quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Da performance aos corpos bufônicos: caminhos para a poética do Si mesmo 

Mônica Rodrigues/AO 
Linguagem Teatro- CEU Caminho do Mar- 2015 


Primeiro passo: Reencontrar-me no Programa (Vocacional). Expor-me. Verificar em si silêncios, desconfortos, abandonar pré-ambições de montagem, e assim fácil: Alçar vôo com a certeza do espatifar-se em corpos vindouros.  

Segundo passo: Tecer desejos na urdidura da ação cultural. Ampliação imediata de demanda e de urgências poéticas, metaforizadas nessa Faixa de Gaza perpétua-chamada Zona Sul.  

Terceiro passo: Improvisos, pra estarmos sem manuais diante do outro. Recrudescer as ansiedades. Insistentemente sem remédios, altamente perigosas. Pedir pra ver de novo. Pra olhar sem pressa. E mais mergulhos na reinvenção do instante através da improvisação. Mais da metade da turma quer estudar comédia. Porque? Não sabem, mas suspeitam que valorizar o riso e o instante a partir de si mesmos seja a grande tarefa hercúlea do ano, para a qual os empurra seu próprio Self (JUNG, 2002)Vamos descobrir o que é estar? Pra que serve isso depois? Aqui convidei a todos para saborear esse risco. De não acontecer nada. De respirar melhor. De estar. Sem compromissos que não a presença, máxima presença.  

Quarto passo: Chegamos na performance. Foi o desejo da presença que me fez perceber que eu (nós) nem respirava direito? Foi a exposição da Marina Abramovic (SESC Pompéia, Mostra Terra Comunal, 2015), o repertório acumulado há tempos ou a urgência gasosa da Zona Sul que nos impeliu a caminharmos lentamente? Em maio iniciamos o Programa com metade dos vocacionados envolvidos do ano passado, e a outra metade: novas urgências. Caminhamos na passarela em cima do viaduto, ao lado do CEU, em câmera lenta. Tiramos diversas fotos-sem-selfies, só pra tentar fazer necropsia de nós vivos. Mas a performance é a abolição da narrativa? NÃO! “As narrativas vêm a partir do Self”, agudamente observou Vanderlei Lucentini (coordenador regional). 
O risco sempre pode ser um convite para algo mais consistente, seja na hora de salgar a sopa ou de atravessar a passarela. Nem é preciso recorrer a J. Guinsbourg ou à Yoko: a noção do risco na performance é extraída inconteste e sem limites, da própria virulência do viver (HENDRICKS, 2002). Assim, apreciamos performance de outro artista da Z. Sul, assistimos vídeos e filmes, mas continuamos a improvisar cenas (mas porque se esta estética que estudamos agora leva para outra necessária desconstrução artística? Só para validar que sou "A.O.-de-teatro”?) A fonte era a mesma: a necessidade de performar e de improvisar. Também refizemos performances de outras pessoas. Tudo caminhava para uma contingência artística esteticamente potente. Era feliz que nos dávamos bem em bandos (turma de 33 pessoas!) e ainda, no meio do caos promissor:  "É preciso ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante." (NIETZSCHE, 2011).   

Quinto passo: Es-ta-ca-to. A entressafra de julho revela os mecanismos da sobrevivência pelo capital: faculdades, trabalhos, pais com medo dos ataques na periferia (de bandidos policiais). Todos os motivos num só, acrescentados ao perigo de ser, renovou a turma em 70%. O acúmulo de anos anteriores esvai-se com rapidez e sem alardes. Só eu me espanto, de novo, de novo, com essa repetição da não-continuidade na ação cultural. Sufoco minhas esperanças num copo de coca-cola, - eu que havia prometido parar de beber. É a debandada do bando: inverno é preciso. “Geração vai, geração vem, e a terra permanece a mesma debaixo do sol” (Eclesiastes, edição..??!!/autor??!!). 

Sexto passo: Desafogadas as mágoas, refizemos alguns dos passos construtores. Revivemos exercícios, estados corpóreos algumas cenas. E O bando se renovou! O desejo pela comédia ressurgiu qual Hidra-de-Lernos fantástica. “Quero sua cabeça!”. No momento em que mais tive dúvidas sobre o processo, a comédia veio com força à tona. Primeiro desvelou nossos corpos apáticos. Depois fez com que cada um recontasse sua trajetória sob a perspectiva da criança e do palhaço (e depois, por fim, do bufão.) Ah reviver a infância...como é perigoso dizer isso, soa confissão de servidão moderna. Ah renascer a criança, e poder dizer, segundo dizem, igual Picasso velho: Tudo que fiz foi para voltar a ser pequeno. Ah... Pra alguns, lembrar de uma infância maldita, que há poucos anos atrás te moldou e forjou ferro e brasa na alma. Mas como posso pedir isso sem manchar os olhos com terror de reviver? Interessante foi que cada criança disse suas verdades, e o palhaço saiu atrás, alimentado destas poéticas. 
Aqui bebemos um pouco de Manoel de Barros, o performer-brincante das palavras, defensor do fracassoIsso proporcionou uma infinidade de paisagens poéticas a partir do si mesmo, incandescentes, nada fáceis e nem líricas, porém todas uma pura-defesa-de-mestrado de nossos fracassos mais caros. Derrotas manifestadas na necessidade de aprimorar: O que é comédia? Pra que serve o riso? QUEM RI? E o que a tal da performance tem a ver com isso? Abramovic ri? Fluxus foi sério? Beuys brincava? (BORER, 2001). Toda indagação vertida em veias. Toda? Quase.  

Sétimo passo: Se já havíamos caminhado lentamente, agora o coro do caos que somos quer correr, suar, berrar, gemer, mais precisamente: delirar. “Para entender Artaud é preciso delirar a linguagem”, ouvi certa vez de André Lage, estudioso mega do Antonin.  Para rever-se nas poéticas criadas, foi preciso delirar linguagem, corpo, articulações, visão política, texto e presença. As duas cenas que resultaram destes mergulhos tiveram como temáticas as seguintes propostas: uma, o uso excessivo do celular e a não-ocupação dos corpos pelos seres, e a outra, chamava-se 'miss vocacional', uma crítica bufônica a respeito de nós mesmos- os corpos deformados pelas desrazões da histeria coletiva, as cobranças estéticas da mídia, do social e da mídia. 
O passo que queríamos dar era em saltos,  numa escada, e para cima! Era máximo ser. Chegou enfim a vez de entrar em cena: O BUFÃO. Antes havia qualquer coisa de es-ta-ca-to em nós, impedindo a fruição da infância e do palhaço diante das indagações estéticas. O bufão foi o último salto-passo que nos permitiu falar, com ou sem escatologias, sobre o presente escatológico vivido por cada um. Um momento audaz, pois ali as vozes dissonantes foram capazes de se unir num discurso estético polifônico, e ainda assim altamente sofisticado e potente (diria: perigoso!). Os bufões permitiram que déssemos vazão ao redemoinho íntimo e social sem nos deprimirmos dessa vez. O bufão diz: “nós que somos a escória podemos tudo dizer”. Mas cuidado, porque o vômito não pode sair só azedo: TEM QUE SER POÉTICO, tem que ser ARTÍSTICO, tem que ser lótus, baby! 
"Não é com a ira que se mata, mas com o riso. Eia pois! Vamos matar o espírito de gravidade!"
(NIETZSCHE, 2011)

Oitavo passo: Existe ensaio para acionar o Si mesmo? Existe “Programa” que dê conta de ensinar a orientadores e artistas-participantes o “como chegar” com alguma definição lógica? Isso, em algum momento, dialoga com a militância política em ajudar o Programa a se fortalecer? Infindáveis assembleias são fruto de um processo gerador de consciência, vínculo e troca de experiências políticas. É um processo engrandecedor que paradoxalmente maltrata nossa prática, sempre sobrecarregada. Ansiando por reuniões de equipe à luz do Sol. Geração vai, geração vem... 

Nono passo só pra fazer um Flash-back das ações realizadas 

Participação na Feira Nordestina do CEU Caminho do Mar: expor-se na coletividade recuperando o que tem em comum as urgências poéticas de Patativa do Assaré, Brecht e Racionais-Mc (julho)  
Ação na Chico Science : revitalizando relações e o espaço (Setembro).  
Mostra de turmas no Ceu Parque Bristol: Ver o outro, outros, reencontrar-se no fragmento, dialogar com a semelhança e a diferença (Outubro).  
Encontro entre turmas da Zona Sul no Centro Cultural Jabaquara: momento de vivenciar a Inter-linguagem como experimento da presença (Outubro) 
Ação-performance no metrô: ressignificando anseios e o massacre diário, propor estranhamentos nesta loucura do dia a dia vista como normal, criação de um momento de epifania física coletiva, já que a “arte é uma arma apontada para o futuro” (do filme Noviembre) em (novembro). 

Décimo passo, sem ser o último, sem apressar o passo, e sem temer o futuro: 
Nosso trabalho foi compartilhado, final de novembro e início de dezembro, numa Mostra de trabalhos das turmas do CEU e Acervo do Jabaquara, intitulada De onde toda beleza do mundo se esconde”, um versinho roubado pela equipe da música "Lá de Longe". (Tribalistas).  
É o momento de “fazer sentido”, de comprovar que tod@s somos um bando de loucos, porém prematuramente conscientes de nossas fontes, ideologias e escolhas estéticas. Mesmo? (e não é que couberam frases da Bíblia ditas pelos seres da escória? Um bando de 30 pessoas alçando vôo entre o céu e a lama). 
Também é o instante de revelação do processo da aprendizagem coletiva, de partilha de viés e dobras. É sempre um exercício de diálogo consigo mesmo, de olhar além do espelho e do reflexo,  e mesmo no “ver-se no outro”, poder até desejar cuspir, como permite o bufão, nessa realidade que por vezes desdiz o cidadão. (LECOQ, 2011). 
É impossível acompanhar uma cidade como São Paulo. É impossível estar aqui NESTA cidade sem desejar incessantemente recriá-la. É momento de rever os trajetos poéticos de tod@s, num misto de constante insegurança e prazer indescritível pela presença que preenche cada vez mais o palco, as vidas e as escolhas.  
Observação serena: Estamos celebrando as nossas derrotas com um riso mordaz e alto, repetindo das nossas crianças internas e palhaç@s, o que ouvimos de Manoel de Barros: que os nossos desacertos podem nos levar além.  

Em 2013, noutro ensaio, eu havia escrito: “E se a impermanência das perguntas poéticas fosse o contrário de fugaz e efêmera, e forjasse- construísse mesmo, insistentemente, novos corpos”?? 

Teimosamente anti-Eclesiastes, onde se afirma: “Existe tempo para viver, e existe tempo para morrer”.  



Não.   





..............................................É tempo de não completar...............................................  







 BIBLIOGRAFIA :


NIETZSCHE, Friedrich, Assim falou Zaratustra, Companhia das Letras, 2011, São Paulo. 
JUNG, Carl Gustav, O homem e seus símbolos, Nova Fronteira, 2002, Rio de Janeiro. 
BARROS, Manoel de , Arranjos para Assobio, Record, 1998, Rio de Janeiro.
BARROS, Manoel de, Tratado geral das grandezas do infinito, Record, 2003, Rio de Janeiro. 
BORER, Alain, Joseph Beuys, Cosac &Naify, 2001, São Paulo. 
LECOQ, Jacques, O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral, Senac, 2011, São Paulo. 
HENDRICKS, Jon, O que é Fluxus? O que não é? O porquê, Centro Cultural Banco do Brasil, 2002, São Paulo.



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