quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Sobre o vínculo, sobre o início do vínculo.

Ensaio/Ano2015 Programa Vocacional   Sul-1.
Artista Orientador: Sérgio Pupo.

Sobre o vínculo, sobre o início do vínculo.
Contexto: Teatro João Caetano, volta a receber o Programa Vocacional depois de mais de três anos sem turmas ou grupos dentro deste Programa da Prefeitura de São Paulo.
Faz-se necessário uma estratégia para agregar pessoas, formar turmas e finalmente iniciar o trabalho de orientação artística.

O nosso inicio como AO é um lugar-comum bastante conhecido a todos que trabalham com ações culturais de diversas modalidades – ou seja: identificar-se e apresentar-se para os que já trabalham no equipamento público (funcionários, gestores, que muitas vezes estão por lá há anos, possivelmente décadas), ser recebido com mais ou também menos entusiasmo (depende). Neste momento já temos a primeira oportunidade de estabelecer um vínculo bastante pertinente ao trabalho. Pode ser que não seja bom o suficiente logo no começo, ou talvez seja, mas piore depois (depende).

Divulgação feita, chega o momento do “criar vínculo”. Deixemos claro, que é um tiro no escuro, uma aposta, a qual estará sempre em xeque pois, a vida de uma turma, ou seja, seu percurso durante o processo artítico-pedagógico estará sujeito ao atravessamento de complexidades que fogem ao controle de qualquer orientador.

Estamos falando de um programa, que claramente se insere no contexto da Ação Cultural (mesmo que muitas vezes, para todas as instancias dentro da estrutura do Programa Vocacional, não haja consciência do que exatamente isto significa). O conceito de ação cultural com o qual trabalhamos neste breve ensaio, se baseia nas concepções desenvolvidas por Teixeiras Coelho e Paulo Freire, consciente de que há outras concepções, não coincidentes, mas em diálogo. A ação cultural é concebida como um processo que, embora tenha um início claro, específico e contextualizado, não possui um fim estabelecido, nem etapas a serem necessariamente cumpridas. Segundo esta compreensão, o agente cultural gera um processo e não um objeto; ele estimula um processo cujo fim ele não controla e nem pode prever, mas tem a liberdade de inventar. Na conceituação de Teixeira Coelho (1989) a ação cultural deve apostar e investir nas condições necessárias para que as pessoas inventem seus próprios fins e se tornem, assim, sujeitos da cultura. É por isso que a ação cultural atua na interconexão entre cultura, política e organização social. A correlação com aspectos concernentes à educação, (numa dimensão de formação ampla do ser humano) também é intrínseco ao processo de ação cultural, e qualquer tentativa de emancipação dos elementos presentes nesta interconexão, é necessariamente, falta de consciência da natureza da ação da qual estamos envolvidos.

Dentro deste pensamento, a criação do vínculo não é meramente uma propriedade pessoal e aleatória, associada equivocadamente a um tipo de comportamento afável e submisso; é sim uma estratégia de ação cultural, com medidas que se por um lado não são possíveis de se estabelecer de antemão, por outro, exige sim uma postura-ação consequente, fincada na percepção aguçada do momento presente, que se torna ultrapassado e obsoleto a cada segundo. Enfim uma tarefa vã, porém não inútil, certamente.

A criação do vínculo como estratégia de ação cultural, já foi estudado e descrito, muito mais profundamente do que neste ensaio, por Paulo Freire, que percebeu que qualquer conhecimento, seja ele matemático ou poético (ou os dois juntos) depende da compreensão dos elementos culturais das pessoas para quais estamos propondo a ação.
Estamos falando de uma percepção que demora um certo tempo para se estabelecer como um fato palpável e consciente. Seria mentira dizer que a percepção do vínculo se faz no primeiro momento e que com poucos encontros com as turmas que estão se formando (parece que a turma fica “eternamente” se formando, visto que a circulação nos dois sentidos, em geral, não para de acontecer) isto já é concreto – não é. Não precisa ser, pois se trata de um relacionamento, cujos elementos são dinâmicos, e não uma relação, cujos elementos são estáticos. Por exemplo, o meu vínculo com o vendedor de laranjas da feira, com o médico que faço exames periódicos, com o funcionário do banco é uma relação. A minha interação e convivência com a namorada, familiares próximos e com a turma do Programa Vocacional, tem que ser um relacionamento. Neste último, há dinâmica, pois há (ou deveria haver) escuta, ação e reação, sempre em duas vias. Apesar desta qualidade já ter que ser instaurada desde o primeiro momento, ela demora um tempo para se estabelecer de forma consciente e esteticamente consequente. Pois é disso que estamos falando, um processo artístico, estético nos meios e nas consequências.

Este tempo requisitado e defendido neste ensaio, para que se concretize o elemento de ligação do processo, chamado aqui de vínculo, por vezes é vilipendiado e violado, por vários elementos estruturais do Programa Vocacional e do próprio equipamento no qual estamos inseridos, que em geral, por não ter pessoas preparadas para a tarefa da ação cultural, acabam levando esta questão ao limite do possível. Ainda que no meu caso específico, no Teatro João Caetano, tenha sido bastante favorável, esta, decididamente não é a regra.

A artista Vera Salla, escreveu em seu artigo para uma revista do SESC (dez/2002): “Estou irritada e cansada do tempo que o mercado cultural da cidade, através de seus fomentadores, impõe - este não é o tempo real da arte, do processo de criação em arte. As coisas precisam ter uma duração para que se estabeleça em nosso corpo, em nosso cérebro e entranhas. E este tempo não tem tanto a ver se o trabalho (produto final) está pronto ou não – é um tempo realmente cronológico, não relativo. Precisa de muitos meses para que a profundidade que estamos evocando apareça. Chega de encomendas para daqui três meses!”

Precisamos decidir enquanto Programa público, qual a nossa postura em relação a este aspecto do processo, já que para formar o vínculo, precisamos necessariamente gestar o tempo conforme as reais necessidades do processo, exercitando a coragem de afastar as demandas burocráticas e ansiedades institucionais, para fazer o que realmente importa: ações culturais geradoras de vínculos, ações estéticas (toda estética é política), pensamentos e sentimentos que nos façam repensar a nossa relação com o mundo.














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