O trabalho coral como estética e a poetização dos espaços na construção da dramaturgia.
Ensaio- Teatro
O trabalho coral como estética e a poetização dos
espaços na construção da dramaturgia.
O coro
é re-existir. O coro é a revolução.
O coro
tem vontade de enganar a Velha Era
(...).
O coro são os que estão por baixo, lutando
contra
os que estão por cima. O coro é de dentro
pra
fora. O coro é o direito à preguiça. O coro é
viver
do que se gosta.O coro é mutirão. O coro
é
ginga, rebolado. O coro é isso aí, bicho. O coro hasta siempre.
O coro
é desafinado. O coro é desafio.
O coro
é ação = CORAÇÃO. O coro é ir
e
re-voltar. O coro come o couro. O coro
engorda
e faz crescer. Tome coro!
Coristas
do mundo inteiro, uni-vos! O coro comeu o corifeu. O coro
não
cora. O coro canta e desencanta.
O coro
canta, mas sobretudo entoa.
O coro
não decora. O coro atua. O coro é colorido.
O coro
chama. O coro é delírio, lírio,colírio.
O coro ta nas bocas. Ai, ai, ai, o coro não
tem pai.
Os coristas também amam.
O coro morde. O coro é pura sedução.
Zé
Celso Martinez Corrêa
Neste 2015,
pelo segundo ano consecutivo realizo a orientação artística na Biblioteca Alceu
Amoroso Lima , como o grupo Limões do Amoroso, que no ano anterior , realizou
uma instalação cênica no mesmo equipamento, à partir de novos procedimentos
artísticos que investigava composições
poéticas do corpo, à partir de figuras urbanas, culminando em pequenos
instantes onde a potência da dramaturgia estava nas imagens , na plasticidade
das cenas, criando um estreito diálogo com as artes visuais.
Para dar
continuidade, a essa investigação artística, neste ano propus ao grupo, com a
entrada de novos integrantes, que realizássemos um trabalho coral, que
integrasse os novos artistas Vocacionados, e que as propostas de cenas dialogassem com esse coletivo, que criássemos
um jogo onde todos fossem atuantes, onde o protagonista fosse o coletivo.
E a segunda
motivação, seria explorar essa investigação por todos espaços da Biblioteca
Alceu Amoroso Lima. Para esse ensaio ,
algumas questões serão investigadas :Como desenvolver um trabalho Coral entre os artistas vocacionados?Qual a
função do coro? Como trabalhar em Espaços –Não convencionais,Como criar esse
dialogo com os espaços?Em que medida ele os espaços são os propositores do jogo teatral ?
Uma Escolha pedagógica
No ano anterior, foi uma tarefa bem difícil desenvolver um trabalho coletivo pois os
integrantes estavam muito preocupados no seu desenvolvimento individual, havia o entendimento apenas parcial, poucos se interessaram pelo todo, o
foco era somente o si mesmo, um ego centrado no bem atuar, numa busca por
reconhecimento individual, em detrimento de algo que se constrói no trabalho grupal,
que é o cerne do Teatro Vocacional.
Por isso, em 2016, a minha escolha
foi trabalhar com o coro, como ferramenta pedagógica, na construção de
aprendizados que enriquecesse a experiência artística de todos integrantes.
Que o
trabalho coral seria o suporte para o pensamento estético a ser realizado, para
isso, como um treinamento os Vocacionados foram convocados a experimentar toda
sorte de exercícios onde o Coro, tinha um papel protagonista na cena, na
construção de imagens, de paisagens visuais e sonoras; Estas só aconteceriam se
o entendimento do trabalho coral acontecesse na sua plenitude. Portanto, não
dependeria apenas de habilidade de um integrante, mais do esforço conjunto na
construção de uma poética que foi se instalando no decorrer do processo
criativo.
Outro ponto a
ser ressaltado sobre o trabalho Coral, é que ele proporcionou um espaço
inventivo na criação, onde todos poderiam se lançar com liberdade e prazer nas
cenas, porque o coletivo autorizava essa experimentação, os riscos eram
minimizados, e todos se sentiam autorizados a mergulhar na linguagem teatral,
mesmo aqueles pouco familiarizados com a cena, seja pela timidez, vergonha,
medos, e todos os bloqueios físicos e psicológicos que interferem na realização
da cena.
Ao longo de
seis meses desse processo investigativo, o trabalho coral tornou-se o centro da
pesquisa estética, todas as propostas foram realizadas em coro, todas as ideias
de cena, foram experimentadas em vários formatos, com várias versões, e o grupo
escolhia qual a melhor versão seria selecionada, essa prática colaborativa, fez
com que o grupo se fortalecesse, todos em um rodízio a cada semana, se
exercitava com pequenos núcleos, dentro do próprio grupo, assim afinidades
foram crescendo, e a tolerância com as diferenças foram sendo acolhidas,
ouvidas, era uma regra, todos precisam trabalhar com todos, era fundamental
incluir, para cena acontecer. Dessa
pesquisa teatral, culminou o experimento cênico Prisma-te.
Na cultura, o sujeito
é singular, mas depende do outro (da
alteridade) para
apreender na diferença sua identidade.”
Antonio
Candido
O significado do coro no Teatro
Vocacional
" Se o
ator é essencialmente um artista que manifesta em seu próprio corpo a sua arte,
ele não pode ficar alheio "ao
outro" acreditando apenas em sua própria capacidade inventiva, É somente
através do contato com o "outro" que ele tem a possibilidade de se
tornar verdadeiramente um criador e o jogo improvisacional é o lugar ideal para
que esse exercício da alteridade se dê plenamente" pag 33 ( Campo de Visão-
Exercício e linguagem Cênica, Marcelo Lazzarato, Editora FAPESP)
Partindo dessa premissa, comecei os trabalhos
com os Vocacionados com exercícios que explorassem essa dimensão de observar o
outro, de descobrir a movimentação desse coletivo que se construía a cada
encontro.
E uma
infinidade de exercícios foram propostos com finalidades diferentes , ora criar
uma liberdade de se expressar livremente nesse coro, apenas seguindo impulsos
naturais , outrora seguindo estímulos musicais, nesse primeiro momento apenas o
prazer de atravessar os espaços, de ser seguido e para depois experimentar a
sensação de seguir o outro, todos passaram por essa ideia de conduzir e se deixar
ser conduzido.
Para cada
encontro, foram pensados exercícios específicos para o entendimento desse
trabalho coral. Algumas etapas foram pensadas para a construção desse saber,
para mim, essa questão de valorizar nesse momento inicial de criação e
descobertas, o coletivo , deveria se sobressair, ser o eixo central da improvisação.
Assim, todos
os jogos foram de construções de imagens coletivas, de toda ordem: ou seja,
geométrica onde o grupo em um curto espaço de tempo e sem combinar e silêncio, precisavam construir
círculos, quadrados, triângulos, filas , letras S,X, V, U, L, ou uma cruz, ou
um bicho qualquer, um dragão, um cavalo alado, uma máquina de lavar roupa, uma
paisagem, enfim cada imagem só se concretizava quando todos com os seu corpos
estavam engajados para a realização da mesma.
Desse jogos
foram suscitando o prazer de se jogar em grupo, de construir imagens,
sonoridades e paisagens cada vez mais complexas, onde fomos colocando camadas
mais densas para a construção de um vocabulário imagético onde todos poderiam
acessar, e que fossem comum e ao mesmo tempo fomos construindo uma movimentação
corporal de maneira lúdica, onde o coro
foi assumindo de acordo com as cenas, imagens líquidas, como oceanos, chuvas,
rios, mares, ondas que invadiam a cena, e também como imagens fortes, como
terra, terremotos, fogo,chama,vendaval, enfim toda essa pesquisa lúdica deu uma
qualidade corporal para o coro, que prontamente foi incorporado para realização
das cenas que tinham nessa etapa da criação um caráter alegórico.
Seguindo a
concepção do Teatro grego, e para o
historiador H. D. F. Kitto argumenta que a própria palavra
"coro" nos dá indicação sobre a sua função nas peças de teatro da
Grécia antiga: "O verbo grego choreuo, eu sou um membro do coro,
tem o sentido de 'eu danço'. A palavra ode não significa algo que seja
recitado ou declamado, mas “uma música”. A orquestra, na qual um coro
atuava é, literalmente, uma pista de dança". A partir daqui, pode-se
inferir que o coro dançava e cantava poesia.
A Função Narrativa do Coro
A terceira
etapa do desenvolvimento desse trabalho coral
foi dar a dimensão narrativa que o coro tem dentro de uma dramaturgia
que ia se constituindo a cada encontro, assim a cada cena alguém vivenciava o
papel do Corifeu, que tinha a função de conduzir esse coro , que foi assumindo
cada vez mais o papel de protagonista da ação dramatúrgica
"Em poesia que é
voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio."
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio."
A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.”
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.”
(Manoel de Barros
)
Poetizando os Espaços
"O
seu olhar agora/O seu olhar nasceu/O seu olhar me olha/O seu olhar é seu/O seu
olhar melhora/Melhora o meu"
Arnaldo Antunes
Essa
foi a proposta que lancei para o grupo, que olhássemos de uma outra maneira,
investigasse possibilidades cênicas diversas , para aquele prédio que possui uma arquitetura
funcional, pensado para ser uma Biblioteca, e não um espaço cultural.
Assim era preciso estabelecer um relação com essa arquitetura, um dialogo criativo com o espaço, ressignificado escadas, corredores,rampas, banheiros, jardins, ao passo que esses lugares foram ganhando uma dimensão poética com a cenas.
Os Artistas Vocacionados foram
transformando esse espaço frio, pleno de concreto e grandes janelas, em um
lugar polissêmico, rico de possibilidades cênicas.
Esses
espaços foram se transformando como propositores da cena, eles serviam ao mesmo
tempo como cenário real e também como elemento fundamental para a dramaturgia
que ia se constituindo a cada encontro.
Ao
longo de 7 meses de investigação e um vasto material de pesquisa teatral
levantada, o grupo percebeu que o público deveria ser conduzido pelos espaços
cênicos, esse deslocamento era fundamental para a proposta de encenação do
experimento teatral Prisma-te. Onde o lugar do espectador pelos espaços era
fundamental para compreensão dessa dramaturgia.
Espaço como Metáfora
Na
composição final do experimento cênico Prisma-te , a dramaturgia do espaço
estava incorporada na construção semântica do discurso estético. O conceito
poético onde os seres humanos caminham para um lugar de indiferença, apatia, de
insensibilidade, mecanização dos afetos,para completa desumanização e
alienação dos seus sentimentos.
Para
compreensão dessa estética teatral, o lugar do espectador, foi minuciosamente
pensado, pois à partir do ponto de vista em que ele assistia o trabalho, seu
lugar colaboraria para essa tessitura que estava sendo engendrada, com poemas
de B. Brecht, trechos da prosa poética de Guimarães Rosa, José Craverinha,
Viviane Mosé.
Vários
deslocamentos espaciais foram organizados, como uma jornada regressiva desses
humanos que desaprenderam ou esqueceram a importância do outro, para sua real
compreensão do que é de fato humano, assim imagens, fatos, palavras,
músicas,poemas,silêncios eram evocados para essa costura dramatúrgica.
O
espaço deixa de ser cenário, enfeite
decorativo, e ocupa o lugar de composição real da cena teatral, transcende a
arquitetura funcional , explode os sentidos figurativos, e torna-se metáfora da
criação.
O
público como um observador dessa travessia, passa a ser testemunha de um lugar
que aproxima e separa, ou de uma rampa que torna-se opressora como um porão de
um navio negreiro, o palco lugar da representação por excelência, agora ocupado
pelos espectadores, que espiam os atores na plateia, essa inversão e esse
deslocamento não é apenas físico, ele é interno, não é apenas uma mudança
corporal, é uma proposição sensorial, um deslocamento de percepções dentro do
jogo teatral.
"Até que ponto a carga semântica de um edifício ou
de seu entorno são utilizados pelos criadores? Como a arquitetura do prédio é
integrada a cena, além abrigar a encenação? De que forma os intérpretes se
colocam diante dos assuntos escolhidos, levando em consideração os valores
impregnados no espaço e no entorno?
" Evil Rebouças
Sinopse:
Prisma-TE:
Experimento
teatral do grupo Limões do Amoroso, do programa Teatro Vocacional. Através de
poemas, imagens corporais,pequenos instantes vão se constituindo em um jogo de
luz e sombra, onde o público é convidado a fazer uma travessia por vários espaços cênicos.
Dias
:5,6, 7 de Novembro às 20hs
Onde : Biblioteca Alceu Amoroso Lima
Artista Orientador: Ernandes Araújo Dezembro de 2015
Bibliografia
Bertazzo, Ivaldo. Espaço
e Corpo. Editora Sesc SP
Brook,Peter. O espaço
vazio. Editora Apicuri
Cardoso, Jarry, (entrevista com Ze Celso Martinez Corrêa) "
hora é de libertar". Folha de S. Paulo, São Paulo 09 de julho de 10=978.
Folhetim(77):2-4
Camargo, Carlos Avelino
de Arruda. Do lugar de onde se Vê, Aproximações entre as artes plásticas e o teatro. Editora Unesp.
Desgranges, Flávio. Os espectador e a Contemporaneidade :
perspectivas pedagógicas.
Greiner Cristine. “ O
Corpo, Pistas para estudos indisciplinares, Editora Annablume, 2005.
Goethe,Joahann WolfGang Von. Os anos de Aprendizados de Wilhelm
Meister. Editora 34
Ferracini, Renato. A Arte de Não Interpretar como poesia
corpórea do Ator. Editora Unicamp.
Larrosa , Jorge. “Notas
sobre a experiência e o saber de experiência”
Lazzarato, Marcelo,
Campo de Visão- Exercício e linguagem cênica. Editora Fapesp
Ponty, Maurice Merleau. O Olho e o espírito. seguindo a
linguagem indireta e as vozes do silêncio. Editora Cosac &Naif.
Rebouças Evill , Mestre
em Artes – Instituto de Artes da Unesp Ator, dramaturgo, encenador e professor
do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - FAINC. Poéticas dramatúrgicas
no espaço inusitado
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