O lugar Comum
VOCACIONAL DANÇA
CEU VILA ATLÂNTICA
ARTISTA ORIENTADORA: RENATA HILÁRIO
No começo, parecia uma missão
impossível. Como dialogar entre danças tão opostas, com origens e práticas tão
distintas?
Como que iria trazer a minha
experiência de uma dança oriental, cheia de carga e especificidades culturais,
de um público tão feminino, para uma dança com características do outro lado do
mundo; com praticantes masculinos, outra história, outras músicas outro
conceito, enfim, começaram os estudos.
Tudo começou apenas em um ponto
de partida: pensar em corpos. Apenas corpos. Corpos que possuem os mesmos
membros, a mesma estrutura, os mesmos músculos e que fossem capazes de
desenvolver os mesmos gestos e movimentações.
A trilha sonora foi a decisão
mais importante, pois ela não devia forçar nem uma dança nem outra. Comecei por
músicas diferentes dos 2 estilos de dança, nem as árabes que funcionavam bem no
meu conhecimento, e nem as norte americanas com aquela batida tão similar para
os corpos dos meninos.
Éramos um grupo de 6: 5 bboys e 1
bailarina de danças árabes. Sempre
começávamos nossos encontros em um círculo, para dar essa ideia de igualdade e
sem a postura de “alguém que ensina” e “alguém que aprende”. Alongamentos que
trabalhavam articulações e extensões musculares. A cada encontro alguém
propunha esse aquecimento, até que encontramos o primeiro lugar comum entre
nós, articulações que dançavam. Dançavam com uma atenção especial, elas
aconteciam, sobressaiam e tinham uma importância diferente para aqueles 6
corpos.
O maior facilitador nesse início
de processo, foi o fato de que - por muita sorte ou destino – encontrei um
grupo sem resistências, tínhamos uma disposição de aprender nessa fusão de
diferenças, onde todos tinham muito o que ensinar e muito mais em aprender.
Sai completamente da minha linha
de estudo, e a cada semana eu me propunha um novo processo para depois propor
um novo processo, e os resultados foram sempre impressionantes justamente
porque eu não sabia o que ia vir no final de cada orientação. E por muitas
vezes mudava a rota dessas propostas no meio de tudo, porque ia enxergando uma
nova dinâmica que surgia ali, na hora “H”, durante uma construção muito mútua
que consistia no que eu conduzia e no que eles construíam muito naturalmente.
Saía daquele equipamento com o
sentido mais lógico sobre “O Mestre Ignorante” a flor da pele. Foi justamente
um dos preceitos do Programa Vocacional que a principio me despertou
estranhamento; estava há anos acostumada com o cenário da sala de aula.
Professor aluno. E sair daquelas 3 horas de cada encontro com a sensação de que
também aprendi, que também assimilei e que também compreendi novas
possibilidades, abriram milhões de novas chances na minha própria compreensão
de arte.
Falar sobre técnica e sobre
formatação para aquele grupo foi ficando secundário porque tinham alguns valores
que começaram a aparecer com um grau de importância muito mais gritante, que
era o simples fato de que não importava que dança em si dançávamos e sim, o que
elas podiam trazer de melhora para cada um de nós. A disciplina, a dedicação, o
pensamento sobre o estudo corporal, a técnica de como se pensar em coreografia.
A importância de fazer o alongamento correto,
o relaxamento correto e do pensamento de grupo, eu levava até eles. Uma nova
nomenclatura, as características de uma dança urbana, as dificuldades de se
desenvolver como grupo fora de uma escola ou Cia de dança, as limitações
financeiras e as soluções para que este sonho nunca morresse, eles trouxeram
até mim.
E com isso, nos uníamos em um
ponto em comum que sempre foi o aprendizado com o outro. Realmente não
importava o fato de que não conhecia nada sobre break, street dance, pooping ou
o que fosse, o que importava mesmo é que me respeitavam como artista
orientadora e eu os respeitava como bboys.
Ninguém pedia “autorização” para
as decisões que tínhamos que tomar. Pedíamos sugestões e levávamos sugestões.
Tudo foi tomando o formato de decidir como grupo. Sendo que essa era uma das
principais dificuldades daquele grupo: estabelecer de forma sadia as tomadas de
decisões. Era um grupo que apesar de ter muita disposição e paixão pela dança,
vinham cercados de conflitos, porque não tinham alguém na posição de líder,
tinham muita dificuldade em escolher coisas juntos, a se organizarem juntos, e
aos poucos fomos encontrando uma nova forma daquele grupo se enxergar como
grupo. Levava conflitos meus, dificuldades minhas de trabalhos de fora do
Vocacional e pedia conselhos, pedia sugestões a eles de como resolver tais
problemas. Problemas de outras salas de aula que tinha, com outras pessoas que
eles nem conheciam, e assim eles foram desenvolvendo este novo olhar e aos
poucos levavam isso para o próprio grupo. Desse jeito fomos construindo,
somando, sugerindo, arriscando e conciliando.
No decorrer de todos os
processos, subíamos um novo degrau e um trabalho foi construído onde aos poucos
eles se apropriavam da condução de suas próprias criações. Foi aí que senti que
meu trabalho como artista orientadora tinha sido feito. Tive a absoluta certeza
de que dali em diante eles estavam prontos para assumir uma nova forma de levar
o grupo e a arte deles para aquela comunidade no qual pertenciam; seja com um
posicionamento mais profissional da dança deles, seja em como iam articular a
comunicação com o CEU que frequentavam, seja em como iam escrever seus
projetos, seja na postura de suas apresentações ou principalmente em como iam
identificar suas necessidades de melhorias artísticas e como fariam aquilo.
O que levei desses 8 meses de
trabalho?
A imensa satisfação de
transformar artistas.
O que eles levaram desses 8 meses
de trabalho?
A imensa satisfação de terem se
transformados como artistas.
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