quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O lugar Comum



VOCACIONAL DANÇA
CEU VILA ATLÂNTICA
ARTISTA ORIENTADORA: RENATA HILÁRIO

No começo, parecia uma missão impossível. Como dialogar entre danças tão opostas, com origens e práticas tão distintas?
Como que iria trazer a minha experiência de uma dança oriental, cheia de carga e especificidades culturais, de um público tão feminino, para uma dança com características do outro lado do mundo; com praticantes masculinos, outra história, outras músicas outro conceito, enfim, começaram os estudos.
Tudo começou apenas em um ponto de partida: pensar em corpos. Apenas corpos. Corpos que possuem os mesmos membros, a mesma estrutura, os mesmos músculos e que fossem capazes de desenvolver os mesmos gestos e movimentações.
A trilha sonora foi a decisão mais importante, pois ela não devia forçar nem uma dança nem outra. Comecei por músicas diferentes dos 2 estilos de dança, nem as árabes que funcionavam bem no meu conhecimento, e nem as norte americanas com aquela batida tão similar para os corpos dos meninos.
Éramos um grupo de 6: 5 bboys e 1 bailarina de danças árabes.  Sempre começávamos nossos encontros em um círculo, para dar essa ideia de igualdade e sem a postura de “alguém que ensina” e “alguém que aprende”. Alongamentos que trabalhavam articulações e extensões musculares. A cada encontro alguém propunha esse aquecimento, até que encontramos o primeiro lugar comum entre nós, articulações que dançavam. Dançavam com uma atenção especial, elas aconteciam, sobressaiam e tinham uma importância diferente para aqueles 6 corpos.
O maior facilitador nesse início de processo, foi o fato de que - por muita sorte ou destino – encontrei um grupo sem resistências, tínhamos uma disposição de aprender nessa fusão de diferenças, onde todos tinham muito o que ensinar e muito mais em aprender.
Sai completamente da minha linha de estudo, e a cada semana eu me propunha um novo processo para depois propor um novo processo, e os resultados foram sempre impressionantes justamente porque eu não sabia o que ia vir no final de cada orientação. E por muitas vezes mudava a rota dessas propostas no meio de tudo, porque ia enxergando uma nova dinâmica que surgia ali, na hora “H”, durante uma construção muito mútua que consistia no que eu conduzia e no que eles construíam muito naturalmente.
Saía daquele equipamento com o sentido mais lógico sobre “O Mestre Ignorante” a flor da pele. Foi justamente um dos preceitos do Programa Vocacional que a principio me despertou estranhamento; estava há anos acostumada com o cenário da sala de aula. Professor aluno. E sair daquelas 3 horas de cada encontro com a sensação de que também aprendi, que também assimilei e que também compreendi novas possibilidades, abriram milhões de novas chances na minha própria compreensão de arte.
Falar sobre técnica e sobre formatação para aquele grupo foi ficando secundário porque tinham alguns valores que começaram a aparecer com um grau de importância muito mais gritante, que era o simples fato de que não importava que dança em si dançávamos e sim, o que elas podiam trazer de melhora para cada um de nós. A disciplina, a dedicação, o pensamento sobre o estudo corporal, a técnica de como se pensar em coreografia.
 A importância de fazer o alongamento correto, o relaxamento correto e do pensamento de grupo, eu levava até eles. Uma nova nomenclatura, as características de uma dança urbana, as dificuldades de se desenvolver como grupo fora de uma escola ou Cia de dança, as limitações financeiras e as soluções para que este sonho nunca morresse, eles trouxeram até mim.
E com isso, nos uníamos em um ponto em comum que sempre foi o aprendizado com o outro. Realmente não importava o fato de que não conhecia nada sobre break, street dance, pooping ou o que fosse, o que importava mesmo é que me respeitavam como artista orientadora e eu os respeitava como bboys.
Ninguém pedia “autorização” para as decisões que tínhamos que tomar. Pedíamos sugestões e levávamos sugestões. Tudo foi tomando o formato de decidir como grupo. Sendo que essa era uma das principais dificuldades daquele grupo: estabelecer de forma sadia as tomadas de decisões. Era um grupo que apesar de ter muita disposição e paixão pela dança, vinham cercados de conflitos, porque não tinham alguém na posição de líder, tinham muita dificuldade em escolher coisas juntos, a se organizarem juntos, e aos poucos fomos encontrando uma nova forma daquele grupo se enxergar como grupo. Levava conflitos meus, dificuldades minhas de trabalhos de fora do Vocacional e pedia conselhos, pedia sugestões a eles de como resolver tais problemas. Problemas de outras salas de aula que tinha, com outras pessoas que eles nem conheciam, e assim eles foram desenvolvendo este novo olhar e aos poucos levavam isso para o próprio grupo. Desse jeito fomos construindo, somando, sugerindo, arriscando e conciliando.
No decorrer de todos os processos, subíamos um novo degrau e um trabalho foi construído onde aos poucos eles se apropriavam da condução de suas próprias criações. Foi aí que senti que meu trabalho como artista orientadora tinha sido feito. Tive a absoluta certeza de que dali em diante eles estavam prontos para assumir uma nova forma de levar o grupo e a arte deles para aquela comunidade no qual pertenciam; seja com um posicionamento mais profissional da dança deles, seja em como iam articular a comunicação com o CEU que frequentavam, seja em como iam escrever seus projetos, seja na postura de suas apresentações ou principalmente em como iam identificar suas necessidades de melhorias artísticas e como fariam aquilo.

O que levei desses 8 meses de trabalho?
A imensa satisfação de transformar artistas.

O que eles levaram desses 8 meses de trabalho?
 A imensa satisfação de terem se transformados como artistas.

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