Ao se encontrar perdido e o direito a cidade
Artista-orientadora : Tata Gouvêa
Linguagem: Dança
Equipe: Leste 4
O título desse ensaio pode pressupor em soluções para
quando se encontrar perdido. Infelizmente, no momento em que esse
texto é redigido, o autor só se encontrou perdido, sem se encontrar
necessariamente.
Como pensar processo criativo (e então inserimos mais
uma palavra bonita) emancipatório para com os vocacionados, sem os
tê-los? É a pergunta que mais encaminhou para o momento de se
encontrar, ainda que perdido. O que em geral, não é de todo
negativo. Pensando nas possibilidades e no material norteador do
Vocacional, se encontrar perdido já é se encontrar. Mesmo que
embora, não há nenhuma solução em vista e talvez não se resolva
para esse primeiro ano no projeto.
As leituras de textos do material norteador e suas
referências, levaram para a iluminação de uma proposta concisa/
inteligente/ revolucionária sobre educação, grandes autores
juntos sendo colocados em prática em plena São Paulo, cidade que
sofre com inúmeros problemas estruturais. Na inocência do inicio,
tudo soava de forma muito clara e fácil. Propor processos que eram
incorporados aos poucos pelos vocacionados, cheios de curiosidade e
com vontades intuitivas próprias, a criação de novas
subjetividades dentro de cada encontro, era a própria revolução.
O
que as vezes é esquecido, é que esse programa, incrivelmente bem
pensado e bem proposto está inserido em São Paulo, e vamos dizer
que não é um lugar qualquer. Logo, a inocência citada
anteriormente começou a se desmoronar quando se atentou para o fato
que, não se tratava de qualquer cidade. O que pode ser natural,
para uma interiorana chegada recentemente e que logo se insere
nesse programa.
Um
lugar que havia passado por junho de 2013, com varias inquietações
e que agora vivia a áurea copa do mundo . Por traz dessa avalanche
de informações e alegrias, afinal tinham muitos gringos animados e
sorridentes pelas ruas que fazia esquecer um pouco a pancada de cada
dia, estava nosso momento político no qual pintava nossa presidente
de todos os personagens que possa se pensar, o poder conservador se
apropriando novamente do discurso de liberdade de expressão para
sucatear e minimizar quem quer que fosse necessário. Um momento de
tensão também com um índice alto de rejeição do nosso prefeito,
que até então ninguém estava entendendo nada sobre onde iríamos
parar.
Mas claro, que o autor que vos fala, estava
continuamente se alimentando de tudo que acontecia nos encontros com
os vocacionados e pensava que toda essa balbúrdia podia ser usava
para alguma coisa, mesmo com opiniões distintas dentro dos
encontros.
Mas eis, que a Copa do mundo acaba. E acaba da pior
maneira, com um 7X1 para Alemanha. E então, o vocacional se desfaz.
Obviamente que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.
Mas lembrem-se, estamos em São Paulo e mais que isso, em Itaim
Paulista, periferia dessa monstruosa cidade. Eis que, alguns
desempregados, encontraram emprego; outros empregados , o perderam;
as aulas voltaram; a crise do transporte público aumentou e aí sim,
aí vamos dizer que depois disso, o programa vazou pelos dedos sem
restar uma única gota.
“Sem
restar uma única gota”, é potente para enfatizar o esvaziamento
do Programa, contudo a última gota restou sim, e ela se chama
Heloisa Helena. Uma mulher de 55 anos, negra e da periferia da Zona
Leste 4. Foi nela que tudo se construiu pouco a pouco, as discussões
de como ocupar a cidade e como sobreviver em um equipamento aos
trancos e barrancos.
Como aproveitar o programa para tomar a cidade? Num
contexto que o discurso do medo é maior que a vontade de permanecer
em uma praça pública, onde as compras pela internet atingem índices
cada vez maiores, onde ficar em casa é prevenir. O nomadismo
proposto pelo Vocacional pode ser entendido como se desvencilhar da
instituição e ocupar a cidade, tornar seu direito.
A cidade, no capitalismo, é entendida com uma gestão
que além de direcionar o espaço urbano aos negócios empresariais,
administra-o como uma grande empresa. O que aos poucos está
modificando devido as intervenções da atual prefeitura, contudo
vistas aos olhos de empresários como atitudes vazias.
Ao ocupar a cidade com arte é gerado um novo
território onde aos poucos desfaz a relação sedentária com o
espaço.
(…)
a mais consistente e, no geral a mais bem-sucedida tentativa do homem
de refazer o mundo onde vive de acordo com o desejo de seu coração.
Porém, se a cidade é o mundo que o homem criou, então é nesse
mundo que de agora em diante ele está condenado a viver. Assim,
indiretamente, e sem nenhuma ideia clara da natureza de sua tarefa,
ao fazer a cidade, o homem refez a si mesmo.” ( David Harvey apud
Robert Park,1967)
É nessa constante transformação espacial relacional
que o homem cria. Nesse contexto que estabelecer processo criativo é
ameaçador para o sistema. Por isso, se desapropriar da formalização
do programa é necessário, para raciocinar além da proposta em si.
Até o momento que o programa é visto para o próprio programa, ele
funciona até onde há demanda, se conseguir olhar além da forma e
estabelecimento de regras é possível entender como a retomada da
cidade em si.
“Não estariam todos
exercendo da mesma forma o direito a cidade? Se for assim, como Karl
Marx tão celebramente escreveu, entre direitos iguais quem decide é
a força. Então é isso que o direito a cidade se resume? Mendigar
de meu vizinho ou ser alvo de medicância dele?
Então, o que eu e os outros devemos fazer se
determinarmos que a cidade não se conforma aos nosso desejos? Se
determinarmos, por exemplo, que não estamos nos refazendo de maniera
sustentável, emancipatória ou mesmo “civilizada”? Como poderia
o direito à cidade ser exercitado pela mudança da vida urbana? A
resposta e Henry Lefebvre é simples em essência: por meio da
mobilização social e luta política/ social.Não podemos deixar o
medo da violência nos acovarde. Evitar o conflito não é resposta:
retornar a tal estado é se descolar do sentido do processo de
urbanização e, assim, perder todo o prospecto de exercitar o
direito à cidade.” ( David Harvey, cidades rebeldes)
Trabalhar
com estas questões no programa é de suma importância, ele é o
próprio material que fará essa ocupação da cidade, colocar em
prática pode ser mais tortuoso. Por isso o deslocamento com a
instituição pode ser importante. Contudo, nessa nuvem de dúvidas,
só se encontram mais questões. Como fazê-lo sozinho? É possível
mesmo desviar-se da grandeza burocrática? Ou, poderia só ficar
refletindo sem ação?
João C.M. Neto
Não me sinto correto.
(Pausa)
Há mais dúvidas do
que respostas...
Não encontro as
palavras...Carlos?
Mas aos que dizem , o
caminho é por aí.
Entender o caminho de
cada orientação, que arduamente se constrói e desconstrói.
Não pela dificuldade
de um processo criativo, mas pela continuidade.
Eu ( em dúvida)
Posso colocar-me aqui?
(pausa)
Toda a filosofia do
programa é maravilhosa, e como sempre, a prática é outra.
Cada pensar, sobre
propostas que mostrem seus próprios corpos
E os incitem a uma tal
emancipação pela dança,
se esvai e vai em cada
falta e vocacionado desaparecido.
João C.M. Neto
É a dor das coisas que
reverbera.
Entender o processo
criativo emancipatório no nosso atual contexto
Eu
É que torna tudo mais
difícil.
Não me sinto correto.
Os dias andam cada vez
piores.
João C.M. Neto (
num gesto que abarca o Universo)
Não encontro as
palavras...
Eu
Lidamos com
vocacionados funcionários.
Um dia de ônibus, trem
e trabalho.
Olha Carlos,
O direito a minha
querida cidade,
me foi tirado, surrado,
dilacerado.
João C.M. Neto
Um dia falta lá e
outro cá.
Eu
É um processo de
desapego total, enquanto orientador.
(Pausa)
Eu
É como se aos poucos
estivesse me construindo nesse Mestre Ignorante
João
C.M. Neto
Que
ora tem e não tem.
Vejo
formas, reformas por onde passo.
Eu
Posso
me colocar aqui,senhor?
As
entrelinhas são mais tortuosas do que pensava.
João
C.M. Neto (balbuciando)
Ir
e vir pode ser terrorismo?
Eu
E...se
ninguém me perceber?
Carlos?
E é
um achar e “desachar”sem fim.
João
C.M. Neto
Essa
inconstância nos move também.
Como
um nômade desarranjador.
Nunca
encontrar o caminho certo é [talvez] achar o caminho ideal.
Esses
altos e baixos faz com que a busca seja quase eterna.
(Silêncio)
Eu
E
que por fim...
Na
segunda-feira
Se
transformará em algo, ainda não imaginado.
Como
já dizia o querido,
Joao
Cabral de Mello Neto.
Difícil
ser funcionário.
João C.M. Neto (
veemente)
Nesta segunda-feira,
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.
Há linhas de fuga
então?
Eu
Quem mandou
desterritorializar tudo?
João C.M. Neto (
dando-se conta da situação)
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.
Eu
Não?
João C.M. Neto
É a dor das coisas,
Os espaços mortos,
Os sorrisos tortos,
Sou eu impedido,
impelido,
por míseros 3,00
reais.
Eu
O luto desta mesa;
É o regimento
proibindo
Assovios, versos,
flores.
João C.M. Neto
Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Eu
Tanta dança seca;
Tão pouco essas
palavras
—
Funcionárias,
sem amor.
(Pausa)
Eu
Carlos, há uma
máquina
Que nunca escreve
cartas;
João C.M. Neto
Há uma garrafa de
tinta
Que nunca bebeu álcool.
Eu
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu
corpo.
Será tudo isso uma
simples organização funcional do espaço?
João C.M. Neto
Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança
Pra onde carregou seus
sonhos,Carlos?
Não encontro a palavra
Que diga a esses
móveis.
Se os pudesse encarar…
Fazer seu nojo meu…
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