terça-feira, 18 de novembro de 2014

Ao se encontrar perdido e o direito a cidade


Artista-orientadora : Tata Gouvêa
Linguagem: Dança  
Equipe: Leste 4
         
O título desse ensaio pode pressupor em soluções para quando se encontrar perdido. Infelizmente, no momento em que esse texto é redigido, o autor só se encontrou perdido, sem se encontrar necessariamente.
Como pensar processo criativo (e então inserimos mais uma palavra bonita) emancipatório para com os vocacionados, sem os tê-los? É a pergunta que mais encaminhou para o momento de se encontrar, ainda que perdido. O que em geral, não é de todo negativo. Pensando nas possibilidades e no material norteador do Vocacional, se encontrar perdido já é se encontrar. Mesmo que embora, não há nenhuma solução em vista e talvez não se resolva para esse primeiro ano no projeto.
As leituras de textos do material norteador e suas referências, levaram para a iluminação de uma proposta concisa/ inteligente/ revolucionária sobre educação, grandes autores juntos sendo colocados em prática em plena São Paulo, cidade que sofre com inúmeros problemas estruturais. Na inocência do inicio, tudo soava de forma muito clara e fácil. Propor processos que eram incorporados aos poucos pelos vocacionados, cheios de curiosidade e com vontades intuitivas próprias, a criação de novas subjetividades dentro de cada encontro, era a própria revolução.
O que as vezes é esquecido, é que esse programa, incrivelmente bem pensado e bem proposto está inserido em São Paulo, e vamos dizer que não é um lugar qualquer. Logo, a inocência citada anteriormente começou a se desmoronar quando se atentou para o fato que, não se tratava de qualquer cidade. O que pode ser natural, para uma interiorana chegada recentemente e que logo se insere nesse programa.

Um lugar que havia passado por junho de 2013, com varias inquietações e que agora vivia a áurea copa do mundo . Por traz dessa avalanche de informações e alegrias, afinal tinham muitos gringos animados e sorridentes pelas ruas que fazia esquecer um pouco a pancada de cada dia, estava nosso momento político no qual pintava nossa presidente de todos os personagens que possa se pensar, o poder conservador se apropriando novamente do discurso de liberdade de expressão para sucatear e minimizar quem quer que fosse necessário. Um momento de tensão também com um índice alto de rejeição do nosso prefeito, que até então ninguém estava entendendo nada sobre onde iríamos parar.
Mas claro, que o autor que vos fala, estava continuamente se alimentando de tudo que acontecia nos encontros com os vocacionados e pensava que toda essa balbúrdia podia ser usava para alguma coisa, mesmo com opiniões distintas dentro dos encontros.
Mas eis, que a Copa do mundo acaba. E acaba da pior maneira, com um 7X1 para Alemanha. E então, o vocacional se desfaz. Obviamente que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Mas lembrem-se, estamos em São Paulo e mais que isso, em Itaim Paulista, periferia dessa monstruosa cidade. Eis que, alguns desempregados, encontraram emprego; outros empregados , o perderam; as aulas voltaram; a crise do transporte público aumentou e aí sim, aí vamos dizer que depois disso, o programa vazou pelos dedos sem restar uma única gota.
“Sem restar uma única gota”, é potente para enfatizar o esvaziamento do Programa, contudo a última gota restou sim, e ela se chama Heloisa Helena. Uma mulher de 55 anos, negra e da periferia da Zona Leste 4. Foi nela que tudo se construiu pouco a pouco, as discussões de como ocupar a cidade e como sobreviver em um equipamento aos trancos e barrancos.
Como aproveitar o programa para tomar a cidade? Num contexto que o discurso do medo é maior que a vontade de permanecer em uma praça pública, onde as compras pela internet atingem índices cada vez maiores, onde ficar em casa é prevenir. O nomadismo proposto pelo Vocacional pode ser entendido como se desvencilhar da instituição e ocupar a cidade, tornar seu direito.
A cidade, no capitalismo, é entendida com uma gestão que além de direcionar o espaço urbano aos negócios empresariais, administra-o como uma grande empresa. O que aos poucos está modificando devido as intervenções da atual prefeitura, contudo vistas aos olhos de empresários como atitudes vazias.
Ao ocupar a cidade com arte é gerado um novo território onde aos poucos desfaz a relação sedentária com o espaço.
(…) a mais consistente e, no geral a mais bem-sucedida tentativa do homem de refazer o mundo onde vive de acordo com o desejo de seu coração. Porém, se a cidade é o mundo que o homem criou, então é nesse mundo que de agora em diante ele está condenado a viver. Assim, indiretamente, e sem nenhuma ideia clara da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o homem refez a si mesmo.” ( David Harvey apud Robert Park,1967)

É nessa constante transformação espacial relacional que o homem cria. Nesse contexto que estabelecer processo criativo é ameaçador para o sistema. Por isso, se desapropriar da formalização do programa é necessário, para raciocinar além da proposta em si. Até o momento que o programa é visto para o próprio programa, ele funciona até onde há demanda, se conseguir olhar além da forma e estabelecimento de regras é possível entender como a retomada da cidade em si.

Não estariam todos exercendo da mesma forma o direito a cidade? Se for assim, como Karl Marx tão celebramente escreveu, entre direitos iguais quem decide é a força. Então é isso que o direito a cidade se resume? Mendigar de meu vizinho ou ser alvo de medicância dele?
Então, o que eu e os outros devemos fazer se determinarmos que a cidade não se conforma aos nosso desejos? Se determinarmos, por exemplo, que não estamos nos refazendo de maniera sustentável, emancipatória ou mesmo “civilizada”? Como poderia o direito à cidade ser exercitado pela mudança da vida urbana? A resposta e Henry Lefebvre é simples em essência: por meio da mobilização social e luta política/ social.Não podemos deixar o medo da violência nos acovarde. Evitar o conflito não é resposta: retornar a tal estado é se descolar do sentido do processo de urbanização e, assim, perder todo o prospecto de exercitar o direito à cidade.” ( David Harvey, cidades rebeldes)

Trabalhar com estas questões no programa é de suma importância, ele é o próprio material que fará essa ocupação da cidade, colocar em prática pode ser mais tortuoso. Por isso o deslocamento com a instituição pode ser importante. Contudo, nessa nuvem de dúvidas, só se encontram mais questões. Como fazê-lo sozinho? É possível mesmo desviar-se da grandeza burocrática? Ou, poderia só ficar refletindo sem ação?

João C.M. Neto
Não me sinto correto.
(Pausa)
Há mais dúvidas do que respostas...
Não encontro as palavras...Carlos?
Mas aos que dizem , o caminho é por aí.
Entender o caminho de cada orientação, que arduamente se constrói e desconstrói.
Não pela dificuldade de um processo criativo, mas pela continuidade.
Eu ( em dúvida)
Posso colocar-me aqui? (pausa)
Toda a filosofia do programa é maravilhosa, e como sempre, a prática é outra.
Cada pensar, sobre propostas que mostrem seus próprios corpos
E os incitem a uma tal emancipação pela dança,
se esvai e vai em cada falta e vocacionado desaparecido.
João C.M. Neto
É a dor das coisas que reverbera.
Entender o processo criativo emancipatório no nosso atual contexto
Eu
É que torna tudo mais difícil.
Não me sinto correto.
Os dias andam cada vez piores.
João C.M. Neto ( num gesto que abarca o Universo)
Não encontro as palavras...
Eu
Lidamos com vocacionados funcionários.
Um dia de ônibus, trem e trabalho.
Olha Carlos,
O direito a minha querida cidade,
me foi tirado, surrado, dilacerado.
João C.M. Neto
Um dia falta lá e outro cá.
Eu
É um processo de desapego total, enquanto orientador.
(Pausa)
Eu
É como se aos poucos estivesse me construindo nesse Mestre Ignorante
João C.M. Neto
Que ora tem e não tem.
Vejo formas, reformas por onde passo.
Eu
Posso me colocar aqui,senhor?
As entrelinhas são mais tortuosas do que pensava.
João C.M. Neto (balbuciando)
Ir e vir pode ser terrorismo?
Eu
E...se ninguém me perceber?
Carlos?
E é um achar e “desachar”sem fim.
João C.M. Neto
Essa inconstância nos move também.
Como um nômade desarranjador.
Nunca encontrar o caminho certo é [talvez] achar o caminho ideal.
Esses altos e baixos faz com que a busca seja quase eterna.
(Silêncio)
Eu
E que por fim...
Na segunda-feira
Se transformará em algo, ainda não imaginado.
Como já dizia o querido,
Joao Cabral de Mello Neto.
Difícil ser funcionário.
João C.M. Neto ( veemente)
Nesta segunda-feira,
Eu te telefono, Carlos

Pedindo conselho.
Há linhas de fuga então?
Eu
Quem mandou desterritorializar tudo?
João C.M. Neto ( dando-se conta da situação)
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,

Cinemas, avenidas,

E outros não-fazeres.
Eu
Não?
João C.M. Neto
É a dor das coisas,

Os espaços mortos,
Os sorrisos tortos,
Sou eu impedido,
impelido,
por míseros 3,00 reais.
Eu
O luto desta mesa;

É o regimento proibindo

Assovios, versos, flores.
João C.M. Neto
Eu nunca suspeitara

Tanta roupa preta;

Eu
Tanta dança seca;
Tão pouco essas palavras
—
Funcionárias, sem amor.
(Pausa)
Eu
Carlos, há uma máquina

Que nunca escreve cartas;

João C.M. Neto
Há uma garrafa de tinta

Que nunca bebeu álcool.
Eu
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:

Túmulos para todos

Os tamanhos de meu corpo.
Será tudo isso uma simples organização funcional do espaço?
João C.M. Neto
Não me sinto correto

De gravata de cor,

E na cabeça uma moça

Em forma de lembrança
Pra onde carregou seus sonhos,Carlos?
Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.

Se os pudesse encarar…

Fazer seu nojo meu…


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