O desenvolver de uma nova pesquisa
Ensaio
de Pesquisa
Mariana
Duarte (A.O da Biblioteca Monteiro Lobato/ equipe centro-oeste)
O
desenvolver de uma nova pesquisa
Desde
2011 eu comecei a instaurar em meus encontros com os vocacionados uma nova
proposta. Decidi oferecer a eles a experimentação com a dança aérea. Como eu já
escrevi sobre o processo dos anos passados, vou me deter somente na edição de
2014, na Biblioteca Infanto Juvenil Monteiro Lobato.
Ao
saber que estaria orientando na Biblioteca Monteiro Lobato fui imediatamente
conhecer o espaço. Ao chegar, avistei um enorme parapeito e pensei.... “Uau!
Será possível pendurar nessa sacada?”
Comecei
os encontros muito desconfiada, com medo de arriscar. Depois de um tempo chamei
os amigos para irem ver a biblioteca e eles acabaram me encorajando. Pedi
autorização dos coordenadores de lá e dei início às atividades aéreas.
Esse
ano, decidi que seria um ano de novas pesquisas não apenas para os
vocacionados, mas principalmente pra mim. Levando em conta a própria estrutura
da biblioteca, que não é própria para pendurar equipamentos aéreos, resolvi
experimentar um aparelho novo, com o qual nunca havia trabalhado, nem
pesquisado.
As
cordas elásticas não são propriamente um aparelho circense, são cordas com uma
elasticidade. Elas são utilizadas nas atividades de aventura como o Bungee
Jump.
Eu
montei três cordas e as fixo no parapeito da biblioteca com fitas de escalada.
Eu utilizo 3 pontos para cada corda elástica, assim a tração exercida em cada ponto
fica menor, o que proporciona mais segurança para o trabalho e menor risco para
o patrimônio da biblioteca e principalmente para nós que vamos nos pendurar.
Também faz parte do material utilizado uns giros que impedem as cordas de se
torcerem com os movimentos realizados e proporcionam giros velozes com
segurança e conforto.
Para
nos unir às cordas elásticas utilizamos cadeirinhas de escalada, com pontos de
clicagem na frente, ou seja, ficamos presos na altura do umbigo. Com o centro
do corpo preso às cordas podemos executar os mais variados tipos de movimentos.
Todo
material utilizado nessa pesquisa é meu e venho deixando na própria biblioteca
por ser pesado para carregar toda semana. Além disso, a cada encontro monto e
desmonto todos os pontos, deixando sempre a biblioteca com sua aparência
característica.
Com
tudo isso preparado, dei início às pesquisas propriamente ditas.
É
sempre um desafio começar o trabalho e manter a coerência. Eu percebi desde o
início desse trabalho que uma das grandes dificuldades é fazer a transição
entre uma linguagem e outra sem perder o fio da meada.
Lembro-me dos primeiros encontros nos quais
trabalhamos a conexão entres as partes do corpo. Todo trabalho começou por
perceber o que é diferente no ar e como posso me sustentar nesse novo espaço
aéreo. Com a prática no próprio aparelho, os vocacionados perceberam
rapidamente como o corpo deve se organizar. Ao adquirirem simplesmente esse
entendimento, me parece que o desafio do ar ficou pra trás e o que vem a tona é
a pesquisa e a apropriação dos meios de produção artísticos.
Sempre que se movimenta utilizando
um suporte aéreo e técnicas de suspensão oriundas da tradição circense o
resultado é um “trabalho de circo”? Sempre que se abre mão dos recursos
dramatúrgicos típicos do circo (que envolvem o risco, a virtuose, a força, o excesso
de sensualidade) para desenvolver uma partitura de movimentos no espaço aéreo,
o resultado se configura como um “trabalho de dança”? O que o trabalho carrega
de cada uma dessas tradições? Quais são os limites do que vem se chamando de
dança aérea? O que, de cada área, é útil para a criação de cenas? São questões
complexas, sem resposta exata, sobre as quais venho refletindo no decorrer dos
anos, tendo em vista experimentar lugares possíveis para a dança aérea.
Penso que a dança aérea é aquela em
que o suporte não é apenas o chão, mas algum tipo de objeto que permite que o
corpo fique, em alguma medida, suspenso, alterando as relações de peso, apoio e
verticalidade, e consequentemente influenciando as qualidades de movimento.
Esse objeto-apoio pode ser qualquer tipo de material que possa ser suspenso e
aguente o peso de corpos, desde aparelhos circenses tradicionalmente usados
para esse fim até materiais brutos (por exemplo, correntes, cordas) ou apoios
“inventados” (objetos cotidianos, como cadeiras, camas, escadas ou quaisquer
outros que ofereçam possibilidade de apoio).
Partindo desse princípio, poderíamos dizer que o que fazemos se
trata, antes de mais nada, de uma pesquisa que funde as linguagens. Utilizando
tipos de narrativa próprios à dança para a construção de cenas, privilegiando a
pesquisa de movimento sobre a virtuose ou a técnica pura, e os caminhos para
criação de movimento têm tanta importância quanto a forma final, e são parte
essencial da comunicação que se pretende estabelecer com os públicos.
A
pesquisa realizada na biblioteca passou por vários momentos. Inicialmente houve
a descoberta das possibilidades de estar fora do chão, de ponta cabeça,
flutuando, girando. Aos poucos, outros elementos vieram integrar a pesquisa.
Com um tecido de 12 metros fizemos várias experências cênicas e o material deu
origem a uma imagem que por sua vez trouxe um conto. Assim nasceu um norte para
as criações. O perfil dos vocacionados da biblioteca ajuda muito o próprio
trabalho. São na sua maioria, artistas ou interessados em arte, adultos, com
passagem pelo vocacional em outras edições. Dessa forma, contribuem muito para
o processo com suas colaborações.
Um
fator interessante e enriquecedor esse ano, foram as visitas de outro grupos,
tanto de dança quanto de teatro. Tivemos as visitas do grupo da galeria Olido,
do Ceu Butanta, da biblioteca Alceu Amoroso Lima e em todas elas a troca foi
muito especial.
Uma das
coisas mais interessantes de se perceber foi que quando chegava um grupo novo,
que nunca tinha experimentado o movimento fora do chão, a turma tinha a
possibilidade de rever o passado dela mesma e perceber naquele momento os
avanços e progressos de cada corpo. Era poder ver no outro corpo o passado
recente de seu próprio corpo. Assim, acontecia uma espécie de reconstrução da
historia a cada momento.
Ainda,
em relação `as visitas, eu tive muitas oportunidades de trocar a pesquisa
realizada no biblioteca com outros grupos, indo nos espaços deles. A turma foi
até a Galeria Olido, levando uma parte da pesquisa que estamos desenvolvendo
com um tecido de 12 metros. Eu fui ao Tendal da Lapa duas vezes. Uma delas na
turma de jovens especiais com deficiências variadas. Lá eu pendurei os
equipamentos e todos puderam experimentar
a gravidade de uma outra maneira.
Em
outro momento, também no Tendal, fazendo parte do encontro de formação
Processos artísticos, tempos e espaços tivemos o cruzamento entre vídeo dança e
dança aérea. Foi muito rico para os participantes. Eram na sua maioria
vocacionados da dança que nunca tiveram esse tipo de experiência.
O
cruzamento dessas duas linguagens também ocorreu no Ceu Jaguaré, como parte do
Seminário “Processos de criação e pesquisa artística em dança” realizado pela
equipe Centro-oeste. Esse momento foi particularmente especial por contar com
uma maioria de artistas orientadores e coordenadores experimentando o processo
de criação em dança aérea.
Posso
dizer que esse ano tivemos muitas trocas. Pude disseminar e experimentar o
processo criativo nos ares com grupos diversos em muitos sentidos. Isso, sem
duvida, me ajudou muito a ir amadurecendo os procedimentos de criação e os
modos e meios de como venho propondo a pesquisa para as outras pessoas.
Ainda
assim, sinto que há muito o que se descobrir dentro de um processo como esse.
Espero que possa dar continuidade a essa pesquisa com a dança aérea em novas
edições do programa.
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