A
NECESSIDADE DE ERRAR: O ARTISTA ORIENTADOR EM MEIO AO TRANSITO ARTÍSTICO E
PEDAGÓGICO NOS ENCONTROS
(Re) começar poderia ser premissa de qualquer
trabalho artístico olhar duas vezes para o que se pretende e novamente voltar a
olhar. Olhar para o caminho, redesenhar os próprios passos, se perder em meio
as ansiedades, errar e voltar a errar.
Experimentar-se estrangeiro de seu próprio
território, reavivar o frescor das experiências e redescobrir possibilidades na
potência dos encontros, às vezes nos mesmos lugares, com as mesmas pessoas, as mesmas
questões e eu, novamente eu... Ensimesmado, ou pelo menos cheio de certezas incertas
que construo e carrego como uma armadura e, de repente um encontro. A brilhante
armadura se desfaz, vira um trapo incapaz se quer de proteger do frio do medo
de não saber mais o que fazer, de não reconhecer o chão que se pisa. Medo da
potência dos encontros.
Eu artista, na função de orientador escolho o
espaço, pesquiso linguagens, mas não posso escapar da dura beleza, da urgência
e crueldade dos encontros. Como se fosse privilegio meu... ninguém pode! Quando isso acontece, quando nossa brilhante
armadura se desfaz só nos resta a dura tarefa de nos deixar atravessar. E como
é difícil, como é duro e como é necessário. Se crescer dói, sofro pelo querer
ser.
Os encontros, quando potentes, nos atravessam
e sempre levam algo de nós e sem que ao menos possamos perceber já fazemos
parte de outra subjetividade, mas também, mesmo sem perceber deixam algo em
nós. O que faço com tudo isso que fica pulsando, latejando como uma ferida
aberta? Sem encontrar resposta, simplesmente sigo com mais uma certeza: novos
encontros virão e novamente seguirei sem saber o que fazer quando atravessarem
meu caminho. Os muitos atravessamentos nos constroem e criam armaduras reluzentes
de certezas tão solidas que duram, no máximo, até o próximo encontro.
"Este
processo se iniciou da observação de valores que indivíduos, de alguma forma,
conseguiram desenvolver mesmo em circunstâncias insólitas" (José de Abreu-
morador de rua).
DOS
ENCONTROS NO PROGRAMA DE BRAÇOS ABERTOS, RASTROS DAS PRIMEIRAS AÇÕES
Estabelecemos como estratégia que, ainda
sendo uma equipe humana extremamente reduzida (somos apenas três artistas, dois
orientadores e um coordenador), tínhamos que nos fazer ver, ocupar o espaço com
nossa presença para nos inserir no meio e estabelecer vínculos com os
frequentadores da Tenda.
Como no nosso trabalho desenvolvemos estratégias
e procedimentos que pudessem interferir na dinâmica e possibilitassem novos
olhares para velhos hábitos. Assim realizamos:
-Fazer-se presente, dividimos nossos horários
de modo que estávamos na tenda praticamente todos os dias da semana. Esta
ocupação teve o objetivo de mapear o espaço e o entorno, além de nos fazer
conhecidos no meio, o que possibilitaria estabelecer uma relação e dialogo; A
primeira ação clara é estabelecer vínculo com os frequentadores da tenda.
-Uma roda de samba na rua. Esta ação
experimentou interagir com uma cultura já instaurada no local. Apuramos que
este samba já acontecia havia algum tempo. Embora este possa funcionar como um
resgate de potencialidades artísticas (cantores, instrumentistas, artistas
plásticos e dançarinos), este também vem se transformando e ganhando
características do “fluxo”;
-Corpos em movimento na entrada da tenda.
Experimentamos um alongamento na entrada da tenda e foi possível perceber que
embora algo mais calmo e diferente da dinâmica comum chame a atenção e desperte
novos olhares, ele logo perde sua força por ser constantemente
interrompido;
-Organização de uma bateria de samba que
acompanhou um trio elétrico nas ruas do bairro. Nesta ação pegamos um gancho em
um evento realizado por outras organizações. Percebemos que estes eventos são
realizados de forma isoladas da tenda, sem articulação entre as várias
secretarias que atuam no local e embora tenham um forte poder de modificar a
dinâmica local acontecem como ações muito pontuais e sem continuidade, por
tanto não geram vínculos;
-Intervenção no espaço. Inserção de corpos na
parede com registro do contorno do corpo. Os registros feitos em giz
transformaram a paisagem da tenda, chamando a atenção do olhar e também
funcionou como um disparador de diálogo;
-Acompanhamento das equipes que trabalham
varrendo as ruas. Com o objetivo de conhecer de perto e de fato quem é e onde
está a população com quem deveríamos está lidando. Esta ação nos fez enxergar
uma possibilidade de realmente dar início a um trabalho mais direto com esta
população e de certa forma diminuir as “distancias” entre as ações já
implantadas.
SOBRE
EXPERIÊNCIAS QUE GERAM ENCONTROS, QUE POSSIBILITAM ESPAÇOS, QUE GERAM
EXPERIÊNCIAS NOS FLUXOS DO TEMPO
Após muitas investidas nestes meses de
atuação no Programa de Braços Abertos, cavamos espaços, travamos embates e nos
debatemos em torno de nossas próprias ansiedades. Como consequência criamos um
mecanismo de trabalho, uma metodologia que pudesse dar vasão aos nossos anseios
e expectativas. O PAS (Programa Artístico Singular), em contraponto a uma ação
coletiva, mais sem nega-la como possibilidade, visa estimular e desenvolver
ações artísticas valorizando as singularidades de cada desejo. Seu
desenvolvimento baseia-se em mapear as potencialidades artísticas do território
e desenvolver conjuntamente um programa a ser realizado, executar e registrar
todo o processo.
Nosso primeiro programa foi desenvolvido a
partir do desejo do Sr. José de Abreu, morador de rua, ex-usuário de crack e
profundo conhecedor da cultura aborígene (ver ficha do PAS). Seu desejo era o
de criar um vídeo ensinando a confeccionar um didgeridoo- instrumento aborígene
de sopro utilizado em práticas de meditação- além da realização de oficinas
onde pudesse difundir este instrumento e a cultura que o envolve. Desenvolvemos
o programa e da compra do bambu, material utilizado na confecção do
instrumento, a postagem do vídeo na internet o processo está registrado por
meio de vídeos e fotos (https://www.youtube.com/watch?v=ph_kld5ptVA).
O outro processo em desenvolvido foi com a
vocacionada Tais Madureira, usuária e beneficiária do programa de varrição, seu
desejo erra desenvolver um roteiro de uma peça teatral ou documentário expondo
as muitas visões de mundo que circundam a região da "Cracolândia",
este processo culminou com a elaboração de escritos intitulados “Janelas da
rua”. Este material foi disponibilizado para toda a equipe do programa via
e-mail e pode ser consultado no relatório final enviado pelo Artista Orientador
Rafael Presto.
UM...
DOIS... TRÊS E DERIVA, SOBRE A NECESSIDADE DE ERRAR...
É preciso gerar protocolos, deixar rastros, e
acreditar neste dispositivo como forma de articular-ações.
Nosso trabalho na tenda e região da luz se
desenvolveu em torno de um mapeamento das potencialidades artísticas e na busca
de um espaço possível à realização de atividades condizentes com os princípios
que norteiam o Vocacional. Assim, o lugar que ocupamos foi justamente o de
articular-ações que atravessam este espaço, tendo como foco principal gerar
vínculos com os usuários.
Em meio ao fluxo constante de atravessamentos
que invadiram nossa experiência, nos debruçamos sobre nossos próprios rastros,
geramos protocolos e desdobramos nossos erros assim, invertermos a lógica e
vimos que frustração é só uma parte de Ação.
SOBRE
A CONSTÂNCIA DA DERIVA ÀS SUBJETIVIDADES DOS ENCONTROS
Alex Eliseu da Silva (beneficiário do
programa), Simone Margarida Siqueira (beneficiaria do programa), Tais Madureira
(cantora, escritora e extremante inteligente), Donizete Garcia (cantor gospel),
Cristiane Mendes Frante (beneficiaria do programa), José Gilmar da Silva Junior
(beneficiário do programa), José de Abreu (profundo conhecedor da cultura
Asteca, sopra e fabrica didgeridoo), Mc Latinha (compositora de rap e funk),
Tia (ex-bailarina), José Roberto (poeta), Bruna (travesti, pessoa muito bem
humorada e espontânea), Zélia (gerente da tenda), Tiquinho (voluntário), Odara
(voluntário), Raona (CEDECA Interlagos), Laura (CEDECA Interlagos), Daniel
(CEDECA Interlagos), Rafael Presto (companheiro de Guerrilha), Ieltxu
(companheiro de guerrilha), Guerra (morador de rua), Felipe (morador de rua),
Eliane (profissional da saúde), Joana (assistente social), Tatiane (assistente
social), Jamaica (morador de rua), Cigano (morador de rua), Evandro Martins
(percussionista, já fez teatro e dança, conhece vários artistas da Zona Oeste),
Diego (artista visual, desenha, grafite, pinhole e foto com caixinha de
fósforos) é de Bonito (MS), Fofão (Gerson- Começou a participar do show da
Virada), Cao-x (rapper e compositor começou a participar do show da Virada),
Tia (Sandra Aparecida Lopes dançarina, mãe de rua), Lucia (vó de rua), Yulli
Prado/Renata (travesti- Maranhão, conhece danças dos orixás), Rogerio (artista
que pinta com os dedos) [vídeo], Wagner (participou de coral na oficina do
projeto Criança Esperança, na zona sul), Michel (foi dono de uma escolar de
música em Santo André), Luís Fernando (artista plástico), Teca (instrumentista
toca pandeiro e recita poemas), Rafaela Lima (dança de salão), Williamon da
Silva Costa (lutador de capoeira). Pessoas! Não usuários. Universos singulares
que atravessaram nosso caminho destruíram nossa brilhante armadura de certezas
incertas e nos fizeram sentir estrangeiros em “nosso” próprio território.
Seguimos caminhando e construindo um caminho na expectativa de novos encontros
sem que nada nos pertença, simplesmente nos atravessa no Tempo... Desejo e Pertencimento, pois:
Nada me pertence.
Se
algo me pertence não só a mim pertence, mais simplesmente transita por mim,
assim como estou e agora já não estou mais...
Estou
parte do fluxo continuo que me atravessa e só o que me pertence é o desejo de
me entregar e ser fluxo também!
Flutuar pelas formas e, mesmo que por um instante,
habitar outras formas.
Assim como estou, e agora já não estou mais, tudo é
transitório e tudo passa...
Tudo o que eu sou só agora sou. E agora já não sou mais.
Temporariamente.
Márcio
Dantas Silva
Marcadores: Artes Integradas, Programa de Braços Abertos, região da luz- Cracolândia
1 Comentários:
Como faço para ter noticia sobre uma das beneficiarias? Ela é minha mãe
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