sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Memórias inventadas em um lugar de risco



 “É algo como reconhecer-se em uma lembrança alheia.
Tentar lembrar e não saber ao certo do quê.
E é também inventar o que poderia ter sido.”





Costura



O percurso desse ensaio se realiza no intuito de revelar aspectos de uma poética de trabalho, uma tentativa de costurar a realidade e a ficção em um mesmo bordado, costurar segredos e memórias em um lugar de risco.
O trajeto de risco com os vocacionados se inicia a partir da necessidade de revelar as próprias experiências, descobrir a potência artísticas de suas histórias e memórias, brincar com os segredos inventados dentro de um mundo tão real.



Costuramos nossas memórias em um lugar de risco,
para revelar nossos corpos,
que estão a procura de um lugar para voar.”

E para voar, vasculhamos nossas caixas, nossos vazios, objetos e segredos, para recriar novas possibilidades de habitar esse lugar que chamamos de realidade e assim criar uma poética de si.
Inicia-se em mim, artista orientadora, uma necessidade/tentativa de costurar conversas, silêncios, olhares, abertos e reticentes, para instaurar algo próximo de uma experiência que tenha fluidez, com poucas interferências e com mais silêncios.
E no jogo do telefone sem fio surge um segredo coletivo: A necessidade de ser aquilo que eu possa “reinventar”.

Vazios

Ela reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios

 são maiores
e até infinitos.

Manoel de Barros



Durante os encontros surgem inquietações sobre o espaço físico do teatro, o que mora lá em cima, nos lugares que o publico não vê? Então exploramos.
Recortamos nosso olhar, distanciando e aproximando. Vasculhamos todo o corpo do teatro e escolhemos o que apreciar. Acoplamos nossos corpos no aço, na madeira, nas cordas, tecidos, respiramos.
Transitamos entre os vazios internos e externos do nosso corpo-espaço e contemplamos:

O vazio as vezes gosta de mudar de lugar”
Gabriel (artista vocacionado)

A partir dessa experiência os vocacionados caminham nomeando os espaços; lugar onde sou afetado: plateia, lugar onde revelo minhas inquietações: palco, lugar onde costuro meus segredos: cantos estreitos, passarelas acima do palco, coxia, camarim, corredores. Ao vasculhar esses cômodos “não vistos” o espaço para as memórias ganham novos sentidos. Descobrimos o lugar de risco onde as memórias inventadas habitariam.


Mapa-diário




E para habitar esse lugar sugiro a criação de um mapa-diário, para dar forma ao nosso modo de ver e sentir, para guiar, localizar, traçar rotas, encontrar caminhos e as vezes, perde-se. É um mapa que será preenchido a partir dos nossos encontros, das nossas memórias inventadas, dos lugares de risco que habitamos. Uma escrita de si mesmo.
Criamos instruções para se colocar em risco:



1 Instruções para ocupar um espaço:



Olhar de longe para ver sua profundidade, olhar de perto para ver seus detalhes. Demarcamos o espaço, com fitas, linhas, giz, e seguimos renomeando os espaços escolhidos, os espaços que nos afetam e os espaços que não quero entrar: Lugar para ser (palco), lugar para se inquietar (plateia) lugar para voar (amplo e infinito com profundidade), lugar para olhar ( de cima onde não sou vista).
E a partir dessas escolhas, os vocacionados criaram seus espaços afetivos, onde ali, eles iriam se recontar e se desamarrotar.

2 Instruções para deixar vestígios:




Para deixar vestígios vasculhamos nossa memória, escolhemos objetos e palavras que deixaríamos pelos espaços escolhidos. Em um dos encontros deixo os vestígios de um segredo que tenho para contar, são cartas, fotografias, palavras, linhas e espelhos, e peço para que os vocacionados caminhem pelos meus vestígios e conheçam meu segredo.
A partir dessa intervenção os vocacionados começam a trazer seus vestígios para os encontros e dar significados a eles. O segredo começa a se revelar.

3 Instruções para contar um segredos:



Mas para contar esses segredos escolhemos não revelar sua veracidade, inspirados pelo documentário Jogo de cena do Eduardo Coutinho.
Então nesse jogo, convidaremos o observador a participar das nossas memórias inventadas em um lugar de risco, onde nem mesmo nós saberemos se é realidade ou ficção. E com isso surge uma inquietação: O que é realidade?

4 Instruções para costurar as memórias:



Eu, artista orientadora, escolho não interferir na costura dessas memórias. A narrativa de cada segredo vai se configurando a partir das vontades de cada vocacionado. A cada encontro a narrativa se transforma, flui com a presença, com as inquietações que despertam. E sem ter a necessidade de selecionar nada, a narrativa, o texto falado, improvisado, escolhe naturalmente o que quer realmente dizer.


Lugar de risco

Que lugar é esse?
Nosso lugar de risco não é apenas o CEU São Carlos, são os lugares por onde
caminhamos, e principalmente o lugar que escolhemos para revelar nossos segredos.
E esse lugar de risco nos inspirou a escrever em nossos diários. Coloco aqui alguns textos que nasceram durante o processo.



Vou contar um segredo, vou criar minhas próprias regras:
- Pise com poesia
- Olhe como música
- Sinta como quiser
Mas se for pra se aconchegar deixe sinais que esteve aqui,
aqui não é qualquer lugar, sou eu por dentro...”
(artista vocacionado Gabriel Amaral)



Num dia de risco ou de calor
Estaremos lá
Entre aids, palhaço e segredos
Estaremos lá
Matando formiga ou vendo um estranho no espelhos
Estaremos lá
Pisando com poesia e sentindo como quiser
Estaremos lá
Com Neymar, Carla Perez e até mesmo o Papa
Estaremos lá
Com preguiça ou não
Estaremos lá
E caso alguém falte a saia vai rodar
Com saída de uns e Canadá de outros
Estaremos lá
Entre laços, parto e muito segredo compartilhado
Pode ter certeza que estaremos lá
(artista vocacionada Fernanda Meirelles)

Conto um segredos
Silêncio
Danço nos meus espaço
Silêncio
Traço um risco no chão
Silêncio
Me movo em muitas direções
Silêncio
Coleciono papéis, fotos e emoções
Silêncio
Faço papéis de aviões
Descanso


Pequeno papel frágil onde está?
Tu és resguardo de sonhar
Amarrotado e andar
Sempre rasgado por sentir
Pequeno papel frágil desdobrar
O que é pecado e sangrar
Com os que sangram e lembrar
Que o papel voa se deixar...
Mas o que é sonhar?
Tu tens meus segredos
Mas não descobriu o que é voar
E eu com meu medo cego de desbotar
E você não descobriu o que é voar.
(Artista vocacionado Gabriel Amaral)

Fui procurar o significado da palavra realidade.
Perguntei para o google e ele me disse
- O que é real, fato, existe.
Perguntei para a minha mãe:
-Para de frescura e vai olhar seu irmão!
E então inventei a minha definição:
- Realidade é um teletransporte, que te tira do mundo dos sonhos
para te mostrar algo que as vezes não é tão bom assim.
(Artista vocacionada Fernanda Meirelles)


Instruções para a Artista Orientadora

Inspirada pela escrita dos vocacionados, crio um diário para que eles possam dar instruções para essa artista orientadora.


Instruções do Gabriel:
- É realmente necessário ser uma artista.
- Olhar descalço.

Instruções da Ana:
- Olhar com carinho nosso trabalho.
- Ter estratégias e coragem.

Instruções da Damaris
- Nunca seja professora, odeie dar aulas.
- Mostre que a arte liberta.


Instruções do Rodrigo
- Seja a Brizolla
- Oriente para a morte e para a vida

Instruções da Rirally
- Que no mar dos desorientados, você seja o mapa,
e navegue e voe acima das criações.

Instruções do Davi
- Alimente
- Nos ajude a costurar nossas ideias

Instruções da Fernanda
- Tenha um nariz vermelho

Essas instruções foram me alimentado durante todo o processo. Esse lugar de risco se tornou um espaço de afeto, de costurar realidades e ficções, segredos e memórias.
E estar no Vocacional me faz provocar e ser provocada a localizar, traçar rotas, encontrar caminhos e as vezes perde-se completamente, porque o processo é um organismo vivo, não chega pronto. E quando sinto que me perco nesse processo, o espaço, o vazio, convida meu corpo sutil a ter mais presença e percebo que:

Sou pulso fora do tempo
Sou passos que se procuram no caminho
Sou ritmo que se perde
Sou espaço que se rende no vazio”

E não estar pronta é um vazio necessário, que me provoca a olhar para mim, para o outro e para o mundo. E quando olhamos, encontramos caminhos para produzir meios de ressoar as nossas expressividades, seja da forma que for, papel, agulhas, linhas, fotografias e silêncios. Lugares que mesmo de risco, costuramos nossas coragens, para revelar nossos corpos que estão a procura de um lugar para voar.





Artista orientadora teatro : Janaina Brizolla
Equipe: Leste 2
Equipamento: CEU São Carlos





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