domingo, 13 de dezembro de 2015

O trabalho coral como estética e a poetização dos espaços na construção da dramaturgia.



Ensaio- Teatro





O trabalho coral como estética e a poetização dos espaços na construção da dramaturgia.


O coro é re-existir. O coro é a revolução.
O coro tem vontade de enganar a Velha Era
(...). O coro são os que estão por baixo, lutando
contra os que estão por cima. O coro é de dentro
pra fora. O coro é o direito à preguiça. O coro é
viver do que se gosta.O coro é mutirão. O coro
é ginga, rebolado. O coro é isso aí, bicho. O coro hasta siempre.
O coro é desafinado. O coro é desafio.
O coro é ação = CORAÇÃO. O coro é ir
e re-voltar. O coro come o couro. O coro
engorda e faz crescer. Tome coro!
Coristas do mundo inteiro, uni-vos! O coro comeu o corifeu. O coro
não cora. O coro canta e desencanta.
O coro canta, mas sobretudo entoa.
O coro não decora. O coro atua. O coro é colorido.
O coro chama. O coro é delírio, lírio,colírio.
 O coro ta nas bocas. Ai, ai, ai, o coro não tem pai.
 Os coristas também amam.
 O coro morde. O coro é pura sedução.
                                           
                                                                     Zé Celso Martinez Corrêa
                              

Neste 2015, pelo segundo ano consecutivo realizo a orientação artística na Biblioteca Alceu Amoroso Lima , como o grupo Limões do Amoroso, que no ano anterior , realizou uma instalação cênica no mesmo equipamento, à partir de novos procedimentos artísticos que investigava  composições poéticas do corpo, à partir de figuras urbanas, culminando em pequenos instantes onde a potência da dramaturgia estava nas imagens , na plasticidade das cenas, criando um estreito diálogo com as artes visuais.

Para dar continuidade, a essa investigação artística, neste ano propus ao grupo, com a entrada de novos integrantes, que realizássemos um trabalho coral, que integrasse os novos artistas Vocacionados, e que as propostas de cenas  dialogassem com esse coletivo, que criássemos um jogo onde todos fossem atuantes, onde o protagonista fosse o coletivo.

E a segunda motivação, seria explorar essa investigação por todos espaços da Biblioteca Alceu Amoroso Lima. Para esse  ensaio , algumas questões serão investigadas :Como desenvolver um trabalho  Coral entre os artistas vocacionados?Qual a função do coro? Como trabalhar em Espaços –Não convencionais,Como criar esse dialogo com os espaços?Em que medida ele os espaços são os  propositores do jogo teatral ?


 Uma Escolha pedagógica


No ano anterior,  foi  uma tarefa bem difícil  desenvolver um trabalho coletivo pois os integrantes estavam muito preocupados no seu desenvolvimento individual, havia  o entendimento apenas  parcial, poucos se interessaram pelo todo, o foco era somente o si mesmo, um ego centrado no bem atuar, numa busca por reconhecimento individual, em detrimento de algo que se constrói no trabalho grupal, que é o cerne do Teatro Vocacional.

Por isso, em 2016, a minha escolha  foi trabalhar com o coro, como ferramenta pedagógica, na construção de aprendizados que enriquecesse a experiência artística de todos integrantes.

Que o trabalho coral seria o suporte para o pensamento estético a ser realizado, para isso, como um treinamento os Vocacionados foram convocados a experimentar toda sorte de exercícios onde o Coro, tinha um papel protagonista na cena, na construção de imagens, de paisagens visuais e sonoras; Estas só aconteceriam se o entendimento do trabalho coral acontecesse na sua plenitude. Portanto, não dependeria apenas de habilidade de um integrante, mais do esforço conjunto na construção de uma poética que foi se instalando no decorrer do processo criativo.
                                                            


Outro ponto a ser ressaltado sobre o trabalho Coral, é que ele proporcionou um espaço inventivo na criação, onde todos poderiam se lançar com liberdade e prazer nas cenas, porque o coletivo autorizava essa experimentação, os riscos eram minimizados, e todos se sentiam autorizados a mergulhar na linguagem teatral, mesmo aqueles pouco familiarizados com a cena, seja pela timidez, vergonha, medos, e todos os bloqueios físicos e psicológicos que interferem na realização da cena.  

Ao longo de seis meses desse processo investigativo, o trabalho coral tornou-se o centro da pesquisa estética, todas as propostas foram realizadas em coro, todas as ideias de cena, foram experimentadas em vários formatos, com várias versões, e o grupo escolhia qual a melhor versão seria selecionada, essa prática colaborativa, fez com que o grupo se fortalecesse, todos em um rodízio a cada semana, se exercitava com pequenos núcleos, dentro do próprio grupo, assim afinidades foram crescendo, e a tolerância com as diferenças foram sendo acolhidas, ouvidas, era uma regra, todos precisam trabalhar com todos, era fundamental incluir, para cena acontecer.  Dessa pesquisa teatral, culminou o experimento cênico Prisma-te.


              




Na cultura, o sujeito é singular, mas depende do outro (da
alteridade) para apreender na diferença sua identidade.”
Antonio Candido



O significado do coro no Teatro Vocacional

 " Se o ator é essencialmente um artista que manifesta em seu próprio corpo a sua arte, ele  não pode ficar alheio "ao outro" acreditando apenas em sua própria capacidade inventiva, É somente através do contato com o "outro" que ele tem a possibilidade de se tornar verdadeiramente um criador e o jogo improvisacional é o lugar ideal para que esse exercício da alteridade se dê plenamente" pag 33 ( Campo de Visão- Exercício e linguagem Cênica, Marcelo Lazzarato, Editora FAPESP)


 Partindo dessa premissa, comecei os trabalhos com os Vocacionados com exercícios que explorassem essa dimensão de observar o outro, de descobrir a movimentação desse coletivo que se construía a cada encontro.

E uma infinidade de exercícios foram propostos com finalidades diferentes , ora criar uma liberdade de se expressar livremente nesse coro, apenas seguindo impulsos naturais , outrora seguindo estímulos musicais, nesse primeiro momento apenas o prazer de atravessar os espaços, de ser seguido e para depois experimentar a sensação de seguir o outro, todos passaram por essa ideia de conduzir e se deixar ser conduzido.

Para cada encontro, foram pensados exercícios específicos para o entendimento desse trabalho coral. Algumas etapas foram pensadas para a construção desse saber, para mim, essa questão de valorizar nesse momento inicial de criação e descobertas, o coletivo , deveria se sobressair, ser  o eixo central da improvisação.





Assim, todos os jogos foram de construções de imagens coletivas, de toda ordem: ou seja, geométrica onde o grupo em um curto espaço de tempo e  sem combinar e silêncio, precisavam construir círculos, quadrados, triângulos, filas , letras S,X, V, U, L, ou uma cruz, ou um bicho qualquer, um dragão, um cavalo alado, uma máquina de lavar roupa, uma paisagem, enfim cada imagem só se concretizava quando todos com os seu corpos estavam engajados para a realização da mesma.




Desse jogos foram suscitando o prazer de se jogar em grupo, de construir imagens, sonoridades e paisagens cada vez mais complexas, onde fomos colocando camadas mais densas para a construção de um vocabulário imagético onde todos poderiam acessar, e que fossem comum e ao mesmo tempo fomos construindo uma movimentação corporal  de maneira lúdica, onde o coro foi assumindo de acordo com as cenas, imagens líquidas, como oceanos, chuvas, rios, mares, ondas que invadiam a cena, e também como imagens fortes, como terra, terremotos, fogo,chama,vendaval, enfim toda essa pesquisa lúdica deu uma qualidade corporal para o coro, que prontamente foi incorporado para realização das cenas que tinham nessa etapa da criação um caráter alegórico.

Seguindo a concepção do Teatro grego, e para o  historiador H. D. F. Kitto argumenta que a própria palavra "coro" nos dá indicação sobre a sua função nas peças de teatro da Grécia antiga: "O verbo grego choreuo, eu sou um membro do coro, tem o sentido de 'eu danço'. A palavra ode não significa algo que seja recitado ou declamado, mas “uma música”. A orquestra, na qual um coro atuava é, literalmente, uma pista de dança". A partir daqui, pode-se inferir que o coro dançava e cantava poesia.



A Função Narrativa do Coro


A terceira etapa do desenvolvimento desse trabalho coral  foi dar a dimensão narrativa que o coro tem dentro de uma dramaturgia que ia se constituindo a cada encontro, assim a cada cena alguém vivenciava o papel do Corifeu, que tinha a função de conduzir esse coro , que foi assumindo cada vez mais o papel de protagonista da ação dramatúrgica





"Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio."

A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.”
(Manoel de Barros )
                           Poetizando os Espaços
         "O seu olhar agora/O seu olhar nasceu/O seu olhar me olha/O seu olhar é seu/O seu olhar melhora/Melhora o meu"
Arnaldo Antunes

Essa foi a proposta que lancei para o grupo, que olhássemos de uma outra maneira, investigasse possibilidades cênicas diversas , para  aquele prédio que possui uma arquitetura funcional, pensado para ser uma Biblioteca, e não um espaço cultural.




Assim era preciso  estabelecer um relação com essa arquitetura, um dialogo criativo com o espaço, ressignificado escadas, corredores,rampas, banheiros, jardins, ao passo que esses lugares foram ganhando uma dimensão poética com a cenas.  



Os Artistas Vocacionados foram transformando esse espaço frio, pleno de concreto e grandes janelas, em um lugar polissêmico, rico de possibilidades cênicas. 

Esses espaços foram se transformando como propositores da cena, eles serviam ao mesmo tempo como cenário real e também como elemento fundamental para a dramaturgia que ia se constituindo a cada encontro.

Ao longo de 7 meses de investigação e um vasto material de pesquisa teatral levantada, o grupo percebeu que o público deveria ser conduzido pelos espaços cênicos, esse deslocamento era fundamental para a proposta de encenação do experimento teatral Prisma-te. Onde o lugar do espectador pelos espaços era fundamental para compreensão dessa dramaturgia.






            
           
Espaço como Metáfora

Na composição final do experimento cênico Prisma-te , a dramaturgia do espaço estava incorporada na construção semântica do discurso estético. O conceito poético onde os seres humanos caminham para um lugar de indiferença, apatia, de insensibilidade, mecanização dos afetos,para completa desumanização e alienação  dos seus sentimentos.

Para compreensão dessa estética teatral, o lugar do espectador, foi minuciosamente pensado, pois à partir do ponto de vista em que ele assistia o trabalho, seu lugar colaboraria para essa tessitura que estava sendo engendrada, com poemas de B. Brecht, trechos da prosa poética de Guimarães Rosa, José Craverinha, Viviane Mosé.

Vários deslocamentos espaciais foram organizados, como uma jornada regressiva desses humanos que desaprenderam ou esqueceram a importância do outro, para sua real compreensão do que é de fato humano, assim imagens, fatos, palavras, músicas,poemas,silêncios eram evocados para essa costura dramatúrgica.

O espaço  deixa de ser cenário, enfeite decorativo, e ocupa o lugar de composição real da cena teatral, transcende a arquitetura funcional , explode os sentidos figurativos, e torna-se metáfora da criação.

O público como um observador dessa travessia, passa a ser testemunha de um lugar que aproxima e separa, ou de uma rampa que torna-se opressora como um porão de um navio negreiro, o palco lugar da representação por excelência, agora ocupado pelos espectadores, que espiam os atores na plateia, essa inversão e esse deslocamento não é apenas físico, ele é interno, não é apenas uma mudança corporal, é uma proposição sensorial, um deslocamento de percepções dentro do jogo teatral.






  "Até que ponto a carga semântica de um edifício ou de seu entorno são utilizados pelos criadores? Como a arquitetura do prédio é integrada a cena, além abrigar a encenação? De que forma os intérpretes se colocam diante dos assuntos escolhidos, levando em consideração os valores impregnados no espaço e no entorno?  " Evil Rebouças


              Sinopse: Prisma-TE:

Experimento teatral do grupo Limões do Amoroso, do programa Teatro Vocacional. Através de poemas, imagens corporais,pequenos instantes vão se constituindo em um jogo de luz e sombra, onde o público é convidado a fazer uma travessia por  vários espaços cênicos.

Dias :5,6, 7 de Novembro às 20hs
      Onde : Biblioteca Alceu Amoroso Lima

                                        Artista Orientador: Ernandes Araújo         Dezembro de 2015


Bibliografia


Bertazzo, Ivaldo. Espaço e Corpo. Editora Sesc SP
Brook,Peter. O espaço vazio. Editora Apicuri
Cardoso, Jarry, (entrevista com Ze Celso Martinez Corrêa) " hora é de libertar". Folha de S. Paulo, São Paulo 09 de julho de 10=978. Folhetim(77):2-4
Camargo, Carlos Avelino de Arruda. Do lugar de onde se Vê, Aproximações entre  as artes plásticas e o teatro. Editora Unesp.
Desgranges, Flávio.  Os espectador e a Contemporaneidade : perspectivas pedagógicas.
Greiner Cristine.  “ O Corpo, Pistas para estudos indisciplinares, Editora Annablume, 2005.
Goethe,Joahann WolfGang Von. Os anos de Aprendizados de Wilhelm Meister. Editora 34
Ferracini, Renato. A Arte de Não Interpretar como poesia corpórea do Ator. Editora Unicamp.
Larrosa , Jorge. “Notas sobre a experiência e o saber de experiência”
Lazzarato, Marcelo, Campo de Visão- Exercício e linguagem cênica. Editora Fapesp
Ponty, Maurice Merleau. O Olho e o espírito. seguindo a linguagem indireta e as vozes do silêncio. Editora Cosac &Naif.
 Rebouças Evill , Mestre em Artes – Instituto de Artes da Unesp Ator, dramaturgo, encenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - FAINC. Poéticas dramatúrgicas no espaço inusitado
 


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