terça-feira, 18 de novembro de 2014

O desenvolver de uma nova pesquisa



Ensaio de Pesquisa
Mariana Duarte (A.O da Biblioteca Monteiro Lobato/ equipe centro-oeste)

O desenvolver de uma nova pesquisa
Desde 2011 eu comecei a instaurar em meus encontros com os vocacionados uma nova proposta. Decidi oferecer a eles a experimentação com a dança aérea. Como eu já escrevi sobre o processo dos anos passados, vou me deter somente na edição de 2014, na Biblioteca Infanto Juvenil Monteiro Lobato.
Ao saber que estaria orientando na Biblioteca Monteiro Lobato fui imediatamente conhecer o espaço. Ao chegar, avistei um enorme parapeito e pensei.... “Uau! Será possível pendurar nessa sacada?”
Comecei os encontros muito desconfiada, com medo de arriscar. Depois de um tempo chamei os amigos para irem ver a biblioteca e eles acabaram me encorajando. Pedi autorização dos coordenadores de lá e dei início às atividades aéreas.
Esse ano, decidi que seria um ano de novas pesquisas não apenas para os vocacionados, mas principalmente pra mim. Levando em conta a própria estrutura da biblioteca, que não é própria para pendurar equipamentos aéreos, resolvi experimentar um aparelho novo, com o qual nunca havia trabalhado, nem pesquisado.
As cordas elásticas não são propriamente um aparelho circense, são cordas com uma elasticidade. Elas são utilizadas nas atividades de aventura como o Bungee Jump.
Eu montei três cordas e as fixo no parapeito da biblioteca com fitas de escalada. Eu utilizo 3 pontos para cada corda elástica, assim a tração exercida em cada ponto fica menor, o que proporciona mais segurança para o trabalho e menor risco para o patrimônio da biblioteca e principalmente para nós que vamos nos pendurar. Também faz parte do material utilizado uns giros que impedem as cordas de se torcerem com os movimentos realizados e proporcionam giros velozes com segurança e conforto.
Para nos unir às cordas elásticas utilizamos cadeirinhas de escalada, com pontos de clicagem na frente, ou seja, ficamos presos na altura do umbigo. Com o centro do corpo preso às cordas podemos executar os mais variados tipos de movimentos.
Todo material utilizado nessa pesquisa é meu e venho deixando na própria biblioteca por ser pesado para carregar toda semana. Além disso, a cada encontro monto e desmonto todos os pontos, deixando sempre a biblioteca com sua aparência característica.
Com tudo isso preparado, dei início às pesquisas propriamente ditas.
É sempre um desafio começar o trabalho e manter a coerência. Eu percebi desde o início desse trabalho que uma das grandes dificuldades é fazer a transição entre uma linguagem e outra sem perder o fio da meada.
Lembro-me dos primeiros encontros nos quais trabalhamos a conexão entres as partes do corpo. Todo trabalho começou por perceber o que é diferente no ar e como posso me sustentar nesse novo espaço aéreo. Com a prática no próprio aparelho, os vocacionados perceberam rapidamente como o corpo deve se organizar. Ao adquirirem simplesmente esse entendimento, me parece que o desafio do ar ficou pra trás e o que vem a tona é a pesquisa e a apropriação dos meios de produção artísticos.
Sempre que se movimenta utilizando um suporte aéreo e técnicas de suspensão oriundas da tradição circense o resultado é um “trabalho de circo”? Sempre que se abre mão dos recursos dramatúrgicos típicos do circo (que envolvem o risco, a virtuose, a força, o excesso de sensualidade) para desenvolver uma partitura de movimentos no espaço aéreo, o resultado se configura como um “trabalho de dança”? O que o trabalho carrega de cada uma dessas tradições? Quais são os limites do que vem se chamando de dança aérea? O que, de cada área, é útil para a criação de cenas? São questões complexas, sem resposta exata, sobre as quais venho refletindo no decorrer dos anos, tendo em vista experimentar lugares possíveis para a dança aérea.
Penso que a dança aérea é aquela em que o suporte não é apenas o chão, mas algum tipo de objeto que permite que o corpo fique, em alguma medida, suspenso, alterando as relações de peso, apoio e verticalidade, e consequentemente influenciando as qualidades de movimento. Esse objeto-apoio pode ser qualquer tipo de material que possa ser suspenso e aguente o peso de corpos, desde aparelhos circenses tradicionalmente usados para esse fim até materiais brutos (por exemplo, correntes, cordas) ou apoios “inventados” (objetos cotidianos, como cadeiras, camas, escadas ou quaisquer outros que ofereçam possibilidade de apoio).
Partindo desse princípio, poderíamos dizer que o que fazemos se trata, antes de mais nada, de uma pesquisa que funde as linguagens. Utilizando tipos de narrativa próprios à dança para a construção de cenas, privilegiando a pesquisa de movimento sobre a virtuose ou a técnica pura, e os caminhos para criação de movimento têm tanta importância quanto a forma final, e são parte essencial da comunicação que se pretende estabelecer com os públicos.
 A pesquisa realizada na biblioteca passou por vários momentos. Inicialmente houve a descoberta das possibilidades de estar fora do chão, de ponta cabeça, flutuando, girando. Aos poucos, outros elementos vieram integrar a pesquisa. Com um tecido de 12 metros fizemos várias experências cênicas e o material deu origem a uma imagem que por sua vez trouxe um conto. Assim nasceu um norte para as criações. O perfil dos vocacionados da biblioteca ajuda muito o próprio trabalho. São na sua maioria, artistas ou interessados em arte, adultos, com passagem pelo vocacional em outras edições. Dessa forma, contribuem muito para o processo com suas colaborações.
Um fator interessante e enriquecedor esse ano, foram as visitas de outro grupos, tanto de dança quanto de teatro. Tivemos as visitas do grupo da galeria Olido, do Ceu Butanta, da biblioteca Alceu Amoroso Lima e em todas elas a troca foi muito especial.
Uma das coisas mais interessantes de se perceber foi que quando chegava um grupo novo, que nunca tinha experimentado o movimento fora do chão, a turma tinha a possibilidade de rever o passado dela mesma e perceber naquele momento os avanços e progressos de cada corpo. Era poder ver no outro corpo o passado recente de seu próprio corpo. Assim, acontecia uma espécie de reconstrução da historia a cada momento.
Ainda, em relação `as visitas, eu tive muitas oportunidades de trocar a pesquisa realizada no biblioteca com outros grupos, indo nos espaços deles. A turma foi até a Galeria Olido, levando uma parte da pesquisa que estamos desenvolvendo com um tecido de 12 metros. Eu fui ao Tendal da Lapa duas vezes. Uma delas na turma de jovens especiais com deficiências variadas. Lá eu pendurei os equipamentos e todos puderam experimentar  a gravidade de uma outra maneira.
Em outro momento, também no Tendal, fazendo parte do encontro de formação Processos artísticos, tempos e espaços tivemos o cruzamento entre vídeo dança e dança aérea. Foi muito rico para os participantes. Eram na sua maioria vocacionados da dança que nunca tiveram esse tipo de experiência.
O cruzamento dessas duas linguagens também ocorreu no Ceu Jaguaré, como parte do Seminário “Processos de criação e pesquisa artística em dança” realizado pela equipe Centro-oeste. Esse momento foi particularmente especial por contar com uma maioria de artistas orientadores e coordenadores experimentando o processo de criação em dança aérea.
Posso dizer que esse ano tivemos muitas trocas. Pude disseminar e experimentar o processo criativo nos ares com grupos diversos em muitos sentidos. Isso, sem duvida, me ajudou muito a ir amadurecendo os procedimentos de criação e os modos e meios de como venho propondo a pesquisa para as outras pessoas.
Ainda assim, sinto que há muito o que se descobrir dentro de um processo como esse. Espero que possa dar continuidade a essa pesquisa com a dança aérea em novas edições do programa.



0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial