VOCACIONAL - ARTES INTEGRADAS - PROGRAMA DE BRAÇOS ABERTOS
VOCACIONAL - ARTES
INTEGRADAS – PROGRAMA DE BRAÇOS ABERTOS
Coordenação: Ieltxu
Martinez Ortueta
Artistas Orientadores:
Márcio Dantas e Rafael Presto
6º Relatório |
Reflexão
RELATÓRIO FINAL
Rafael Presto, domingo, 17/11/2014,
Aqui somos todos sujeitos. Toda vida vale a pena ser vivida.
Existe uma cultura subterrânea, distante para nós, filhos da norma. Um
modo de existir complexo, na beirada da subsistência, no limite do capitalismo,
no risco do próximo trago. No fluxo da crackolandia, o samba é tocado na lata
de lixo, o funk sai da caixinha, os cachorros dormem nas carroças, fuma-se
pedra. “Aqui é a usolândia”, me falou outro dia um rapaz por lá, “a gente
respeita todas as brisas”.
A violência é como um pano de fundo de todas as relações. A violência é como
um que um acento de todos os afetos. A violência é como que uma estratégia de
sobrevivência. Vimos, vivemos, passamos por muita violência em todo nosso
processo.
A vida do lado de lá tem a exata medida do presente imediato. A tônica é
o agora. A vida como que sem memória, fluxo permanente. Agora. É a vida de quem
sobrevive. Do resto, do lixo, do trapo.
Não existem alienados do aqui. Todo mundo sabe exatamente o que
representa. Família crackolandia.
Toda cultura se tece no hábito. Na repetição cotidiana. A crackolandia
produz pertencimento a todos que dispõe seus corpos em sua produção. Sabem da
força que tem. Se mexem daquele jeito estereotipado, sim senhor! É um traquejo
do corpo, uma certa mumunha. Todo corpo carrega seu hábito. Sei do estereótipo
que meu próprio corpo carrega.
A violência mais presente na crackolândia com certeza é a violência com
as mulheres. Absolutamente todas as mulheres que conhecemos, habitantes da vida
da rua, que conhecemos na Tenda De Braços Abertos, todas sofreram violência pesada
de seus companheiros. TODAS AS MULHERES QUE CONHECEMOS DURANTE O PROGRAMA
SOFRERAM VIOLÊNCIA PESADA DE SEUS COMPANHEIROS. Todas. Em algum momento nos encontrávamos
com elas, elas com o rosto arrebentado pelo companheiro. Algumas foram para a
UTI. Um verdadeiro filme de horror, a violência contra a mulher, o machismo
infinito de uma das mil faces da cultura da rua.
Alguém quer fazer um processo de emancipação a partir da pesquisa
artística, minha gente? No meio disso tudo, quem vai querer aí o Programa
Vocacional da Secretária de Cultura? Eu, artista orientador que ganha dois paus
para trabalhar lá, em meio a vidas persistindo no limite de tudo.
E todo o arsenal de programassecretáriasserviçosassistênciasplanilhas. O
convívio intenso com uma constelação de trabalhadoras e trabalhadores dos mais
diversos serviços; voluntários das mais diferentes naturezas; curiosos de todo
tipo.
ATRAVESSAMENTO: Alguns tipos iam para a crackolandia para fazer uma
espécie de tour. Simplesmente para circular por lá e olhar o entorno.
Cracko-tour. Como se aquilo fosse uma espécie de simba-safari da miséria, um
zoológico da pobreza extrema. É por coisas desse tipo que, se você tira uma
foto por lá, te tomam o celular e você corre o risco de tomar uma surra. É uma
das estratégias de defesa que a cultura crackolandia faz acontecer.
Encontrar parceiros dispostos a ativar potências criativas no espaço da
Tenda, um importante trabalho que realizamos nesse fim de processo. Coletivo
Sem Terno. Espaço/ação para o livre encontro de trabalhadorxs, usuárixs e
qualquer pertencente a este território. Produzir potência no encontro. Tecer rede,
verbo de ação.
Fim de processo. Depois de oito meses. Em um saldo maluco, entre pessoa
ameaçada, briga de cachorro separada no chute, vivências com Didgeridoo no meio
do fluxo, leituras de escritos nos quartos dos hotéis do De Braços Abertos, as
rodas de samba, o bloco de carnaval, qualquer coisa se passou por aí.
Sem dúvida, o mais potente que produzimos veio do encontro singular, dos pontos
de contato olho no olho, pessoa a pessoa. Encontros que frutificaram um
registro / produção do gesto que arriscamos. No limite da invisibilidade. Numa
infinita importância micropolítica. Meu eterno agradecimento pelo potente
encontro a José Abreu, Xamã Urbano, e Taís Madureira, cronista da rua.
Do encontro potente com essas singularidades, fez-se alguma emancipação
poética, arriscou-se algum gesto de criatividade, potência de vida. Potência de
vida na mais inusitada das situações.
Nos empenhamos com tudo que tínhamos. Com o que podíamos oferecer. Com a
sabedoria que tínhamos a capacidade de ter. Ocupamos as nossas mãos. Tecemos
encontros. E hoje, sinceramente, posso apenas dizer que a cultura da rua
precisa ser afirmada.
Existe uma parte da população que habita este espaço que é convicta em
seu modo de existir. José e Tais são pessoas desse tipo. Singular e
afirmativamente habitantes da cultura da rua, essa vida que corre nas frestas.
Afirmam! Não querem saber de reinserção nenhuma!
Reinserção em que? Numa parcela de consumo no limite da sobrevivência?
Trocar a vida da rua por um emprego terceirizado de R$600 por mês? Alguns
ponderam e optam por, convictamente, continuar na rua.
Do lado desse que estamos. Desses que produzem uma vida outra para lidar
com a miséria imposta por um mundo desigual. Uma cultura subterrânea.
Percebe quanta maluquice? Que texto desigual, sem beira, cheio de
pulsações, qualquer coisa de desconectado. É que muito já foi dito. Muito já
foi dito, escrito, registrado, postado, comentado, brigado, discutido.
Este é um último relato de uma série de tentativas de dois artistas
orientadores do Programa Vocacional Artes Integradas que, numa engenharia
institucional, foram colocados no Programa De Braços Abertos para “fazer o que
quiser”.
Fizemos. Segue link dos vídeos que surgiram dos encontros, seguido das
produções textuais, seguido dos relatórios. Eis o relato, o registro, a
tentativa de pensamento, o rastro, disso que cometemos.
Território crackolândia. Não existem alienados do lado de cá.
Aqui somos todos sujeitos. Toda vida vale a pena ser vivida.
Links Vídeos:
Dia de Pipa [Coletivo Sem Terno]
Como Fazer um Didgeridoo
Escritos de Taís
1ª JANELA –
DIFERENÇAS DA NOSSA REALIDADE
Existe entre nós os que são chamados de nóias, de maneira pejorativa e que demonstram não só descaso ou
desprezo por parte da sociedade além de marginalizar e baixar a auto-estima do
viciado.
Também em contrapartida existem os que se autodenominam usuários, que por andarem melhor
trajados, sempre a procura de coisas de marca ou de qualidade para negociar por
pequena porções de crack.
Podemos notar que a principal diferença a ser notada no meio
do fluxo entre estas duas classes, muito bem subdivididas, é o modo de consumir
crack, a ferramenta utilizada.
Exemplo:
Nóias – Cachimbo de Alumínio e Isqueiro
Paraguaio. O alumínio permite que a resina se potencialize o teor químico
durante a combustão no aquecimento externo inferior; conhecido também como
Tocha.
Usuários – Cachimbo
feito com válvula de gás do fogão. Conhecida entre eles como fogãozinho. Esta ferramenta, devido a
espessura de seu material, permite que a resina se condense e acumule, formando
a chamada rapa.
Quem usa o fogão não usa e condena o uso de cachimbo
tochado.
Quem tocha acha desperdício o uso do fogãozinho.
2ª JANELA –
ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NA RUA
Existem 2 palavras que definem o melhor caminho para se
fazer viável a sobrevivência num lugar desumano como a crackolândia. São elas: Proceder e Humildade.
Embora vista pela TV ou até mesmo do outro lado da rua, a
crackolândia parece uma imensa bagunça acompanhada de desordem. Mas apenas
parece.
Muitos imaginam uma exorbitante violência e impunidade.
Mentira.
A palavra proceder
define as regras impostas pelo submundo, mas que no entanto, elas tem como base
o certo, o justo, e o correto. Parece
até brincadeira.
Um exemplo prático é: não é novidade nenhuma a presença de
contravenções além do tráfico, porém as pessoas que são responsáveis pela
disciplina não aceitam o roubo de pedestres no local.
Também não é aceito o furto entre nós, conhecido como rateação; as pessoas que praticam são Ratos, e isso é a pior ofensa entre nós,
o que também causa o afastamento de todos ao seu redor, além de que qualquer
lugar em que tais entrem também é avisado sobre o seu procedimento, causando
vergonha e agressão a todo instante.
O proceder não permite o cagueta,
que de certo é chamado de coisa e tem
como sentença a morte.
O talarico é muito
mal visto, além de também estar sujeito a cobrança.
A humildade em
contrapartida te permite ser aceito em qualquer lugar e não passar pormuitas
dificuldades.
Porque é através dela que podemos dizer que quem lembra é
lembrado ou fortaleço quem me fortalece.
A igualdade é muito importante como parâmetro de cobrança:
Pau que dá em Chico também dá em Francisco.
Logo seguindo algumas regras é possível a sobrevivência com
aparente tranquilidade.
3ª JANELA – AS
MARAVILHAS DA RUA
Podemos dizer que mais do que em qualquer lugar a rua tem as
suas facilidades, o que podemos imaginar como uma grande feira do rolo, ou a
maior do mundo.
Na crackolândia é impressionante a forma como é visto o
crack em forma de moeda.
É possível se trocar uma porção equivalente a no máximo R$2
por um moletom de R$100 ou ainda um celular de última geração por no máximo
R$50 ou um aparelho simples por 1 pedra de R$10.
Mas na verdade existe várias coisas utilizadas como moeda,
por exemplo o cigarro, capsulas, peças para se fazer cachimbo como capacitores
e antenas de TV, enfim.
4ª JANELA – O ANTES
DA RUA
Pode-se dizer que 70% dos que aqui estão tem família, o que
já nos permite dizer que no mínimo alfabetizados ou ainda graduados, todos pela
mesma razão, acabaram se deparando com um lugar e condição onde é quase
impossível se ter o controle espontâneo de ir e vir.
No entanto, todos os que aqui estão tiveram sim uma vida
normal com rotina, profissão, responsabilidade, família, lazer, enfim, viviam.
Posso também afirmar que pelo menos 60% desta população
antes da rua era direta ou indiretamente ligados a igreja, Pastores, levitas,
missionários, evangelhistas, enfim, costumo a dizer que o Diabo não quer aquilo
que ele já tem, afinal ele veio apenas para roubar, matar e destruir.
Quando, por desespero de alma, nos permitimos envolver,
acreditando ser uma solução imediata e sem esforço, parece até lucrativo a
troca de valores; por um momento de alívio e prazer demonstra-se até necessária
ou mesmo a última saída.
(Mentira de Satanás).
Após acreditarmos nesta mentira tão convincente, o passar
das horas e a perda de compromissos, sem uma justificativa plausível, somados a
um sentimento de culpa e medo, não nos permite voltarmos as nossas vidas.
Agora com imensa vergonha, sobrevivemos. Pensamos: Se eu
ligar minha mãe vai chorar, O que eu vou dizer?
Em algum tempo logo nos esquecemos de que éramos e nos
esforçando para manter algo de nossa essência vivo em nosso olhar, construímos
uma imagem daquilo que aprendemos a ser segundo as nossas necessidades.
Ao olhar as fotos de pouco tempo antes de estarmos aqui, não
acreditamos no que vemos, parecemos estranhos.
Voltando a realidade nos vemos irreconhecíveis e
desfigurados.
Eu particularmente tenho imensa amargura de lembrar como e
quem eu era.
Não é possível conter as lágrimas diante de um rosto
envelhecido pelo sofrimento e o uso de crack.
5ª JANELA – OS MUITOS
OLHARES SOBRE A RUA
Existem vários tipos de classes, cargos e posições ao redor
da crackolândia.
Então percebi a maneira de olhar diante de diferentes pontos
de vistas.
Por exemplo: existe um pequeno comércio ao redor da
crackolândia sustentado basicamente pelos chamados nóias, no entanto ao se
dirigir a tais estabelecimentos, envergonhados e destratados são constantemente
submetidos a humilhação e zombaria.
Assim como os próprios traficantes que dependem totalmente
deles para o comércio do crack, costumam ser bastante arrogantes com eles.
Aliás, as pessoas que passam sentindo a estação já estão
programadas a dizer não, não importa qual seja a pergunta.
A polícia simplesmente nos trata como lixo e hoje em dia é
muito raro eles perderem tempo abordando nóia.
Normalmente vistos como mentirosos, preguiçosos e altamente
perigosos. O que acredito não ser bem verdade.
Vistos pela sociedade como causa perdida.
6ª JANELA – A RELAÇÃO
DA IGREJA COM A RUA
Este tema é bastante
complicado porque na realidade acaba se tornando uma imensa hipocrisia.
Eles vêm aqui para nos falar de um Jesus que eles não
entendem.
Se o médico veio para os que estão doentes, e pelo que é
dito na bíblia, Ele não andava com os fariseus exatamente como vejo.
Eles fazem caridade para os outros verem e não visando o
sofrimento do próximo.
Agora o pior exemplo é o da Missão Belém que permite que
recém recuperados venham sozinhos evangelizar na crackolândia, expondo-os a
recaída inevitável.
Acredito que os que trazem comida, independente da intenção,
acabam fazendo a vontade de Deus.
Porém muitos acabam nos chantageando baratamente sem a visão
de que é inútil tal atitude.
Porém, é fato que a presença de qualquer que seja a
denominação é respeitada e entre nós é cobrado o respeito como forma de
gratidão.
Acredito que a abordagem deles e grupos é sem retorno.
Quando algum deles procura especificamente por alguém, vejo que além de ser
sincera a vontade de ajudar além de que de fato o retorno é muito maior.
Quando isto acontece a ajuda é maior do que se imagina,
porque o fato de alguém ter me procurado diretamente, levanta a auto-estima
criando motivação para uma melhora espontânea.
7ª JANELA – CAUSA,
MOTIVAÇÃO OU JUSTIFICATIVA
Gostaria de iniciar este tema mostrando 2 realidades opostas
que propiciam o uso do crack.
Imagine um estereótipo de família onde a tradição é notória
e o alicerce é firme e sólido. Imagine uma criança criada num lar onde seus pais
constituem uma união duradoura, propiciam estudo de qualidade, amor, atenção,
quanto ao seu tempo disponível, não permitindo ociosidade ou frustração, donde
tal pessoa é popular, aceito pelos amigos da escola ou tratamento, namora com
alguém onde se sente correspondido, é eficaz no seu trabalho e reconhecido por
isto, possui uma vida social ativa onde seus amigos demonstram a necessidade da presença em qualquer evento,
fins de semana é convidado por amigos para almoços, futebol, festas, enfim,
qual seria o tempo ou motivação para o uso de drogas, até porque sua própria
consciência com relação a quantas pessoas ficariam decepcionadas com tal
comportamento não permitem que de fato a pessoa se permita persuadir por tal
prática.
Em contrapartida imagine você uma criança que assiste a
conflitos constantes de seus pais seguidos de agressões e cresce com um lar
desestruturado com nenhum interesse sobre seu desempenho na escola, sem nenhum
tipo de vínculo social e pouca condição monetária, além de nenhuma oportunidade
de trabalho digno ou aceitação afetiva. O que você imagina que possa fazer com
que tal jovem consiga conviver com tal realidade.
As drogas permitiram que esse jovem se encaixasse num grupo
onde ele agora é popular e o uso do entorpecente propicia a sensação de alívio
momentâneo e ao mesmo tempo, em muitos casos, estimula o raciocínio de modo que
o usuário encontra formas de se defender do constrangimento e frustração
internos. O esquecimento ainda que momentâneo desses traumas geram uma sensação
de prazer que torna-se totalmente indispensável na sua vida. Logo o vício
substitui toas as causas e a força do hábito é dominante.
Sempre é tentando preencher algum vazio, ou na área social
ou no meio familiar ou ainda na vida afetiva ou profissional que propiciam o
uso do crack. A autoafirmação também.
Pessoas que possuem a ansiedade de aceitação e compulsão
estão propensas a substituição pelo crack.
8ª JANELA – O OLHAR
DA POLÍCIA SOBRE A RUA
Já fazem 7 anos e com este tempo já fui submetida a muitos
tipos de abordagem e operações.
Posso dizer que este tempo nos permite até classificar o
tipo de abordagem dependendo do tipo de polícia.
A cavalaria costuma a ter um trabalho educado e psicológico,
evitando agressões físicas e verbais. Demonstram respeito.
A Força Tática costuma a ser direta e violenta.
A polícia a pé costuma apenas tomar nossos pertences e
causar desconforto por ter abordagem demorada e cheia de perguntas.
A metropolitana é despreparada e sem visão.
Agridem desnecessariamente e se enganam demais em suas
suposições.
A civil é aquela que só quer peixe grande, não fazem
abordagem, eles só vêm na certeza e na pessoa certa, geralmente por caguetagem.
9ª JANELA –
IDEALIZAÇÃO DE UM POSSIVEL TRATAMENTO EFICAZ
Acredito sim que o crack seja uma doença sem cura, assim
como a AIDS ou a diabetes, é possível conviver bem, mas é necessário o
tratamento até o fim de seus dias. No entanto, é necessário vários fatores que
propiciam o uso para serem restituídos.
Por exemplo, a auto estima é fator imprescindível para a
recuperação, porém ela só estará reestruturada a medida que a confiança
depositada com pequenas responsabilidades recupere a dignidade e bem estar de
retomar seu espaço na sociedade.
Então imaginei uma clínica que não tivesse o empecilho da
abstinência para o término de um tratamento.
Imagino que ao ingressar em um tratamento fosse estipuladas
as atividades diárias e uma cota permitida diariamente e administrada com
supervisão profissional, a medida que fosse observado o nível de compulsão e
ressocialização gradativa.
A cada mês é aumentada a sua carga de atividades, reduzindo
o tempo ocioso e aumentando a sua responsabilidade e inserção social
gradativamente, diminuindo a sua cota de crack.
O fim do tratamento se daria quando o próprio dependente percebesse
a não necessidade do crack devida a sua total reinserção social e dignidade
estruturados.
Após 1 mês de observação sem a química poderia dizer que
está estabilizada a necessidade e sob controle a compulsão e abstinência.
Mente vazia é oficina do Diabo.
Não acredito que seja prudente o ex-dependente retornar aos
locais antigos, dos velhos hábitos. Não existe super-homem quando o assunto é o
crack e o principal ingrediente é a vontade própria.
É impossível a internação compulsória gerar algum tipo de resultado
além de traumas.
Se possível, o esforço da família é indispensável.
Agora o mais importante é saber que a força para vencer esta
batalha somente é possível se Deus estiver em 1º lugar.
- Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas.
- O choro pode durar 1 noite, mas a alegria certamente vem
pela manhã.
- Bem-aventurados os que choras, porque haveis de rir.
- Vinde a mim vós que
estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei.
(Palavras do mestre Jesus)
ESCRITOS DO JOSÉ DE ABREU
Como se inicia este processo?
Este processo se iniciou da observação de valores que indivíduos, de
alguma forma conseguiram desenvolver mesmo em circunstancias insólitas.
O que representa este
processo?
Uma oportunidade enriquecedora de aprimoramento pessoal, tornando-nos
mais sensíveis a sociedade.
Como ele se relaciona com sua
visão de mundo?
O Didgeridoo originou-se na Austrália entre os aborígenes acerca de 70
mil anos, diz a lenda que nativos, devido a intemperes climáticas, abrigaram-se
em uma caverna e providenciaram uma fogueira e de um galho em chamas abelhas
começaram a fugir do fogo. Um dos nativos tirou o galho da fogueira e soprou o
galho, forçando a saída de toda a colmeia e produzindo um som que conduziu as
abelhas a formarem o cosmo e toda a filosofia do xamanismo.
Em algumas regiões da África, por ser um instrumento fálico, é associado
ao orixá Exu que detém os segredos místicos. Os monges tibetanos utilizam o
Didgeridoo em práticas de exercícios meditativos.
O Didgeridoo tem o potencial de meditação, além de ser terapêutico,
liberando através da respiração circular a endorfina, reduzindo os níveis de
cortisona, estabilizando a corrente sanguínea e ativando áreas pouco
estimuladas do cérebro tornando o praticante mais sensível ao mundo que o
rodeia. Todos os praticantes tem notado significativamente que sua qualidade de
vida modificou, são pessoas que ampliaram as suas percepções, e através disso,
relacionando-se melhor e diversificando seu modo de agir em sociedade. O potencial místico que envolve a prática do
Didgeridoo esmera nossas habilidades, faculdades em nós são despertadas
tornando-nos interiormente fortes, seguros e mais aptos no relacionamento com o
semelhante.
Sobre o processo do vídeo.
Eu estava frequentando a tenda do programa de braços abertos e
observando educadores e orientadores, então apareceu a sugestão de um vídeo
acerca de um conhecimento adquirido em minha trajetória de rua, isso veio ao
encontro da minha percepção de passar esse conhecimento para outras pessoas.
Foi uma experiência muito bacana, fazer algo inédito. As filmagens foram feitas
na região da luz com um celular. A disposição e as perguntas dos camaradas
contribuíram e me animaram bastante. Nos dias de filmagens as reflexões sobre
os locais, o aproveitamento do espaço e o que estávamos fazendo foi muito
enriquecedor. O mais legal do processo do vídeo foi a visão dos camaradas de
aproveitar o conteúdo individual e canalizar para uma ação. Isso é muito
significativo porque é utilizar as peculiaridades que existem em potencial
neste conjunto que se formou nas ruas. Pessoas com historias e habilidades que
a mentes desavisadas nem sequer imaginam.
Sobre a visão politica.
As historias só existem quando participamos delas e não quando nos
aproveitamos delas.
O tempo na rua me permitiu compreender a situação politica. É lamentável
adotarmos um sistema de governo que tem uma formula de dois milênios e não
conseguimos formar uma sociedade mais justa que realmente propicie a qualquer
um praticar a cidadania na sua mais legitima concepção.
Sobre o habito da leitura.
Descobri os livros com a reciclagem. Vendíamos os livros que recolhíamos
como se fossem latas. Um dia a capa e o titulo sugestivo de um deles me chamou
a atenção, separei-o e li. Era a Revolução dos livros, livros com teor
politico, de um nível muito alto que instigou a minha curiosidade, comecei a
procurar outros livros e noticias e noticias de jornais. Aconteceu de uma forma
muito natural e hoje este habito é como respirar. Sou grato pelos escritores e
pensadores que dedicaram a transmitir, através dos livros, conhecimento. A
literatura fortalece o caráter.
A visão econômica da rua.
A rua é um ambiente insólito, onde o ser humano encontra-se
desvalorizado e economicamente inviável. Então, buscamos auxilio na
constituição e compreendemos o direito de ser economicamente viáveis, nos
embasamos no calculo do DIEESE que observa os preceitos da receita do tesouro
da união. Sabendo disso, notamos que só em resíduos recicláveis poderíamos
tirar as pessoas em situação de rua da marginalização econômica.
Estamos às portas para o final do prazo de mudança da politica de
detritos que nossa sociedade produz e projetamos duas perspectivas no momento:
1º uma licitação para alguma empresa administrar o recurso e produzir
mais descriminação ou
2º a sociedade não deixar escapar a oportunidade de realizar algo de boa
qualidade.
Cartografia Institucional
Vocacional – Artes
Integradas - Programa De Braços Abertos
Artistas Orientadores: Rafael
Presto e Márcio Dantas
Coordenação: Ieltxu
Martinez
1. Contexto
O Programa De Braços Abertos é, por princípio, inter-secretarial,
contando com a ação de inúmeras secretarias em sua composição. Se por um lado
essa é uma característica muito potente, possibilitando a articulação com
dispositivos e trabalhadores das mais diferentes frentes, é também uma
característica de fragilidade, dado o excesso de ações no território e as
dificuldades de articulação efetiva entre as muitas iniciativas, resultando
numa certa esquizofrenia institucional. Neste contexto de excesso que aportamos
no De Braços Abertos.
2. Chegada: mapeamento
cartográfico institucional
Nossa primeira ação foi, a partir de dispositivos artísticos, mapear os
muitos atores que atuam no De Braços Abertos para, partindo dessa observação,
encontrar uma forma articulada de agirmos – esse foi o desafio que nos
propusemos. Todos os profissionais da saúde e da assistência social, que atuam
na linha de frente do Programa – redutores de danos, agentes comunitários,
educadores sociais e trabalhadores dos CAPS – foram muito solícitos e nos
ajudaram a construir uma porta de entrada com os usuários. As gerentes da Tenda
De Braços Abertos também foram muito parceiras, nos ajudando em todas as
composições que fizemos por lá (o espaço não possui quase nenhum recurso de
nenhum tipo). Assim começamos nossa guerrilha vocacional: mapeando os muitos
agentes institucionais e inventando mecanismos que constituíssem um processo
emancipatório não invasivo, que potencializasse, primeiramente, os usuários da
Tenda e os beneficiários do Programa De Braços Abertos.
3. Programa Vocacional junto ao
POT (Programa Operação Trabalho)
Nosso mapeamento foi todo pautado em uma esfera micro-política.
Acompanhamos de perto os muitos cotidianos que compõe o De Braços Abertos, as
abordagens na rua, as visitas nos hotéis, a frente de trabalho na varrição, a
distribuição da sopa. Os acontecimentos institucionais da Tenda, sobretudo os
acontecimentos culturais, tinham dificuldade de romper um caráter de evento, ou
seja, um acontecimento esporádico sem perspectiva processual de continuidade. A
exceção, além da rotina de abordagens dos trabalhadores, foi, e é, a frente de
trabalho desempenhada pela Secretária do Trabalho através do POT (Programa
Operação Trabalho). Nessa iniciativa tínhamos, compondo com as características
da população atendida pelo De Braços Abertos, alguma perspectiva processual.
Tentamos então uma engenharia institucional para implantar os encontros do Vocacional
criando um frente de trabalho da cultura dentro do POT. Infelizmente,
macro-institucionalmente fomos vetados, depois de fazer, a caráter de teste, um
encontro muito potente. Passamos a apostar, com toda nossa implicação, nas
construções micro-políticas, no limite da invisibilidade.
4. PAS (Projeto Artístico
Singular) e Coletivo Sem Terno
Atualmente, dentro desta perspectiva de atuação micro-política, estamos
atuando vocacionalmente em duas frentes. O fortalecimento em ação dessas duas
frentes encerra nossa guerrilha vocacional no Programa De Braços Abertos.
A primeira frente é a da ação direta, pessoa a pessoa, com os
frequentadores da Tenda De Braços Abertos. Nos debruçamos em encontros solos,
com pessoas e potencias singulares, e gestamos alguns processos criativos em
meio a Crackolândia. Chamamos essa estratégia de ação direta pessoa a pessoa de
PAS – Projeto Artístico Singular. Dia 8 de Novembro, às 14h, dentro da Mostra
Vocacional Artes Visuais, na Olido, José Abreu, xamã urbano, fará uma oficina,
uma das ramificações desta estratégia.
A
segunda frente é a articulação de um encontro mensal que agencie, dentro de uma
ação combinada coletivamente, os muitos atores institucionais que atuam na
Tenda De Braços Abertos. Nos encontrar em um mesmo gesto coletivo, todos os
trabalhadores que cotidianamente fazem acontecer a dinâmica institucional do
território. Dia 28/10 faremos a primeira dessas ações, o Dia da Pipa, aberta a
todxs que trabalham e atuam nesta ousada iniciativa chamada De Braços Abertos. No
próximo mês, faremos o segundo encontro.
VOCACIONAL - ARTES
INTEGRADAS – PROGRAMA DE BRAÇOS ABERTOS
Coordenação: Ieltxu
Martinez Ortueta
Artistas Orientadores:
Márcio Dantas e Rafael Presto
1º Relatório |
Reflexão
Rafael Presto, Segunda-feira, 14/04/2014
Braços Abertos: avançado programa de redução de danos
ou caça niquel eleitorero? Qual o limite entre o assistencialismo e a produção
de vínculos? Como atuar contra a espetacularização? Atuar na região dos Campos
Elíseos é estar lado a lado com o peso de um construção simbólica: nomear,
oficialmente, uma região da cidade como 'cracolândia' define muito de suas
possibilidades de composição, seus fluxos possíveis de construção. Crackeiro é
um termo que nívela o humano e a droga, mais uma das muitas violências
simbólicas que atravessam o bairro da Luz. Essa usinagem simbólica, intuo,
parece ser o norte das ações do Vocacional nesse território bastante singular.
O que é patrimoniável? Quais as significações possíveis para os Campos Elíseos?
Quem opera essas significações? Qual afeto atravessa o território? Como
produzir canais de diálogo e experiência pela tangente? Quem envolver com
nossas ações: usuários do programa, moradores do bairro, pessoas do fluxo?
Quais qualidades possíveis de ação direta em um contexto como esse? Qual nosso
amparo para atuar na Tenda Braços Abertos? Como faremos nossa guerrilha
vocacional?
TERÇA-FEIRA
Como compor com a apresentação da Virada Cultural,
eminentemente mercantil, dentro de um contexto de emancipação, como o do
Vocacional? Como arquitetar linhas de fuga, bussulas futuras, para um processo
que continue, depois da grana e do palco do Braços Abertos? Como construir
outros príncipios relacionais que não este da barganha capitalista? Corremos o
risco de fortalecer esse vetor mercantil de existir com essa prática
artística?
- Djembe enquanto dispositivo
- Rompimento das linguagens egocentradas para
a construção de uma discursividade estética-coletiva.
- Compreender o local do Vocacional no meio desse
furacão de interesses outros.
SÁBADO
Chegar devagar: cartografar o terreno da Tenda de
Braços Abertos, seus campos de potência, possibilidades de composição,
urgências vitais. Como partir de um dispositivo artístico para construção do
encontro, do vínculo, em um local em que a pretensão do vínculo é premissa de
atuação para diversos profissionais (saúde, assitência social, direitos
humanos, religiosos)? Como aplicar linhas de diferenças na composição desses
vínculos a partir da experiência estética? A emancipação pode ser entendida
enquanto um processo de produção de cuidado?
-
Craft + Spray: investida estética na arquitetura
do espaço.
-
Roda de alongamento.
Última provocação: habito, literalmente, o espaço
onde as fronteiras se borram: orientador vocacional, oficineiro do CAPS;
território em ruínas, potência dos modos de existir não hegemônicos; investidas
artísticas, interesses nem um pouco nobres operando os títeres. Existe uma
urgência da ignorância na orientação que faremos por este território. Ou nos
vestimos com nossos dessaberes, nos debruçamos radicalmente sobre a alteridade
radical do outro neste contexto, ou corremos o risco de ser mais um dos muitos
atores sociais que capitalizam a miséria aguda que compõe esse território. Os
princípios do Vocacional operam como bussulas necessárias para construção de
alguma diferença. Na singularidade extrema deste espaço, afirmam-se os nortes
do nosso Programa. A emancipação enquanto bomba política.
VOCACIONAL - ARTES
INTEGRADAS – PROGRAMA DE BRAÇOS ABERTOS
Coordenação: Ieltxu
Martinez Ortueta
Artistas Orientadores:
Márcio Dantas e Rafael Presto
2º Relatório |
Reflexão
Márcio Dantas, Terça-feira, 20/05/2014
O território de
ação artístico-pedagógica que nos foi ofertado para atuar se centrava na Tenda
Braços Abertos na Rua Helvetia 64. Em um mês de atuação percebemos mudanças
significativas no espaço e nas relações-vínculos que relataremos aqui.
Estabelecemos
como primeira estratégia que, ainda sendo uma equipe humana extremamente reduzida
(somos apenas três artistas, dois orientadores e um coordenador), tínhamos que
nos fazer ver, ocupar o espaço com nossa presença para nos inserir no meio e
estabelecer vínculos com os frequentadores da Tenda.
DIAGNÓSTICO
Nosso primeiro
diagnóstico aponta para a necessidade de fazermos alguns apontamentos para que
possamos dar continuidade e potencializar o trabalho para que este ganhe de
fato aspectos artísticos condizentes com os princípios do programa Vocacional.
Em nosso
encontro para apresentação, realizado na galeria Olido, várias falas apontavam
para uma demanda as tardes e sábados, períodos tidos como ociosos por não
coincidirem com o período de trabalho.
Nossa primeira
percepção foi que este público não ocupa mais a tenda nestes períodos. A tenda
é então ocupada por uma população desligada do Programa Braços Abertos. Se
apontam dois fatores relevantes para a ausência destas pessoas.
1- A relação de
trabalho e moradia (ocupação dos hotéis), no período da tarde e aos sábados as
pessoas descansam e/ou fazem uso da droga em seu quartos, isto tem ocasionado
uma visível diminuição no “fluxo” e também da tenda, que passou a ser apenas um
lugar de passagem. Percebemos claramente que o denominado “fluxo” diminuiu
consideravelmente, não chegando hoje a mais de 100 pessoas.
2- As
constantes ações policiais que consistem unicamente em empurrar o
"fluxo" de um lado para o outro, o que ao nosso ver atrapalha a
criação de vínculos com o espaço e reforça seu vínculo com o próprio “fluxo”,
sendo este de fato o único lugar de encontro, onde eles se reconhecem e
desenvolvem uma relação de pertencimento.
As duas
primeiras semanas o chamado ‘fluxo” estava estabelecido na esquina da rua
Helvetia com a Alameda Cleveland, num local aberto e com grande visibilidade,
praticamente na frente da Tenda. Essa área foi limpada e ocupada de forma
ostensiva pela GCM (Guarda Civil Metropolitana), empurrando o “fluxo” para uma
rua com menos visibilidade a Rua Dino Bueno, atrás da Tenda Braços Abertos.
Atualmente a
tenda esta praticamente vazia sendo frequentada e ocupada por não mais de 30
usuários que lavam roupa, comem sopa e deitam para descansar ou assistir TV.
PRIMEIRAS AÇÕES
Neste primeiro
mês de trabalho desenvolvemos estratégias e procedimentos que pudessem
interferir na dinâmica e possibilitassem novos olhares para velhos hábitos.
Assim realizamos:
-Fazer-se
presente, dividimos nossos horários de modo que estávamos na tenda praticamente
todos os dias da semana. Esta ocupação teve o objetivo de mapear o espaço e o
entorno, além de nos fazer conhecidos no meio, o que possibilitaria estabelecer
uma relação e dialogo; A primeira ação clara é estabelecer vinculo com os
frequentadores da tenda.
-Uma roda de
samba na rua. Esta ação experimentou interagir com uma cultura já instaurada no
local. Apuramos que este samba já acontecia havia algum tempo. Embora este
possa funcionar como um resgate de potencialidades artísticas (cantores,
instrumentistas, artistas plásticos e dançarinos), este também vem se
transformando e ganhando características do “fluxo”;
- Corpos em
movimento na entrada da tenda. Experimentamos um alongamento na entrada da
tenda e foi possível perceber que embora algo mais calmo e diferente da
dinâmica comum chame a atenção e desperte novos olhares, ele logo perde sua
força por ser constantemente interrompido;
- Organização de uma bateria de samba que
acompanhou um trio elétrico nas ruas do bairro. Nesta ação pegamos um gancho em
um evento realizado por outras organizações. Percebemos que estes eventos são
realizados de forma isoladas da tenda, sem articulação entre as várias
secretarias que atuam no local e embora tenham um forte poder de modificar a
dinâmica local acontecem como ações muito pontuais e sem continuidade, por
tanto não geram vinculos;
- Intervenção no
espaço. Inserção de corpos na parede com registro do contorno do corpo. Os
registros feitos em giz transformaram a paisagem da tenda, chamando a atenção
do olhar e também funcionou como um disparador de diálogo; [vídeo]
- Acompanhamento
das equipes que trabalham varrendo as ruas. Com o objetivo de conhecer de perto
e de fato quem é e onde está a população com quem deveríamos está lidando. Esta
ação nos fez enxergar uma possibilidade de realmente dar início a um trabalho
mais direto com esta população e de certa forma diminuir as “distancias” entre
as ações já implantadas.
TENDA: Lugar de passagem-lugar de paragem
Com pouco mais
de três meses de implantação o que é possível perceber é que ainda estamos
todos em processo de chegada, mas é fato que a Tenda agora é apenas um lugar de
passagem ou de atendimento de demandas muito primárias e importantes como beber
água, tomar banho, buscar um pouco de comida ou um serviço dentre os oferecidos
pelas várias secretarias que também passam por este lugar.
Por duas vezes,
aos sábados, foi possível ver a tenda realmente ocupada como lugar de paragem,
mais como lugar de descanso, de certa forma apenas para fugir do sol. Assim, ou
as pessoas estavam no amontoado do “fluxo”, ou se amontoavam para dormir na
tenda, em frente a uma TV constantemente ligada. O que podemos perceber é que
simplesmente se transfere o espaço deste amontoamento de pessoas.
VÍNCULOS: potencialidades
-Evandro
Martins (percussionista, já fez teatro e dança, conhece vários artistas da Zona
Oeste)
-Diego (artista
visual, desenha, grafite, pinhole e foto com caixinha de fósforos) é de Bonito
(MS)
-Fofão (Gerson)
(Começou a participar do show da Virada)
-Cauex (rapper
e compositor começou a participar do show da Virada)
-Tia (Sandra
Aparecida Lopes dançarina, mãe de rua)
-Lucia (vó de
rua)
-Yulli
Prado/Renata (travesti- Maranhão, conhece danças dos orixás)
-Rogerio
(artista que pinta com os dedos) [vídeo]
-Wagner
(participou de coral na oficina do projeto Criança Esperança, na zona sul)
-Michel (foi dono
de uma escola de música em Santo André)
-Luís Fernando
(artista plástico)
-Teca
(instrumentista toca pandeiro e recita poemas)
-Rafaela Lima
(dança de salão)
-Williamon da
Silva Costa (lutador de capoeira)
-Donizete
(cantor de hinos evangélicos)
-André (participante
dos encontros aos sábados)
O QUE VISLUNBRAMOS...[PROPOSTA DE AÇÃO
CONCRETA]
É preciso criar
ou recriar os vínculos com a tenda, vista aqui não só como espaço físico, mas
como um espaço de pertencimento. Pensamos na possibilidade de estabelecermos
uma parceria com a Secretaria do Trabalho de modo que além de varrer as ruas e
fazer trabalhos de jardinagem, o usuário do Programa possa optar por realizar
uma atividade artística com orientação, sendo remunerado da mesma maneira.
Pensamos que se a premissa para o trabalho é devolver a dignidade, com a
inclusão da Secretaria de Cultura, está não necessariamente tenha que que vir
só com trabalhos uteis e braçais e que se possa optar também por realizar uma
atividade artística, não vista unicamente como lazer ou como ocupação do tempo
ocioso e sim como uma atividade importante para o desenvolvimento da pessoa e
da sua potência como individuo.
Pensamos que
nossa ação tenha que se focar nas pessoas que realmente estão participando do
Programa Braços Abertos, onde sua rotina esta sendo cada vez mais organizada, e
que estas pessoas venham a ser potencializadores das ações artísticas chamando
outras pessoas que estão no “fluxo”.
Mantemos o
encontro de sábado das 14h as 17h na Tenda, onde os artistas-orientadores vem
tentando instaurar dispositivos de criação artísticos e propomos oferecer mais
um dia da semana (a ser definido, mas sugerimos ser terça-feira de manhã) para
ofertar atividade artística junto com varrer as ruas e os trabalhos de
jardinagem
OBJETIVO:
Estimular a
ocupação da tenda com atividades artísticas capazes de desenvolver vínculos e
relações de pertencimento diminuindo o tempo ocioso e os danos causados por
este.
JUSTIFICATIVA:
Arte e cultura
são reconhecidamente instrumentos de transformação. Acreditando no potencial transformador
pensamos ser possível estabelecer vínculos afetivos que possam resgatar noções
de pertencimento e territorialidade.
DESENVOLVIMENTO:
Realizar um
encontro artístico por semana com orientação do programa Vocacional- Artes
Integradas- com um grupo de no máximo 20(vinte) pessoas, seguindo o modelo de
divisão adotado pela secretaria do trabalho, acompanhado por um monitor da ONG-
Brasil Gigante.
ÚLTIMA AÇÃO-CONVERSA REALIZADA 20.05.2014
Em reunião
realizada com a gerência da tenda (Zélia e Eliana), -nossas principais fontes
de interlocução entre as demais secretarias que agem neste espaço- marcamos uma
reunião com a Paula – gerente da ONG Brasil Gigante.
Após expor o
projeto de trabalho conjunto, muito bem recebido pela gerencia da ONG.
Acertamos que estes encontros serão realizados preferencialmente as terças
feiras no período da manhã com participantes do programa de varrição no espaço
anexo a sede da ONG. Antes de iniciarmos os encontros pensamos em conjunto que
seria prudente nossa presença numa segunda e numa terça (reunião dos técnicos e
orientadores da Brasil Gigante), com o objetivo de apresentar a nova perceria,
além de criar vínculos também com estes agentes.
VOCACIONAL - ARTES
INTEGRADAS - PROGRAMA BRAÇOS ABERTOS
Coordenação: Ieltxu
Martinez Ortueta
Artistas Orientadores:
Márcio Dantas e Rafael Presto
3º Relatório |
Reflexão
Relatório de ações
Rafael Presto, Sábado, 25/05/2014, 14h as 17h, Tenda
Braços Abertos
1. Chegada
De quando a chuva fez a Tenda
Braços Abertos voltar a encher
Um dia chuvoso, cinzento e frio – foi este o retrato deste sábado na
cidade de São Paulo. Em dias assim, o espaço do Braços Abertos sempre ganha um
maior movimento, cumpre um digno princípio de redução de danos: ao invés de
dormirem debaixo da chuva, os moradores das ruas da Luz buscam abrigo para seu
descanso no espaço seco da tenda. A organização dos usuários do equipamento
seguia também como de costume. Sob cobertores, colchonetes, caixas de papelões,
os corpos em descanso se organizavam a partir de uma perspectiva, a do aparelho
de televisão, elemento organizador central do espaço, praticamente o deus da
tenda. Geometricamente dispostos para que todos pudessem comtemplar a telinha,
assistiam um filme qualquer, esperando a partida de futebol que começaria logo
depois do filme – quem não quer assistir a final da UEFA Champions League?
2. Ação Vocacional
A micropolítica enquanto
princípio no limite da invisibilidade
Sem espaço seco que nos permitisse uma ação artística mais incisiva,
escolhemos uma pequena tenda ao lado do espaço principal para nos abrigarmos;
lá estava um usuário que conhecemos nas nossas idas ao espaço De Braços
Abertos, aguardava um transporte para o hospital, havia luxado o pé. Levamos
como dispositivo de intervenção um instrumento musical chamado Sainty Drum¸ um instrumento
percussivo-melódico, muito fácil de tocar e com uma capacidade de agenciamento
de encontros surpreendente, como pudemos constatar no sábado anterior. A partir
dele, começamos um momento de experimentação estética – o pé machucado foi até
esquecido por alguns instantes. Rapidamente já se aproximaram outros dois
usuários da Tenda, surpresos com o artefato musical inusitado. Todos eram
beneficiários do POT; já os convidamos para participarem dos encontros de terça
que começaremos a realizar dentro do plano de trabalho do Programa Braços
Abertos. Definitivamente, os melhores encontros que constituímos na nossa
experiência vocacional dentro do programa sempre emergem de um horizonte
micro-político. A potência do encontro parte disto, da escuta direta, olho no
olho, afetividade sem mediações massificantes. Aos poucos, vamos construindo um
lugar de composição com a população que anima esta ousada ação chamada Braços
Abertos.
Atravessamento:
histórias que colhemos nas
micropolíticas estéticas-vocacionais que empreendemos.
Uma das pessoas novas que conhecemos foi Leandro, beneficiário do
programa Braços Abertos, um homem alto, olhos claros, jeito tranquilo. Contou
que foi preso duas vezes, puxou dois anos
e pouco na primeira passagem, cinco anos na outra, e que no tempo que foi preso
ficava maravilhado com a criatividade de seus companheiros de cadeia. Um deles
fabricou um micro-ondas, juntando uma caixa de alumínio onde vinham os
marmitex, três lâmpadas e uma tampa; fazia-se até pudim no micro-ondas (!).
Fabricavam também pinga, misturando pão pulmam, goiabada cascão, açúcar e água;
deixavam fermentar dentro do latão de leite em pó. O estético brota dos
inusitados potentes do cotidiano.
3. Projeto Luz Solar
a. Antecedentes
Sabendo que neste sábado aconteceria o Projeto Luz Solar, capitaneado
pelo Pessoal do Faroeste na figura do Paulo Faria, nos dispusemos a intermediar
institucionalmente a ação. Vimos, em nosso breve diagnóstico pelo espaço, que
um dos elementos mais disruptivo do Braços Abertos é uma descentralização das
ações. Ao invés de constituir uma experiência coletiva somando muitos esforços,
a não conversa entre os muitos atores que compõe as ações da tenda produz um
campo de acontecimentos jogados, que enfraquece o programa de uma maneira
geral. A fim de evitar que a Secretária de Cultura participasse dessa
‘esquizofrenia’ institucional, achamos melhor fazer a mediação entre a Gerência
da Tenda Braços Abertos, na figura da Eliane, com o Paulo Faria e o projeto Luz
Solar. Ficamos duplamente surpresos: por um lado Eliane não sabia da existência
do projeto; com exceção das apresentações do Coletivo de Galochas, que foram
discutidas com os gestores da Tenda Braços Abertos por iniciativa do próprio
coletivo, o restante do projeto não foi planejado junto da dinâmica da Tenda e
seus gestores. A maior prova disso é que domingo, dia 25/05, haveria a
apresentação de uma orquestra na Tenda, no mesmo horário em que se iniciariam
os cursos de um mês ofertados pelo programa Luz Solar. Por outro lado, o Paulo
Faria, curador do projeto, se recusou a produzir este diálogo institucional,
dizendo que esta conversa era de responsabilidade da Secretária Municipal de
Cultura, não dele, e que a tarefa dele era simplesmente realizar a ação, que
seria um cortejo e uma roda de conversa com os usuários da Tenda, e não
conversar com as gerentes da Tenda. Julgamos imprescindível este diálogo
institucional pois a intersetorialidade é um dos elementos de principal acerto
do Programa de Braços Abertos. Depois do insucesso de nossa mediação, partimos
para nossa ação vocacional, como descrito no segundo tópico deste relato.
b. Chegada do Projeto Luz Solar
Como um público que assiste de fora a chegada do homem branco em
terras estrangeiras, pudemos acompanhar a chegada do cortejo do Projeto Luz
Solar, composto de pessoas brancas, bem vestidas, com caras de assustadas e um
pouco perdidas. A distância entre os oficineiros e os usuários da Tenda Braços
Abertos era visível. O incomodo generalizado também. Chegando lá, todos pararam
ao lado da tenda sob a garoa fina, esperando o que fazer. Paulo Faria foi até a
gerencia da Tenda, conversou rapidamente, e resolveu ‘chegar chegando’, nas
palavras dele mesmo: decidiu que desligaria a TV para anunciar as oficinas que
iriam começar por lá. Mesmo sendo avisado pela gerente de que essa não era a
melhor estratégia, insistiu na ideia e desligou o televisor. Imediatamente os
usuários da Tenda começaram a gritar veementemente, “Queremos ver o jogo!”,
“Liga a TV!”. Em meio a pedidos de desculpas, certa bagunça, alguma
impaciência, os oficineiros, um a um, se apresentaram, ofertando os saberes que
desenvolveriam em suas oficinas. Pareciam estrangeiros ofertando sua sabedoria
aos nativos. Como construir as oficinas compondo com o fluxo
ético-estético-político da Tenda Braços Abertos? Como propor um outro possível,
partindo de uma experiência artística, construído coletivamente pelo encontro
das diferenças entre oficineiros e usuários?
c. Final Musicado
No fim, para evitar um maior constrangimento da ação empreendida pela
Secretária Municipal de Cultura, intervimos na finalização da apresentação do
Projeto Luz Solar. Surgiu a ideia que Cao-X, um usuário MC conhecido na Tenda,
fizesse uma rima para finalizar a apresentação. Tocamos com um surdo uma base
para que Cao-X fizesse sua música. Depois, um dos Orientadores Vocacionais
puxou, junto com o Coletivo de Galochas, uma mini bateria de escola de samba,
agora do lado do fluxo, do lado de fora da Tenda, para propor uma experiência
que se compartilhasse com os outros moradores de rua que não estavam no espaço
seco do Braços Abertos. Pensamos que talvez pudéssemos, nas semanas em que acontecerão
as oficinas do projeto Luz Solar, realizar as ações do Vocacional mais cedo,
para que as coisas não se misturem. Pensamos que os encontros do Vocacional
poderiam mudar para mais cedo, das 10h às 13h, a fim de que permaneça distinta
a atuação desses dois empreendimentos.
Atravessamento:
De como a Cracolândia se tornou
radicalmente um palco de atuação política.
Curiosamente, no mesmo dia em que tudo isso aconteceu, o Senador
Federal Eduardo Suplicy estava no fluxo distribuindo uma cartilha ilustrada
sobre um projeto de sua autoria, a Renda Básica Cidadã. Rapidamente se envolveu
com a ação Luz Solar, ficou lá dentro, foi fotografado, e o rap cantado por
Cao-X foi disparado para ele, Eduardo Suplicy. A cracolândia virou palco de
atuação política; as evidências se empilham na hipérbole de projetos e
acontecimentos que acompanhamos cotidianamente na Tenda Braços Abertos. Como um
projeto que tem apenas quatro meses de vida pode ser colocado nesse lugar tão
importante, praticamente uma tábua de salvação política? Serão esses
atravessamentos externos, essa publicidade excessiva em torno do Braços
Abertos, os principais agentes de fragilização do projeto? Onde posicionar
nossa ação artística vocacional em meio a todo este furacão?
VOCACIONAL - ARTES
INTEGRADAS - PROGRAMA BRAÇOS ABERTOS
Coordenação: Ieltxu
Martinez Ortueta
Artistas Orientadores:
Márcio Dantas e Rafael Presto
4º Relatório |
Reflexão
Márcio Dantas
É parte da
prática do Vocacional o relato das investidas artísticas junto aos seus espaços
de atuação. Geramos protocolos, deixamos rastros, e acreditamos neste
dispositivo como forma de articular-ações.
Conforme
apresentado em nosso primeiro relatório, nosso trabalho na tenda e região da
luz, no primeiro mês, se desenvolveu em torno de um mapeamento das
potencialidades artísticas e na busca de
um espaço possível à realização de atividades condizentes com os princípios que
norteiam o Vocacional. Assim, o lugar que ocupamos foi justamente o de
articular-ações que atravessam este espaço, tendo como foco principal gerar
vínculos com os usuários.
Ainda no
primeiro relatório apontamos o que para nós pareceu uma porta de entrada para
uma ação mais direta e com maior possibilidade de desdobramento (a parceria com
a ONG Brasil gigante, por meio do POT). Realizamos todas as conversas que
achamos necessárias para oficializar a proposta:
Apresentação da
proposta para o Airton, nosso interlocutor entre os programas;
Apresentação da
proposta para a gerência da tenda, tendo na pessoa da Eliane uma mediadora
junto a ONG;
Apresentação da
proposta para a Paula, Gerente da ONG;
Apresentação da
proposta para o Tedi, responsável pela parte cultural da ONG (com a presença do
Airton) e realização do primeiro encontro no espaço anexo a sede da ONG na
terça feira dia 03 de junho, com participação de 06 usuários:
Alex Eliseu da
Silva
Simone
Margarida Siqueira
Tais Madureira
Donizete Garcia
Cristiane
Mendes Frante
José Gilmar da
Silva Junior.
Vale ressaltar
que durante este processo nem um impedimento foi apontado.
Julgamos,
então, que as amarras institucionais, as quais não são de nossa competência,
também estavam encaminhadas.
SOBRE A CONSTÂNCIA DA DERIVA...
Neste primeiro
encontro tivemos que investir um tempo para explicar para usuários e monitores
qual era nossa função ali, percebemos então que alguma das conversas não tinha
sido feita, pelo menos não de forma efetiva.
Além disso, o
espaço que havia sido destinado para nossa prática estava ocupado por outra
ação. O encontro aconteceu em uma área externa, mais aconteceu e foi de fato o
primeiro encontro coletivo com experimentos artísticos desde nossa chegada. O
fato que reforçou nossa visão de que é necessário articular-ação foi o de hoje
terça feira dia 09, quando teríamos o segundo encontro - fomos informados pelo
Sr. Evilásio, também gerente da ONG, que não poderíamos dar continuidade aos
encontros pela manhã, que eles não poderiam liberar os usuários da varrição.
Assim,
constatamos, mais uma vez, uma falta de comunicação comum às instâncias
publicas, visto que poderíamos ter sido previamente informados e assim
evitaríamos o desconforto de divulgar aos usuários algo impossível de
realização e a consequente quebra de expectativa.
Estamos cientes
das especificidades da lida com este público, dos riscos e fragilidades de uma
investida com pouco mais de quatro meses, mais também temos ciência das
potencialidades e desdobramentos possíveis tanto de cunho artístico como
social.
SOBRE REMAR... E REMAR...
A
impossibilidade de mantermos este espaço, atrelado ao trabalho, embora gere
algum desânimo, apenas revela o quão difícil e árduo é o trabalho de criar
espaços que possam gerar experiência artística vista para além das políticas de
evento com foco no entretenimento.
Mas remar é
preciso para navegar águas mais profundas...
Embora nosso
diagnóstico tenha apontado o contrário, várias falas giram em torno da ocupação
do espaço da tarde, tido como ocioso. Topamos o desafio! Quem sabe até nos
surpreendamos com o resultado?!
Pensamos em
manter a parceria com a ONG, por ter acesso aos usuários envolvidos no programa
de varrição e por disponibilizarem um espaço físico onde é possível a realização
de encontros coletivos de caráter artístico.
Nosso objetivo
com este relato é reforçar a necessidade um amparo institucional para que
respostas as nossas propostas, bem como um retorno aos relatórios possam vir
com a urgência necessária para respaldar ou apontar outras possibilidades.
Obrigado!
VOCACIONAL - ARTES
INTEGRADAS – PROGRAMA DE BRAÇOS ABERTOS
Coordenação: Ieltxu
Martinez Ortueta
Artistas Orientadores:
Márcio Dantas e Rafael Presto
5º Relatório |
Reflexão
Rafael Presto, Sexta-feira, 27/06/2014
De Onde Estamos
Novamente, não conseguimos, através da articulação institucional,
constituir um espaço para possíveis encontros do Vocacional. Depois da
impossibilidade do espaço dentro do POT, foi sugerido que tentássemos realizar
um encontro no período da tarde, articulado em parceria com a ONG Brasil
Gigante, que faria a ponte com os beneficiários do Programa de Braços Abertos.
Sugerimos terça-feira à tarde, houve de fato uma articulação, os beneficiários
foram convidados para o encontro por um técnico responsável, mas não houve
interesse. O espaço da tarde é mesmo de difícil articulação com as pessoas que
participam da frente de trabalho. Gostam de descansar em seu horário de
descanso.
Diante disso, voltamos para onde começamos: restou-nos os vínculos
singulares que acabamos compondo com os usuários que conhecemos, seja nas ações
artísticas realizadas na Tenda De Braços Abertos, seja nos dias que
acompanhamos as varrições ou do único encontro coletivo que aconteceu dentro do
POT. Em nossas incursões pelo estigmatizado território da cracolândia, já
conhecemos muitas pessoas que, de uma maneira ou outra, transitaram por
territórios artísticos.
O que nos faz pensar: não seria o caso de arriscarmos então uma atuação
vocacional pautada nesse encontro singular, nesse vínculo direto, atuar
culturalmente aí, nesse agenciamento do corpo a corpo? Investir radicalmente na
micropolítica do encontro?
Das estratégias que Pensamos
Partindo desses questionamentos, decidimos adotar uma estratégia de
encontros direto, de conversas e projetos artísticos inventados e praticados
pessoa por pessoa, cada um singularmente compreendido como um artista
vocacionado.
Assim, inventamos uma metodologia de trabalho para planejar, produzir e
cartografar esses agenciamentos estético micropolíticos, chamada PAS
(Projeto Artístico Singular). O termo é Inspirado no PTS (Projeto
Terapeutico Singular), conceito chave dentro das práticas emancipatórias que
compõe a saúde mental atualmente, muito presente no território multidisciplinar
e intersetorial que é o De Braços Abertos, programa que atuamos com nossas
incursões artísticas. As relações que tecemos com todos os sujeitos únicos que
conhecemos dentro do programa são o ponto de partida do PAS.
Essa metodologia é apoiada em um instrumental pedagógico: uma
ficha-cartográfica do PAS. Esta ficha-cartográfica, além de proporcionar um
registro, serve de ponto de apoio para a elaboração das próximas ações
realizadas pelos artistas orientadores. Este instrumental, no entanto, não deve
ser preenchido durante o encontro vocacional; deve sempre ser preenchida depois
pelos artistas orientadores, garantindo a ficha-cartográfica seu lugar de
reflexão.
Como funciona essa metodologia de
trabalho?
Dividimos em duas etapas a metodologia de ação e registro que estamos
propondo. A primeira etapa, o estágio em que estamos, é a de Vínculo e Mapeamento, onde, através dos
encontros singulares produzidos por nossas vivências no Programa De Braços
Abertos, começamos a compreender o que determinada pessoa compreende por
cultura, arte, produção simbólica, e quais as linguagens/habilidades ela já
possui.
Assim, dentro da etapa de Vínculo e Mapeamento, dois campos devem ser
preenchidos no instrumental de trabalho. O primeiro deles chama-se Referências Culturais, onde se registra
os muitos campos culturais que atravessam aquele determinado artista
vocacionado. O segundo campo é o de Afinidades
Artísticas, as especificidades de práticas e acúmulos que aquela pessoa carrega,
seja tocar um instrumento, pintar telas, escrever contos, atuar, compor rimas,
enfim, qualquer afinidade com alguma ação artística concreta que aquela pessoa
tenha realizado ou simplesmente tenha desejo.
Passada esta etapa de Vínculo e Mapeamento, entramos na etapa do Projeto Artístico Singular propriamente.
Aqui são planejadas ações, sempre em conjunto com o artista vocacionado, que
ocuparão os encontros do Vocacional. Também aqui, o Projeto Artístico Singular
se divide em dois eixos complementares. O primeiro chama-se Processos de Apreciação, em que se
partilha idas a experiências estéticas que alimentem o campo cultural desejante
do artista vocacionado, seja uma ida ao museu, a uma peça de teatro, um parque,
um círculo de meditação, um sarau de poesia, tudo aquilo que sirva para a
composição de um campo referencial estético singular. O segundo eixo do Projeto
Artístico Singular chama-se Processos de
Elaboração, onde uma experiência de produção estética é realizada através
um processo continuado de criação, a materialização artística dos encontros
micropolíticos desta metodologia. Um dos objetivos é sim tecer, nos encontro e
agenciamentos únicos, acontecimentos concretos. Fazer um pouco de arte.
Metodologia e Instrumental em
Funcionamento
Segue abaixo um exemplo desta metodologia, aplicada a uma das muitas
pessoas que conhecemos, partindo do instrumental d da ficha-cartográfica como
imaginamos. Este instrumental não tem a intenção de se solidificar. Ao
contrário, ele deve ser poroso e quebradiço, sempre modificado de acordo com o
processo desenvolvido com cada pessoa. A ideia é potencializar as ações que
estamos realizando que, acreditamos, localizam-se no lado oposto de uma
política cultural baseada em eventos e em dados quantitativos. Não nos interessa
hiperpublicizar nenhuma experiência, fazer nenhuma grande operação artística.
Esses acontecimentos, aliás, fragilizam de uma maneira geral o Programa De
Braços Abertos. É preciso calma, paciência e uma relação direta com os
beneficiários dessa iniciativa ousada, neste momento. Essa nossa aposta como
artistas orientadores: a radicalidade da possibilidade micropolítica do
encontro artístico.
PAS
(Projeto Artístico Singular) | Ficha-cartográfica
|
Nome:
|
Idade:
|
José Abreu
|
42 anos
|
Vínculo e Mapeamento
|
Referências
Culturais:
|
Participou de
residências artísticas quando era mais jovem; é muito ligado a diversas
|
culturas
esotéricas, sobretudo a cultura maia; cita muitas referências bibliográficas
e
|
cinematográficas,
é possível elaborar uma lista de referências com ele. Faz bastante
|
referência
para momentos e lugares da história, sempre ligados a certo campo exotérico
de
|
energias,
cosmos e astros.
|
|
Afinidades
Artísticas:
|
Toca e sabe
fabricar didgeridoos, instrumento originário de tribos australianas, usado
|
tradicionalmente
em rituais e meditações. Realiza práticas de meditação.
|
|
|
|
|
Projeto Artístico Singular
|
Processos
de Apreciação:
|
- Visitar a
exposição ‘Mayas’, que acaba de abrir no Ibirapuera.
|
- Visitar um
templo budista.
|
|
|
|
|
|
Processos
de Elaboração:
|
- Combinamos
de produzir um didgeridoo junto de José Abreu. Ele sabe onde comprar o
|
bambo e a
cera necessárias, como furar, lixar e dar acabamento no instrumento. Pensamos
|
em realizar
todo o processo de maneira filmada, produzindo um vídeo-aula sobre fazer e
|
tocar um
didgeridoo.
|
- Com o
instrumento produzido, pensar intervenções artísticas nos espaços do bairro
da Luz
|
a partir da
influência do entorno. Para José Abreu, tocar didgeridoo é uma forma de dar
|
vazão ao som
dos cosmos que habitam os lugares.
|
|
|
Marcadores: arte e saúde, caps, crack, crackolandia, cultura, de braços abertos, didgeridoo, escritos, miséria, morador de rua, pipa, Programa de Braços Abertos, saúde mental, situação de rua, violência
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