Ensaio Vocacional Dança CEU Feitiço da Vila Leandro de Souza
ENSAIO
Vocacional Dança
CEU Feitiço da Vila
Artista Orientador Leandro de Souza
Processos Emancipatórios de Um Artista Orientador Parte II - MOVER
Este ano assumi como artista orientador o programa vocacional dança no CEU Feitiço da Vila. Enquanto integrante da equipe sul 2a, ao longo dos processos criativos instaurados pela equipe, decidimos tomar a postura de sempre nos perguntar, como nos mover quando as coisas não estão se encaminhando? É com essa postura que desejo tecer a materialização desse percurso, neste ensaio, mas enquanto artista orientador que espera contribuir para um programa de grande potência, desejo que minha escrita seja elaborada com o discernimento crítico que merece. Espero uma escrita não pessimista ou derrotista, mas tampouco fantasiosa.
O programa iniciou-se no final de abril deste ano, ao chegar no equipamento, uma pilha de fichas de inscrição encontravam-se em uma pasta na secretaria de gestão do CEU, mas no primeiro dia nenhum dos nomes que estavam inscritos apareceu e assim sucedeu-se no decorrer do ano. Os procedimentos de costume foram tomados: telefonar, enviar e-mails, panfletar. Desta estratégia somente três pessoas no início do programa responderam aos convites, dois compareceram em alguns dias e um inscrito compareceu em apenas um.
O CEU Feitiço da Vila foi classificado na fala das coordenadoras do Núcleo de Cultura do equipamento, no início do programa, como o "CEU da dança" em razão do número de aulas de estilos diferentes que acontecia no equipamento. Aparentemente essa constatação deveria facilitar o desenvolvimento do programa nesse espaço, mas após essa trajetória, talvez uma coisa não necessariamente implique na outra. Seguindo essa ideia do "CEU da dança" foram realizadas tentativas de aproximação, especialmente das aulas de dança afro, para encontrar vocacionados em potencial que se interessassem em participar do programa. Na aula de dança afro encontramos alguns integrantes do grupo Basalto Cia de Arte, que em anos anteriores passaram pelo programa com outros artistas orientadores e hoje estão fomentados com o VAI(Programa de Valorização de Iniciativas Culturais), mas as tentativas de aproximação desse grupo não vingou.
Decididos a dar visibilidade ao programa no equipamento e na comunidade no entorno. Buscamos diálogo com o grupo de Bboys, que costuma treinar no saguão ao lado da quadra de esportes. Esbarramos na resistência do grupo, mas conseguimos extrair desta, vozes e imagens, posteriormente compartilhadas no site Pavio criado como plataforma virtual de compartilhamento das materialidades dos processos criativos da equipe sul 2a. O documento gerado a partir desse encontro com os Bboys foi realizado como alternativa para uma ação deste artista orientador, que não deu certo. A ideia era dançar, no espaço em que estes Bboys ensaiavam no intuito de uma aproximação. Na esperança de que a dança dançada naquele espaço pudesse abrir um canal.
Outra iniciativa foi trazer o grupo Yellow House do Paço de Cultura Júlio Guerra, grupo de vocacionados orientados pela artista orientadora Angélica Rovida, que apresentaram um processo criativo no teatro do equipamento, também uma ação, que ecoou pouco.
Nos primeiros meses do programa dois vocacionados apareceram, um frequentador das aulas de dança afro e do vocacional teatro e um outro vindo das danças urbanas, o segundo frequentou por duas orientações o programa, o primeiro veio e foi em fluxo intermitente. Como assumiu muitos compromissos com outras atividades acordamos de realizar um horário reduzido das três horas que tínhamos para orientação.
Após os meses de férias deste ano, com a ressalva de ter sido uma época mais atípica, por conta da
realização da Copa Mundial de Futebol, neste país. Influenciado pelas caminhos abertos pela artista orientadora Lara Dau Vieira, no CEU Paraisópolis com o seu "dance para ser desenhado" e "vocacionados/as instantâneos/as". Procuramos elaborar novas estratégias para a situação deflagrada no CEU Feitiço da Vila, deste modo, desenvolvemos um projeto que foi denominado "Corpografias Feitiço da Vila" uma série de ações que visavam divulgação/ formação cultural do programa no equipamento e na região onde se encontra o CEU.
O projeto "Corpografias Feitiço da Vila" propunha mapear a vida cultural já desenvolvida naquela região e as interlocuções que existiam ou não com o CEU, mas no decorrer da implementação da proposta tropeçamos nas dificuldades de parceria com o Núcleo de Cultura do equipamento tendo atividades canceladas e outras despotencializadas.
Entre as iniciativas tomadas para lidar com a situação presente no CEU Feitiço da Vila, uma parceria foi proposta pela artista orientadora Carolina Nóbrega, para co-orientações no Vocacional Dança no CEU Campo Limpo. Acompanhei as orientações nesse equipamento às quintas-feiras à noite. Uma situação oposta à vivida no CEU Feitiço da Vila, se este estava caracterizado pela ausência de vocacionados(as), no CEU Campo Limpo vicejavam presenças mais numerosas e potentes.
Nesse movimento aconteceu o encontro com uma vocacionada com um histórico muito particular. A Vocacionada Maisa(colocar o sobrenome) vivia uma situação familiar difícil. Seus pais queriam que parasse com as aulas de dança e até mesmo de estudar para trabalhar e ganhar dinheiro! Quando nos encontramos pela primeira vez Maisa se encontrava exatamente nesta situação trabalhando em uma lanchonete de shopping, sem estudar e sem fazer as aulas de dança e artes visuais que frequentava pelo vocacional no CEU e deixando de participar do grupo de dança Corpo Molde, daquela região, criado por um ex-vocacionado.
Esse encontro com a vocacionada Maisa resgatou este artista orientador dessa caminhada por territórios áridos. Tudo estava ali, eu somente precisava compartilhar minha experiência com os materiais que se desenvolviam diante de mim. Maisa a partir de sua experiência com os pais que a afastavam de seus interesses partiu para a criação de um trabalho que relacionava seu próprio corpo com as experiências que lhe eram particulares com um "corpo marionete", um corpo manipulável por outras forças e desejos que não os seus próprios. A partir dessa ideia já trazida no corpo pela vocacionada, precisei apenas encontrar, dentro do meu arcabouço de experiências, procedimentos diversos para esmiuçar a corporeidade sugerida por um "corpo marionete". Maisa, uma adolescente, nos seus 16 anos mostrou se disponível para se engajar nas minhas propostas de investigação. No início realizamos nossas orientações na terça, no CEU Campo Limpo e logo mais passamos a realizar orientações, também aos sábados, no CEU Feitiço da Vila.
O título escolhido pela vocacionada: Amarras - um corpo sem escolhas, para o seu trabalho foi questionado em seu subtítulo - seria realmente um corpo sem escolhas? Pensei tanto no caso da Vocacionada como no meu, enquanto artista orientador, nos processos emancipatórios de cada um. Maisa escolheu dizer não aos pais e retornou aos estudos e as orientações no vocacional dança e artes visuais, assim como retornou para o grupo Corpo Molde, mesmo que as pressões no entorno permanecessem. Eu decidi me mover onde estava chegando ao ponto de ir para outro equipamento e realizar esse trânsito, que é possibilitado, creio eu, pelo material norteador do programa. No meu caso as pressões por mais vocacionados no CEU Feitiço da Vila, também permaneceu. Escolhas talvez tenhamos, mais do que ontem, provavelmente menos, que amanhã ou até mesmo mais, nunca é possível precisar.
No ano anterior, meu primeiro ano no programa, escrevi sobre as necessidades de um processo emancipatório do artista orientador, que a meu ver seria um processo necessário para promover processos criativos emancipatórios dos/das vocacionadas/vocacionados, uma via de mão dupla. O foco da minha escrita se restringiu aos procedimentos artísticos desenvolvidos nas orientações com as/os vocacionadas/os. Este ano me parece ter ocorrido um aprofundamento neste processo de criação emancipatória do artista orientador Leandro de Souza marcado pela necessidade de mover o que não se move(o vocacional dança no CEU Feitiço da Vila, neste caso). Neste ano eu me conscientizei da possibilidade de rearranjar os arranjos já encontrados nos equipamentos aos quais somos designados no início do programa. Se a constatação dessa possibilidade é motivo de entusiasmo, também é motivo de angústia, porque nos arranca do comodismo e nos assombra com a responsabilidade que portamos diante do programa. Digo isso, porque se neste ano tomei a consciência da possibilidade de mover-se do artista orientador, rearranjando, em parte, os arranjos encontrados nos equipamentos, também me conscientizei das condições sob as quais desenvolvemos nossos processos, e processos criativos emancipatórios de artistas orientadores envolvem questionar e rearranjar as estruturas sob as quais este programa vem se desdobrando. Me parece eminente a mudança, eu não sou o melhor para discorrer sobre o assunto, outros estão mais autorizados. Me parece que nós artistas orientadores e coordenadores precisamos instaurar nossos processos emacipatórios de estruturas que não respondem mais as demandas do programa, principalmente precisamos fazer maior proveito ou aproveitar de um jeito outro, os caminhos possibilitados pelo próprio material norteador e nos desgarrarmos das lógicas de organização vigentes, para não sustentar mais as precariedades do programa.
Não desejo sustentar a precariedade, isso me leva a sentir-me um "charlatão", recordando "Lost In SpaceShit/Perdidos No EspaçoMerda"(ProAC 2013), trabalho da E2 Cia de Teatro e Dança, da qual faço parte, onde uma fala do seriado "Perdidos No Espaço" é reproduzida no espetáculo: o senhor é um charlatão....
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