugar: você deve defendê-lo a qualquer custo, contra as dificuldades, contra outros projetos, outras ideologias, e o trabalho se transforma em uma máquina produtora de princípios técnicos ou éticos, slogans, propaganda, publicidade. Ao falar em objetivos, podemos ambos satisfazer nossa fome por conflitos, quando, talvez, o que façamos – você e eu, ou eu e ele – nasça do mesmo impulso.
Não há objetivo ou é segredo. A árvore não tem um objetivo; é uma manifestação na qual a vida se articula a si mesma, à sua própria maneira, em algo incomensuravelmente complexo.”
Momento 5
– entre novembro e dezembro de 2015
- O que o ensaio
pergunta?
- Deslizar, perder-se
na orientação é o extremo oposto da irresponsabilidade? Tem certeza?
- Para não deslizar a
esmo é preciso deslizar com?
- A sua arte serve a
que? Ao sistema ou à emancipação?
- Onde está a
motivação? Onde está o projeto?
Agora
todos caminham pelo espaço.
Busquem
a radicalidade que mora em puxar o elástico do estilingue até o fim antes que a
pedra voe.
- Onde você queima?
- Onde você queima?
Momento 6
- Sobre ser árvore ou da radicalidade do elástico.
Homem
assiste à televisão.
Homem
fica imóvel durante muito tempo na frente da televisão. Seu olhar é para a
tela, mas seus pensamentos estão longe. De repente, começa a falar seus
pensamentos em voz alta. Está sozinho.
HOMEM: Filhos, tão bom, tão bom
E meus filhos, enamorar é grande, muito
grande
Se vocês soubessem como é bom colocar o sol
Colocar o sol nas suas pernas
Como é bom escrever, deixar escritas coisas
que já passaram
Os pássaros no som do vento
Ah, meus filhos, se eu soubesse como vocês
seriam
Eu mudaria
Ah, meus filhos, como é bom colocar o sol
Se eu soubesse ainda
E meus filhos estão a caminho, ainda a
caminho.
Ah,
que bom se eu enxergasse a lua
O meu tempo é pouco
Se eu tivesse um relógio para controlar o
tempo, eu colocaria
você
Eu colocaria você dentro da galeria
Eu colocaria você na lua.
(Cena/Texto criado
pelo vocacionado Wagner Geminiano)
Marina
Corazza (artista-orientadora Teatro)
Equipamento Teatro Flávio Império
Leste
2
2 Comentários:
Que lindo, Marina!!! Obrigado...
Que lindo, Marina!!! Obrigado...
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial