Ensaio-relato: Encontro com o Programa Vocacional 2015
Artista Orientadora: Suzana Bayona
Linguagem: Dança
Equipamento: Casa de Cultura Palhaço Carequinha
Coordenador: Marcelinho Backspin
Região SUL 3
Esta escrita é uma tentativa, justamente, de me
propor a ensaiar tecer palavras em
forma de relato sobre o meu primeiro ano de encontro com o Programa Vocacional.
É evidente que nomear todas as instâncias que este encontro abarca é tarefa impossível;
até mesmo porque tal tarefa depende do quanto meu olhar e percepção conseguem
alcançar. Considero que em um ano, tal zona de alcance seja ainda bastante
limitada, pois o Vocacional é um Programa vasto, amplo, com uma rede que além
de complexa, é um tanto emaranhada. Vejo arte e política sendo postas em
discussão e feitura móveis, no confronto daquilo que é idealizado, desejado,
viável, possível e de fato realizado a muitas mãos.
A
primeira das primeiras impressões: 04 de maio de 2015, reunião geral no CEU
Aricanduva. Toda a equipe do Vocacional reunida – artistas orientadores de
todas as linguagens, coordenadores, DEC, e nem sei direito mais quem. Chego
pisando leve, num misto de expectativa, alegria, receio, curiosidade. Já nessa
inauguração, recebo muitas informações e demandas. E me deparo com organizações
já formadas, relações, problematizações, vínculos, modos de pensar, processos.
Um volume grande de afetos em andamento. Vou percebendo organizações e demandas
de ordem política. P-O-L-Í-T-I-C-A. E vou sentindo que há muitos desencontros,
faltas, vazios, no espaço entre cada letra que compõe esta palavra. E mais
outra que se junta a ela: precariedade.
As
ações de política pública, com discursos que englobam grandes feitos, exalam
nas brechas do discurso, as suas faltas. Os artistas, com experiência vivida,
em opiniões das mais diversas, jorram intensidades. No espaço entre:
tentativas; eco; encontros; desencontros. Vejo que há muita vontade de fazer.
Há muita restrição. Há muito conflito. O muito e o nada – se batendo um no
outro.
Minha
segunda das primeiras impressões: contato com o equipamento e equipe. Sou
alertada de que a Casa de Cultura Palhaço Carequinha é um lugar difícil. Não
entendo bem o que isso significa inicialmente, mas sem dúvida é uma informação
preocupante. No meu primeiro contato com o local, sou recebida por um
funcionário que exerce uma função intermediária: não há coordenador na Casa.
Não há ninguém ligado à área de cultura, que olhe, pense, cuide, crie conexões
neste local. Tudo que fico sabendo, converge para informações de que o local é
mal aproveitado, a divulgação é difícil, o público é pouco. Nesse ambiente ermo
e desesperançoso, dentre vários contatos que faço, vou até suas vizinhas, o
Centro de Cidadania da Mulher (CCM – Capela do Socorro). Lá sou recebida com
interesse, e sou informada do desejo de um grupo de senhoras em trabalhar com
expressão corporal. Desse encontro de desejos e interesses, firmamos a
tentativa de parceria, que de fato se efetiva na semana seguinte e em todas as
demais semanas do ano.
Do
primeiro encontro – com 8 senhoras – e os que se seguiram, muitas vieram
conhecer, experimentar. Algumas permaneceram, outras só vieram e foram embora,
outras por motivos pessoais não puderam continuar... Numa lista em que
transitaram mais de 30 senhoras, finalizo o processo do ano com 12
participantes em uma turma, e 3 em outra. Na primeira turma, com mulheres dos
50 aos 75 anos (e nos últimos dois meses uma jovem de 17 anos), o foco foi de
investigar o movimento a partir desta nomenclatura “expressão corporal”. Na
segunda, o foco se aproximou mais da linguagem da dança contemporânea, seu
conhecimento técnico em repertórios coreográficos e improvisações.
Como
‘recorte’ para relatar aqui neste breve espaço, vou me deter a comentar sobre o
processo da primeira turma. Justifico esta escolha por ter lidado nesta com um
número maior de pessoas, e pelo desafio de em sua maioria nunca terem tido
contato anterior com a linguagem da dança enquanto espaço de investigação, de
experiência de si em movimento. E mesmo neste ‘recorte’ de relatar apenas uma
turma, farei um outro ‘recorte’, pois são muitas as nuances da experiência deste
encontro com Jandira, Angela, Nea, Stela, Cícera, Nevinha, Natalia, Maria,
Socorro, Nilda, Francisca e Conceição.
O trajeto percorrido foi de
vivenciar de diversas maneiras que em primeiro lugar somos corpo, e que no dia-a-dia, damos pouca atenção ao que
sentimos. Fomos juntas experimentando despertar a sensação do corpo como
camadas – pele, músculo, ossos - e que podemos movimentar o corpo fragmentado
em mil partes. Construímos o entendimento de que cada uma destas mil partes do
corpo tem sua ‘voz’, e que podemos ‘falar’ através do corpo – estas ‘falas’ são
formas de nos expressarmos. E que tudo isso não tem jeito certo de fazer; os
julgamentos e vergonhas eram convidados a ficar do lado de fora da sala, para
podermos deixar o corpo à vontade e livre para se movimentar do jeito que
quiser e puder – mesmo com dores ou restrições – pois tudo isso é respeitado e
cuidado.
Trabalhamos com massagens, jogos,
caminhadas, caretas, uso da voz, toque na coluna vertebral, muitas conversas e
aos poucos as experimentações de movimento foram se tornando mais ampliadas e
‘degustadas’ por elas. Ouvi muitos feedbacks sobre os encontros trazerem
qualidade de vida, bem estar, leveza, diminuição de dores, noites bem dormidas,
e este como um espaço para o auto-cuidado. No encontro realizado em 16 de
setembro, lancei a pergunta: ‘no que está sendo importante os nossos
encontros?’, e recebi respostas como: ‘me sentir eu mesma’, ‘aprendi que o
corpo fala e quero aprender bem mais’, ‘estou aqui para me encontrar’, ‘deixar
o corpo me levar’, ‘me sinto muito bem’, ‘expressar com o corpo todo,
sentimento e emoção’, ‘isso é bom para minha saúde’.
Aos poucos, fomos construindo o
entendimento de que a expressão do corpo, e a nossa expressividade como um todo
pode ser plenamente aproveitada através da arte e suas diversas linguagens –
mas que estamos vivendo principalmente a dança.
Trata-se de um caminho de
iniciação, em fase inicial. Oito meses é um tempo cronológico bastante restrito
para considerar que ‘chegamos’ em um resultado satisfatório. Aliás, me corrijo,
compreendendo que não há lugar de chegada. Mesmo assim, entendo que enquanto
processo, esta é uma primeira caminhada, que necessita da continuidade.
Construímos um espaço de escuta, compartilhamento e desejo de estar juntas, e
me alimento em pensar na possibilidade de continuidade.
Finalizo este processo de estar
dentro do Programa Vocacional em 2015 com contentamento por esta construção
junto das turmas na Casa de Cultura Palhaço Carequinha. Mas também com
respiração curta e dúvidas quanto ao que consigo compreender do Programa em sua
macro esfera. Me sinto ainda ‘chegando’ neste coletivo de artistas tão diversos,
alguns de voz muito alta, e outros calados; com confrontos silenciosos e também
escancarados entre o que se diz e que se nega a dizer. Diante de jogos de força
invisíveis, vou construindo uma habitação/passagem nesse ambiente, observando as
organizações já existentes, os discursos, o que de fato se faz, o que o
Programa prevê e o que ele sustenta para que isso aconteça. Não sinto como
tarefa fácil, nem mesmo confortável. Mas mesmo com desconforto e precariedade, vejo
muitas brechas para construção e para encontros.
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