DANÇA | CEU Caminho do Mar | Cristina Ávila
sobre partir do epílogo, PORQUE ASSIM COMEÇO TENTANDO COMPREENDER PARTES E TERMINO COM CRIAÇÃO
As materialidades foram múltiplas. A relação entre processo e resultado, discutida largamente no programa Vocacional, parece se esclarecer pra mim num lugar que não é de meio termo, mas de projeção daquilo que ainda está no campo do desejo: sim, que o processo seja vital e sim, que o resultado não seja mais do que o fruto desse processo. Mas que haja espaço para que este resultado seja depurado largamente, para que a maturação dos processos nos corpos e nos entendimentos possa ser mais profunda. Talvez seja inerente à criação estar sempre incompleta. Mas a sensação recorrente de terminar quando ia começar permanece em mim como estado suspenso de criação.
.......
Com relação às escolhas estéticas, como visualizar o que está pré-definido (por nós) sem que saibamos? O que é vício de criação meu, deles, de nós como conjunto? O que é repetição do Programa Vocacional como conceito e forma? O que é revisitação? Como escapar de uma pseudo-necessidade de reinvenção absoluta e, ao invés disso, ampliar as conexões entre os infinitos fios da arte e sua conexão com aquilo que na vida grita em nós? O que nos interessa e desloca?
.......
Neste ano a equipe se encontrou de modo irregular porque mais uma vez parte das segundas-feiras foram convertidas em assembleia. O constante paradoxo (talvez não tão paradoxal assim) entre focar no trabalho direto com os vocacionados ou focar nas necessidades de mobilização para que justamente este trabalho não mergulhe no poço sem fundo da falta de estrutura, falta de respeito, falta de condições, falta de entendimento, falta de valorização - até chegar na inevitável falta de existência. A segunda opção me parece a única possível e, assumidas as perdas, assumimos portanto que perde-se boa parte da possibilidade de real articulação da equipe. O quanto isso seria de fato transformador para os processos com as turmas é algo que só saberíamos se tivesse acontecido, mas intuo que poderíamos beber mais dessas inquietações cruzadas.
sobre expectativas e
des-re-construções, porque DOS CORPOS IMPREVISTOS
- aos sábados -Pra começar, foi desapego do processo marcado do ano passado. Coisa que não precisaria (?) fazer parte deste relato. Mas é como dizer algo sobre expectativas em torno dos corpos pulsantes, femininos e explosivos do tempo anterior, e que ainda eram marcas nos desejos de agora, mas permaneceram em algum lugar mais intuitivo do que presente.
Então o estado recorrente
da "dinâmica vocacional" (volátil? móvel? inconstante? transitória?
flexível?) me entrega para um espaço com outros e novos encontros. Recomeçar um processo em dança que não se pretende
tecnicista, porém técnico, que pretende ter o corpo como protagonista, porém
por meio de um protagonismo compartilhado com aquilo que o preenche - e seguir
o fluxo contínuo do corpo que pede a preparação, que por sua vez (in)determina
o corpo, que então reconstitui a preparação-estudo-entendimento. Alguma coisa há de mudança em mim-artista e,
caminho inevitável, a mesma transição há nesse espaço que é de outra pesquisa,
mas não tão outra assim.
Por dentro do
entendimento de que estava em um outro começo, partir para a dinâmica de
procura dos possíveis movimentos para o movimento. Em princípio, algumas
escavações tão fragmentadas, como incoerentes, como cruzadas (ainda que
posteriormente): → O outro lado de
Saramago. → Um Abujamra deslocador dando voz a Mude, de Edson Marques. → Corpos voltados para lentes de celular
que captavam recortes. → A alteridade como possibilidade de existência e ação.
Parênteses 01. Mini relato. Em experimento do início do ano, uma das vocacionadas desenvolveu um trajeto pelo espaço, levou o corpo para o chão, deitou-se com uma leve suspensão de uma das pernas e pausou. Por mais de 40 minutos permaneceu assim, em movimento latente. A turma em volta. Em silêncio, inquieta, depois quieta, depois com interferência, depois dispersa, depois atenta. Essa presença constituiu ali um momento ímpar de integridade. Fecha parênteses 01.
A cada semana
diferentes perspectivas. Outros corpos. O tempo da
escavação é quase mais longo do que o tempo que resta quando alguma pedra é.
Pedra. Uma que quase por acaso saiu de uma
das mochilas vocacionadas e veio para a cena com aspecto de intromissão. A
pedra tão solta quanto colada ao corpo disparou, na sua aparente imobilidade,
os primeiros espaços de conexão entre tantas informações até então
multiplicadas. Pedra sobre o abdômen. Ar
sob a pedra. O corpo expande e recolhe o minério nada imóvel. Na
sutileza dos últimos instantes de uma cena que não mais retornou, estava o
ponto encontrado de continuidade.
A
partir de então tínhamos, parece, encontrado uma tríade que nos acompanharia ao
longo de todo o tempo que restava desse percurso: O corpo, a cena e a pedra. Todos, de um modo ou de outro, como
metáfora. Movimento e pausa, cheio e vazio, som e silêncio, aparência e tudo o
que está por trás, por dentro e ao redor dela. As aparentes oposições trazidas à tona a partir
da mobilidade habitada na pausa.


Parênteses 02. Assumi este ano uma
escolha/desejo/identificação com uma outra forma de expressão artística: ainda
que diretamente conectada aos corpos - e portanto à dança - sugeri que nos aventurássemos
(de modo mais intuitivo do que com domínio técnico) por uma conexão com as artes visuais. Sugestão aceita,
e que encontrava eco em práticas paralelas que alguns vocacionados já
desenvolvem. Já no início do processo tínhamos experimentado olhar para os
corpos por meio de recortes de fotografias de celular. De alguma maneira esse
material ficou suspenso no tempo e a experiência retornou com olhar focado para
o cheio e vazio de nossas pedras em movimento. Foram compostos materiais em
vídeo e foto (tanto em práticas conjuntas como em pesquisas individuais pelas
ruas, casas e ambientes diversos de cada vocacionado). Como dar vazão a este
material e fazê-lo penetrar nas danças? A pausa de 40 minutos de uma das
vocacionadas meses antes, relatada entre
parênteses acima, parecia nos responder: uma exposição/instalação de corpos e imagens
configurada como prólogo no saguão, além da edição de um videodança que
interferisse na cena do palco trazendo para a dança as pedras dos outros
espaços habitados. Parte dos vídeos e fotos transformados em mídias projetadas
em celulares e tablets. Fotos impressas interferidas por colagens, cores,
reconfigurações. O corpo compondo em pausa.
Fecha
parênteses 02.
Escolhido
esse eixo (mais por interesse do que por formalidade - ou acreditei que foi assim), partimos para a observação, o
experimento e a construção daquilo que nos preenche e nos esvazia (que às vezes
são respostas diferentes; outras, é uma resposta só, mas vista por um ou outro
ângulo). Nessa escavação buscamos investigar individualmente, afetar-se uns
pelos outros, achar espaços internos e
responder com o corpo. Buscamos um pouco de sol forte e poeira, para que a
aridez fosse também constituinte de um processo de mobilidade a partir daquilo
que seca. Há na turma quem pinte, fotografe ou escreva. Houve textos
transformados em áudio que viraram base para a trilha sonora. Talvez, de alguma
forma que não tínhamos tanta clareza, estávamos buscando que as danças se
expandissem.
Chegamos em (C)Aos
seres que vibram, depois daquele corpo-instalação em junho que respirou por 40 minutos e que me fez
pensar, olhando pra ela, que "não há pausa, há resistência". Quem dançou
aos sábados pulsou um trabalho tão seco quanto suado, vibrante nas raízes,
ainda que com tudo para aprimorar.
https://youtu.be/pb86xmqbkJM (videodança
(se é que se pode chamar assim) exibido dentro do trabalho)
https://youtu.be/YQeCV5ycrL0 (video-citação (se é que também se pode chamar assim)
exibido após o agradecimento. Não se trata exatamente de parte integrante da
dramaturgia, mas de citação que nos interessou dado o atravessamento da lama
criminosa em Minas Gerais)
→ nenhum dos vídeos apresenta créditos porque estavam
inseridos no fluxo do trabalho cênico.
das afinações de ideias e muitas gentes, porque DAS METAFÍSICAS NEM SEMPRE MUITO CONSCIENTES, MAS ÍNTEGRAS
- às segundas-feiras -
No retorno do
trabalho que desde 2010 busca estudar o encontro entre dança e teatro no CEU
Caminho do Mar, minha parceira de orientação e eu conversamos sobre o desafio
de não repetir os modos de trabalho do ano passado, mas sim, investigar novas
fusões possíveis.
A turma sempre tão grande. Por
onde começar com energias tão diversas sem massificar o trabalho? Como dar
vazão às compreensões individuais, ainda que no trabalho coletivo, retornando
sempre à questão sobre o que é o grupo e quais são os seres que o compõem?
As ações e a ideia de presença nortearam os primeiros encontros. As longas (e por vezes acaloradas) discussões sobre questões fundamentais do mundo lá-fora-cá-dentro estiveram presentes com regularidade e importância fundamental no desenvolvimentos dos processos. Da maioridade penal aos abusos de poder, da coerção por parte da polícia aos preconceitos todos, do machismo aos espantos porque é possível que seja de outro modo, das alienações às posturas firmes e intensas. Os embates de ideias foram muitos e, direta ou indiretamente, conduziram os corpos para experimentos que faziam emergir questões que talvez nem fossem percebidas num primeiro momento. O jogo ganhou contornos fragmentados. Estavam corpos, ações e discursos em jogos contínuos de composição e recomposição que revelavam o que estava por vir.
Algo sobre ser.
Sobre o que nos constitui como humanos entre fragilidades e contradições. Algo sobre o ser e sobre a arte, tão sujeita às variações
de leitura, aos riscos das obviedades, às possibilidades de explosão de sentidos.
Onde
está o encontro da dança com o teatro? Este
ano, me parece que, numa preocupação mais dissolvida com essa questão (embora
não como uma escolha prévia), mergulhamos numa composição de cenas onde aquilo
que era necessário estar, estava. Mais do que o estudo de um material cabível na
definição ampla de dança-teatro, estivemos buscando impulsos para olhar para o
formato depois. Isso
não é necessariamente uma apologia a esta quase-opção, nem um problema; é uma
questão.
Veio de uma
experiência (desdobrada em meia dúzia de versões) uma cena composta em pausa em
torno de um olhar que conversa com a plateia apenas por estar. Semanas de reexperimentos,
até que veio de um vocacionado a Tabacaria
de Fernando-Pessoa-Álvaro-de-Campos. Na voz de Abujamra. Por dentro dessa cena.
Por quase 10 minutos. A voz em off, e estas palavras, e o palco desenhado pelos
corpos que paravam. E olhavam. Também só saberíamos no final de tudo (que ainda
não chegou), mas talvez tenha estado aí a raiz que amarrou o que vinha antes e
depois, ainda que tenham sido células surgidas por caminhos diferentes.
Dramaturgicamente,
os fragmentos continuavam presentes. No aprofundamento, as provocações para que
o trabalho extra-CEU existisse. O que se estuda, o que se assiste? Quem leu o
poema denso e longo? Quem pensou sobre ele? Quem se reconhece em alguma dessas
fagulhas? Qual o tempo de depuração para que
algumas coisas assentem e signifiquem? Quando e como fará sentido? A presença
dos corpos me dá pistas destas respostas.
São Paulo, Jabaquara, CEU Caminho do Mar | dezembro de 2015
Marcadores: CEU Caminho do Mar, Cristina Ávila, Dança Vocacional
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial