Ensaio
Vocacional Teatro 2015
Pesquisa-
ação, Artista Orientadora Fernanda Stein
Gostaria
que esse ensaio fosse de outras formas, com fotos, vídeos, fragmentos de
textos, de conversas, de cartas, de diários de bordo, enfim, de outros
materiais, que não simplesmente um texto, que de simples na verdade não tem
nada, para contar qualquer parte, ou experiência, ou vivência, ou não sei que
definição dar ao que foi o programa vocacional e seus encontros.
Este ano no CEU Parque
Bristol, tive a possibilidade de orientar duas turmas, em que poucos
vocacionados tiveram alguma experiência com o fazer teatral (três já haviam
participado do programa anteriormente), alguns inclusive, entraram no teatro
(espaço físico) pela primeira vez, e outros mesmo morando pertíssimo deste CEU,
nunca haviam frequentado o teatro, e ficaram surpresos e admirados ao conhecer
este espaço.
Logo no primeiro encontro
com ambas as turmas, expliquei que o decorrer dos encontros dependeria de cada
um de nós, de nossas vontades enquanto grupo e de nossas contribuições, que eu
não vinha com uma ideia já estabelecida de montagem e que sequer isso teria que
ser uma condição, que o caminhar do grupo diria para onde iríamos e como.
Aos poucos as turmas foram
compreendendo essa proposta, e assim, de passo a passo fomos caminhando juntos,
compartilhando questões, anseios e histórias.
Foi um caminho de
autoconhecimento, de se ver em momentos que necessitavam de mais atitude, ou de
mais recuo, de confiar nas decisões em grupo, de perceber os limites do grupo
para ultrapassa-los (quando me refiro a grupo, eu também me coloco como parte
dele) ou mesmo para entender que naquele momento era até ali que poderíamos chegar
e que tinha sido sim uma grande caminhada.
Os dois processos foram
importantíssimos, cada um teve suas especificidades e optaram por caminhos
diferentes, acredito que por uma questão de horário, acabou se formando a tarde
um grupo adolescente, e a noite um grupo heterogêneo, com adultos e
adolescentes, o que pode ter influenciado um pouco nas escolhas, ou não também,
difícil afirmar ou generalizar os porquês disso.
Nos dois processos, a
escolha dos temas e as pesquisas sobre eles, fez com que cada um refletisse
sobre si mesmo diante do que queríamos dizer, o porquê e o como deveríamos
fazer isso, em vários momentos percebi um certo desconforto em não querer se
expor, ou não saber como fazê-lo, por vezes precisei falar que não existia
certo e errado e que cada contribuição, fosse ela o que fosse, uma imagem, uma
palavra, uma frase, um livro, uma música, um objeto, um conto, tudo seria muito
bem vindo para começarmos a criar nossas cenas, histórias, situações, enfim o
nome que quiséssemos depois chamar.
Nesta busca por referências,
pudemos conhecer melhor uns aos outros, o como víamos determinada questão e o
que considerávamos interessante compartilhar com o grupo, em um encontro, fizemos
uma roda e cada um foi contando um pouco do material que havia trazido, às
vezes havia carinho pelo material, uma música que achou bonita, ou que fazia
parte de um momento da vida, ou que dizia exatamente uma situação de denúncia,
e também tiveram os que não quiseram trazer nada e isso foi respeitado, cada um
no seu tempo poderia ou não compartilhar algo.
Com a turma da noite o tema
escolhido foi “A Invisibilidade” em vários contextos, como na relação familiar,
ou nas mais variadas relações na sociedade, o quanto as pessoas se tornam
invisíveis aos olhos dos outros, seja por diversos motivos, medo, incômodo ou
rejeição de uma realidade com a qual não querem ver e nem lidar.
A turma da tarde, de
adolescentes, passou por alguns momentos em sua pesquisa na busca pelo o que
todos têm vontade de dizer, o que os incomoda, passaram pelo tema do amor ou da
falta dele, da falta de afeto e do cuidado nas relações entre as pessoas, a
banalidade das reações às mais diversas atrocidades.
E pude acompanhar e
participar de dois processos bem diferentes, enquanto uma turma buscava se aprofundar
num tema a outra queria experimentar, experimentar e experimentar.
Como artista orientadora,
sem dividir os termos ou as funções, vi potência nos dois caminhos, tanto que,
em ambos senti vontade que o tempo fosse maior, para descobrir mais e mais sobre
um mesmo tema que nos trazia mil possibilidades de situações (turma da noite),
ou para experimentar outras formas e meios e assuntos, mesmo que voltássemos
para o ponto de partida como aconteceu (turma da tarde).
É estranho ter que usar como
referência para distinguir as turmas, os períodos tarde e noite, pois quando
penso em cada uma, imediatamente, lembro do Aguinaldo, da Clarice, da Gisele,
da Aicha, do João, enfim, de todos que participaram do Vocacional e que fizeram
destes encontros e do CEU Parque Bristol, um lugar melhor para se estar.
Vejo então essa distinção,
como uma abreviatura necessária para escrita e leitura deste ensaio, e agora um
pouco menos incomodada posso continuar. Tivemos a possibilidade de fazer um
festival de artes neste CEU, o que nos permitiu a excelente oportunidade de
conhecer melhor os artistas da comunidade e estes a nós. Foram três dias de
muito trabalho e de muitos encontros, nós, artistas orientadoras do Vocacional,
nas linguagens teatro e dança (AO Juliana Melhado) e a nossa coordenadora de
equipe Daniela Schitini, trabalhamos intensamente para que ele acontecesse e
tivemos a colaboração e apoio da gestão para isso, o Festival poderia ser
assunto para um outro ensaio, então nem vou entrar na análise deste e seus
desdobramentos para o Ceu Parque Bristol, e para o Programa Vocacional neste
local e até fora dele.
O que posso dizer é a que a
oportunidade dos vocacionados apresentarem nele em outubro, e assistirem outras
apresentações foi muito positivo para os processos, e então se firmou o querer
continuar em um caminho de um lado e o se desviar dele do outro. Assim, com a
turma da “Invisibilidade” tudo foi ficando mais claro, e as escolhas se deram
ainda mais em torno do tema, já com a turma da tarde, a euforia de apresentar
fez com que quisessem montar um musical, e foi uma avalanche de vontades, e
depois um banho da difícil realidade em todos os sentidos, a começar pelo pouco
tempo que ainda tínhamos para nos encontrar.
Turma noite “A
Invisibilidade”
Tema espinhoso, ao pensar
nas situações, ao ler as histórias, os contos, as experiências, houve muita
emoção e envolvimento, e também tornaram-se visíveis as participações de cada
um dentro do processo, o comprometimento e a disponibilidade para reflexão e o
fazer.
As ideias para as cenas surgiram
a partir de nossas conversas e pesquisas, foi uma mistura de opiniões e
sensações a respeito do tema, e então, depois de decidido quais situações
queríamos mostrar, passamos a pensar juntos no desenvolvimento da dramaturgia.
Houve dúvida, desconforto e
receio em alguns momentos, porém o grupo conseguia manter leveza e harmonia, e
as cenas foram sendo construídas e os apontamentos se encaixando. Nós nos
ouvimos muito, sem esforço, olhar atento no outro, as discordâncias ocorriam,
mas a escuta contribuía para resolver as questões, e assim o grupo foi
caminhando, com entradas e saídas de pessoas, que também, por muito ou pouco
tempo que ficaram, deixaram um pouco de si, e sentimos essas saídas.
Entre os vocacionados,
percebi olhares de admiração de uns para os outros, amizades serem construídas,
e apesar de finalizarmos nossos encontros, sinto que o processo se apresentou,
mas não terminou.
Turma tarde “Amor e falta de
afeto”
Depois de constatarmos que o
musical seria inviável, voltamos ao tema inicial da falta de afeto, do amor e
do preconceito.
Se for lembrar por tudo o
que passamos, “Romeu e Julieta” de Shakespeare, o conto “Áudio e vídeo” de
Marina Colasanti, as músicas trazidas, os contos, enfim, foram muitas vontades
e energias intensas, às vezes parecíamos estar perdidos, e me coloco nessa
sensação, e então novamente vinha uma avalanche de ideias, às vezes parecia que
o grupo esquecia da sua trajetória, que precisávamos de algo para partir, e
então, nessa busca pelo novo, voltamos ao tema inicial, e quando vimos ainda
falávamos sobre as mesmas questões, e resolvemos, apesar das idas e vindas,
continuar no mesmo tema, que insistia em voltar ou a gente que insistia nessa
volta?
Tivemos no último mês, a
chegada da AO de dança, Juliana Melhado, o que foi um ganho imenso para o
grupo, tanto que parece que ela esteve junto conosco desde o começo, foi
recíproca a disponibilidade para o trabalho com a sua entrada no grupo, e as
propostas novas, foram recebidas como um desafio bom de encarar. A parceria que
fizemos, nos mostrou que a sintonia que tínhamos nas conversas sobre os nossos
processos artísticos poderia ser frutífera também na prática, e que essa união
poderia ser estudada como uma real possibilidade futuramente.
Os improvisos das situações
foram propostos por cada grupo desta turma, a maneira como eles perceberam
essas questões e o como se apropriaram disso nas criações de cenas, mostram
muito do que pensam e do como gostariam de verem resolvidas essas situações na
realidade, e assim, tornar aceito e belo o que é visto como diferente, ou fora
dos padrões da sociedade, vencer o que parece invencível e ridicularizar o
preconceito.
Difícil colocar em algumas
palavras tudo e todos, acredito que não consegui, devo ter sido injusta ao
deixar alguns momentos de lado, mas por hoje é o que escolho, assim como por
esse período, nos escolhemos enquanto grupo de pessoas que quiseram compartilhar
um processo artístico.
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